Antonio Santos
Nos EUA, a segunda economia mais
rica do mundo, o número de gente sem casa triplicou desde 1983, atingindo os
3,5 milhões. Há atualmente 15 milhões de crianças com fome. Destas, 1,5 milhões
não tem casa. Na lista de países que melhor protegem as suas crianças, a UNICEF
coloca os EUA abaixo da Grécia e apenas duas posições acima da Romênia.
A maior potência imperialista,
que leva a guerra a todo o planeta, está também em guerra com os pobres do seu
próprio país.
Num ano em que a cidade de Nova
Iorque enfrenta o frio mais inclemente de várias décadas, o número de
«sem-abrigo» na Grande Maçã também bateu o maior recorde de todos os tempos: 60
000 pessoas sem casa, metade das quais são crianças. E de acordo com um estudo
publicado na semana passada pela Universidade de New Hampshire, o problema é à
escala federal. Na segunda economia mais rica do mundo, o número de gente sem
casa triplicou desde 1983 para 3,5 milhões. Curiosamente, desde essa mesma
data, também triplicou para 18 milhões o número de casas sem gente.
O estudo concluiu que de geração
para geração cada vez é mais difícil sair da pobreza. Na «terra das
oportunidades», a pobreza das famílias de classe trabalhadora tem uma tendência
consistente para perpetuar-se e crescer nas gerações vindouras, criando um
ciclo vicioso e cada vez mais difícil de inverter. Ou, como demonstra o
testemunho recolhido pela investigadora e jornalista Tiffany Willis: «Uma vez,
eu precisava de lápis-de-cor para um trabalho. A minha professora disse-me que
se eu não os trouxesse levava um zero. Disse-lhe que não tinha, mas ela
respondeu-me que eu tinha de tratar disso. No caminho para a escola, a minha
mãe entrou no supermercado e pediu-me para esperar à porta. Eu não percebi,
porque ela tinha dito que não tinha dinheiro. Quando saiu, levava com ela os
meus lápis-de-cor, mas não estavam dentro de um saco de plástico, estavam
escondidos dentro da blusa. Acho que os roubou. Ela estava a chorar.» Segundo os autores do estudo, a percentagem de
crianças sem-abrigo que conclui o ensino secundário situa-se nos 20 por cento.
No reverso da medalha, observa o estudo, cresce a tendência para que os filhos
dos muito ricos ultrapassem a fortuna dos pais.
O que dizem as crianças sem teto dos EUA
Há atualmente 15 milhões de
crianças com fome nos EUA. Destas, 1,5 milhões não tem casa. Com efeito, na
lista de países que melhor protegem as suas crianças, a UNICEF coloca os EUA
abaixo da Grécia e apenas duas posições acima da Roménia. Poderíamos acreditar
que a colossal dimensão deste crime, que constitui uma continuada violação da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança e que, para além do mais,
decorre num país rico, seria alvo de severas atenções mediáticas e de
consensuais admoestações internacionais. Mas a pobreza das crianças dos EUA é
invisível.
Na verdade, é exatamente essa a estratégia de um número crescente de
estados: varrer a miséria extrema para debaixo do tapete. No Arizona proíbem a
mendicidade; em Boston instalam a chamada «arquitetura hostil», que impede as
pessoas de repousarem nos espaços públicos; no Colorado, o Estado oferece
bilhetes de autocarro aos sem-abrigo, para que vão e não voltem; em Hollywood,
a cidade está a comprar às organizações de caridade os imóveis onde funcionam
os abrigos noturnos… para poder demoli-los; no Alasca, o Representante Don
Young foi mais longe e sugeriu «alcateias de lobos» para acabar com o problema.
São as regras do jogo do
capitalismo em todo o seu brutal esplendor: privatizar a produção de riqueza e
socializar a produção prejuízos, pelo que os resultados económicos negativos
que se sucedem em catadupa nos EUA fazem adivinhar que a escala e a gravidade
da miséria extrema irão continuar a agudizar-se, acentuando cada vez mais as
contradições mais abjetas e anti-humanas do capitalismo. Neste jogo viciado, a
falta de habitação, de emprego e de comida não são infortúnios, são jogadas de
classe. As cartas do capitalismo estão há muito tempo à vista: desvalorização
do trabalho; guerra infinita; miséria. Não basta virar o jogo, é preciso virar
a mesa.
*Este artigo foi publicado no
“Avante!” nº 2155, 19.03.2015
Fonte: O diário info
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