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terça-feira, 21 de abril de 2015

Um cenário croata na Ucrânia

                                                                  
                      por  The Saker

As possibilidades de paz, que sempre foram pequenas, estão a piorar dia a dia. Pessoalmente nunca acreditei que o Acordo Minsk-2 (AM2) fosse implementado pela junta de Kiev e não estou minimamente surpreendido. O máximo que a junta podia fazer era retirar algum (nem mesmo a maior parte!) do seu armamento pesado e a seguir trazer novas armas. Quanto aos passos políticos previstos pelo AM2, para a junta eles são simplesmente impensáveis. Na verdade, mesmo se Porochenko decidisse cumprir o AM2 e, digamos, negociar uma futura constituição ucraniana com representantes da Novorússia, ele provavelmente seria derrubado em 24 horas não só porque aberrações nazis como Iarosh nunca aceitariam como porque, ainda mais importante, o Tio Sam nunca aceitaria.

O ator chave: os EUA

O mais importante ator único na crise ucraniana são os EUA, os quais têm muito mais influência do que a UE ou qualquer força política local. E o facto é que os EUA têm tudo a perder com um desenlace pacífico da guerra civil na Ucrânia. Por que? É simples!

A base de poder dos EUA na Ucrânia é constituída por dois grupos muito diferentes:   primeiro, as aberrações nazis ultra-nacionalistas com laços muito fortes a emigrantes ucranianos no Canada e nos EUA e, segundo, os oligarcas corruptos. O fator chave é isto:   nenhum destes dois grupos constitui a maioria do povo ucraniano, mesmo excluindo o Donbass. De facto, mesmo agrupados numa "5ª coluna pró EUA" as aberrações nazis e os oligarcas locais ainda não fazem uma maioria. Este facto crucial traduz-se num imperativo político muito simples:   os EUA não podem permitir qualquer coisa remotamente "democrática" na Ucrânia:   trata-se do poder "do povo" ou "dos EUA", mas nunca poderá ser de ambos. Daí decorre um 2º imperativo político muito simples:   os EUA precisam manter um estado de crise a todo custo:  guerra, guerra civil, desastre industrial ou ecológico, MH-17 , atiradores de elite (snipers) desconhecidos, etc. A paz mais cedo ou mais tarde traria alguma forma de poder do povo o que por sua vez significaria perda de controle da situação por parte dos EUA.

Essa é a razão porque se a próxima crise resultar de mais uma derrota militar ou de escassez de alimentos e tumultos, a "solução" da junta será a mesma:  lei marcial. De facto, a Rada [parlamento] acaba de aprovar uma lei que facilita a imposição da lei marcial.

A lei marcial como modo de salvar o regime atual


A grande vantagem (para os EUA) da introdução da lei marcial na Ucrânia é que os dois "pilares" do poder estadunidense na Ucrânia (aberrações nazis e oligarcas) serão obviamente aqueles que a decretarão e implementarão, portanto o poder sobre o país permanecerá nas suas mãos. Além disso, a lei marcial permitirá ao regime tomar medidas severas e violentas para esmagar qualquer oposição com um mínimo de constrangimentos ou até nenhum. Qualquer pessoa ou grupo que proteste ou discorde de qualquer coisa que faça a junta será declarado "agente de Putin" e aprisionado ou simplesmente executado.

A imposição da lei marcial também será uma fonte de riqueza financeira para os oligarcas os quais a utilizarão para eliminar implacavelmente quaisquer oponentes ou qualquer organismo que questione suas práticas. Mas numa lei marcial há mais do que simplesmente benefícios a curto prazo.

Benefícios a longo prazo da lei marcial:   a preparação de um cenário "croata"

Áreas protegidas pela ONU.

     
Breve recordatório:

No fim da primeira fase da guerra civil na Croácia, os croatas foram incapazes de derrotar a população sérvia local que vivia nas áreas chamadas "Krajinas" – palavra que tem a mesma etimologia de "Ukraine", significando "região fronteiriça". A ONU estabeleceu então "Áreas protegidas pelas Nações Unidas" ou UNPAs (UN Protected Areas) nas quais se supunha que os sérvios locais ficassem protegidos dos ataques croatas. Estas áreas são mostradas a azul-escuro no mapa. Os croatas então aguardaram algum tempo, enquanto estavam a ser treinados e armados pelos EUA, e finalmente atacaram com a cobertura daUS Air Force . As forças da ONU renderam-se imediatamente e as Krajinas foram rapidamente invadidas o que resultou no êxodo maciço dos [200 mil] civis sérvios habitantes da Croácia. O "mundo civilizado" apoiou e aplaudiu ou então não disse nada.



Cada vez mais gente está a chegar à conclusão de que a junta de Kiev está a preparar-se para o chamado cenário "croata".

O não tão subtil plano americano-ucraniano parece ser muito semelhante à "variante croata":   ganhar tempo suficiente para preparar um ataque maciço e então esmagar os "separatistas" numa campanha rápida mas intensa. A grande questão é:   será que isso pode funcionar?

Uma " Operação tempestade " no Donbass?

Do ponto de vista externo, as semelhanças entre as duas guerras são gritantes:  dois estados nazis dirigidos pelos EUA utilizam a cobertura de uma operação de manutenção da paz a fim de preparar um assalto maciço contra a sua própria população. Mas também há diferenças cruciais que não deveriam ser subestimadas.

A primeira e mais importante diferença é entre retaguardas:   a Jugoslávia (Sérvia e Montenegro) sob Milosevic e a Rússia sob Putin. Primeiramente, a Jugoslávia não era obviamente uma superpotência nuclear e Milosevic tinha de contar com a possibilidade de que a Sérvia e Montenegro pudessem ser simplesmente invadidas pelos EUA e a NATO. Há exatamente um risco zero de isso acontecer na Rússia. Mas, ainda mais importante, Milosevic traiu seus irmãos sérvios da Bósnia e da Croácia e impôs sanções sobre eles. Em contraste, Putin permitiu tanto o "Voentorg" (a entrega de armas" como o "Severnyi Veter" (ou "Vento Norte", isto é, o envio de voluntários) para a Novorússia). Mas isto vai para além de Putin:   há acordo entre 90% ou mais dos russos de que em hipótese alguma a Rússia poderá permitir aos nazis invadirem o Donbass. Assim, se Putin deixasse isso acontecer, estaria a colocar-se em grave perigo bem como aos seus aliados. De facto, Putin teve tempos muito difíceis no ano passado mesmo para defender sua decisão de não enviar militares russos à Novorússia, a maior parte dos russos concordou mas foram precisas campanhas de RP muito intensas e um bocado de convencimento.

Os mais de 80% de apoio que Putin desfruta na Rússia são excepcionais e fortes, mas não são incondicionais e apesar de a oposição "liberal" pró Ocidente não o ameaçar, a oposição nacionalista atualmente está fraca só porque Putin é muito cuidadoso nas suas políticas. Mas se ele "traísse" ("sell-out") a Novorússia ou subitamente se tornasse favorável ao Ocidente, esta atualmente comportada oposição nacionalista poderia tornar-se perigosa. Na realidade, uma vez que é o segmento "patriótico" (mas não nacionalista – grande diferença) da população a base real do poder de Putin não o vejo a fazer algo que os alienasse, especialmente não pela permissão de a Novorússia ser invadida pelos nazis.

Há também uma razão pragmática pela qual a Rússia não pode permitir que os nazis de Kiev invadam a Novorússia:   não só o ataque seguinte inevitavelmente seria dirigido contra a Crimeia (eles já o prometeram inúmeras vezes!), mas mesmo os combates na Novorússia é provável que de alguma maneira atraíssem as forças russas.


A resultante final é esta:   a Rússia nunca permitirá uma "Operação Tempestade" ("Operation Storm") na Novorússia.

A segunda grande diferença é o terreno e as forças envolvidas. Os sérvios [abrigados] nas UNPAs haviam abandonado suas armas pesadas, o terreno era montanhoso ou de vales estreitos e, mais importante, eles não dispunham de uma "fronteira segura" a partir da qual pudessem ser apoiados e reabastecidos (como os afegãos tinham com o Paquistão durante a ocupação soviética). Além disso, os novo russos têm vagarosamente e penosamente lutado para transformar a sua milícia de voluntários numa força armada regular e apesar de este processo não ter sido fácil, para dizer o mínimo, parece que tem sido um belo êxito. É de recordar que mesmo antes destas reformas, as milícias tiveram êxito em todas as suas operações e que as suas defesas aéreas conseguiram impor uma zona de interdição de voo (no-fly) sobre o Donbass. Sua maior fraqueza era a capacidade limitada para coordenar ataques e contra-ataques, mas isso provavelmente agora terá mudado. Não só isso, de acordo com relatos os novo russos têm agora grandes reservas de armas, abundância de blindados e homens mais do que suficientes. Em consequência, os novo russos provavelmente já terão capacidade para operações de armas combinadas.


Quando os EUA e a NATO bombardearam os sérvios da Krajina, eles desfrutavam de supremacia aérea, não enfrentavam defesas anti-aéreas, o número de alvos que tinham de atingir era muito limitado e os sérvios, tendo sido traídos por toda a gente, já não tinham vontade de combater. Por sua vez, os ucranianos perderam a maior parte da sua força aérea, o número de alvos potenciais que podem querer atingir no Donbass é grande e muito bem defendido.

Finalmente e igualmente importante, há pelo menos duas importantes cidades na Novorússia, Donetsk e Lugansk. Estas cidades são grandes, fáceis de defender, muito bem preparadas e capazes de resistir por um longo tempo. Tais cidades não existiam na Krajina sérvia.

De volta à realidade

As semelhanças entre as guerras civis na Croácia e na Ucrânia são tanto superficiais como enganosas. Em termos puramente militares a conquista da Novo rússia pela junta de Kiev seria infinitamente mais difícil do que a relativamente simples operação croata de invasão das Krajinas.

Quanto à famosa ajuda dos EUA, vamos recordar não só o pouco bem que ela fez para os georgianos como também para todos os outros aliados dos EUA que beneficiaram dessa sua prodigalidade, com entrega de enormes quantidades de armas, com esquadrões da morte organizados pela CIA, com o pleno apoio propagandístico dos media corporativos dos EUA e que, ainda assim, foram derrotados. Mesmo a instalação de forças militares dos EUA como solução de último recurso raramente demonstrou-se eficaz contra uma insurreição popular.

Será que os ucranianos e os americanos entendem que uma operação no Donbass estilo Krajina é impossível? Estes últimos provavelmente entendem, especialmente os especialistas militares. Quanto aos ucranianos, eles realmente não se importam. Tudo o que lhes interessa é manter viva essa lógica para justificar as suas ações e apregoar promessas de "derrotar os Moskals [NT] com a ajuda dos EUA e da NATO". Se isso realmente acontece ou não é irrelevante para eles. O que lhes importa é manter os bons tempos (para eles, naturalmente) por tanto tempo quanto possível. E quando o inevitável acontecer, fugirão como tantos outros lacaios dos EUA no passado, desde o xá do Irão até Ferdinand Marcos.

Mas no curto prazo não deveremos ter ilusões acerca do futuro imediato:   as forças da junta atacarão outra vez. É provável que as suas próximas ofensivas venham a ser mais eficazes que as anteriores, mas mesmo assim serão derrotadas – ou pelos novo russos ou pelos militares russos.
16/Abril/2015
[NT] Moskals:   Expressão pejorativa com que o regime de Kiev designa os russos.

Ver também:

War Crimes of the Armed Forces and Security Forces of Ukraine
War Crimes of the Armed Forces and Security Forces of Ukraine, Second Report
Ukraine: U.S./NATO-backed fascist coup & a growing people's resistance

O original encontra-se em thesaker.is/...


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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