por ADRIANO BENAYON*
1 Não é hipérbole dizer que o
Brasil – consciente disto, ou não – vive momento decisivo de sua História. Se não quiser sucumbir, em definitivo, à
condição de subdesenvolvido e (mal) colonizado, o povo brasileiro terá de
desarmar a trama, o golpe em que está sendo envolvido.
2 Essa trama – que visa aplicar o golpe de misericórdia em qualquer
veleidade de autonomia nacional, no campo industrial, no tecnológico e no
militar é perpetrada – como foram as anteriores intervenções, armadas ou não –
pelas oligarquias financeiras transnacionais e instrumentalizada por seus
representantes locais e pelo oligopólio midiático, como sempre utilizando
hipocritamente o pretexto de combater a corrupção.
3 Que isso significa? Pôr o País
à mercê das imposições imperiais sem que os brasileiros tenham qualquer
capacidade de sequer atenuá-las.
4 Implica subordinação e
impotência ainda maiores que as que levaram o País, de 1955 ao final dos anos
70, a endividar-se, importando projetos
de infra-estrutura, em pacotes fechados, e permitindo o crescimento da dívida
externa, através dos déficits de comércio exterior decorrentes da
desnacionalização da economia, e em função das taxas de juros arbitrariamente
elevadas e das não menos extorsivas taxas e comissões bancárias para reestruturar essa dívida.
5 Ora, a cada patamar inferior a
que o Brasil é arrastado, o império o constrange a afundar para degraus ainda
mais baixos, tal como aconteceu nas
décadas perdidas do final do Século XX.
6 Na dos anos 80 ocorreu a crise da dívida externa, após a qual o
sistema financeiro mundial fez o Brasil ajoelhar-se diante de condições ainda
mais draconianas dos bancos “credores”.
7 Na dos anos 90, mediante eleições diretas fraudadas em favor
de ganhadores a serviço da oligarquia estrangeira, perpetraram-se as
privatizações, nas quais se entregaram e desnacionalizaram, em troca de títulos podres de desprezível valor, estatais
dotadas de patrimônios materiais de trilhões dólares e de patrimônios
tecnológicos de valor incalculável.
8 A Operação Lava-jato está sendo
manipulada com o objetivo de destruir simultaneamente a Petrobrás – último
reduto de estatal produtiva com formidável acervo tecnológico – bem como as
grandes empreiteiras, último reduto do setor privado, de capital nacional, capaz de competir mundialmente.
9 Quando do tsunami
desnacionalizante dos 90, a Petrobrás
foi das raras estatais não formalmente privatizadas. Mas não escapou
ilesa: foi atingida pela famigerada Lei 9.478, de 1997, que a submeteu à ANP,
infiltrada por “executivos” e “técnicos” ligados à oligarquia financeira e às
petroleiras angloamericanas.
10 Essa Lei abriu a porta para a
entrada de empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil, com
direito a apropriar-se do óleo e exportá-lo,
e propiciou a alienação da maior parte das ações preferenciais da
Petrobrás, a preço ínfimo, na Bolsa de Nova York, para especuladores daquela
oligarquia, como o notório George Soros.
11 Antes mesmo dessa devastação,
Collor – outro cupim devorador com o
patrimônio nacional a servir de madeira
- extinguiu unidades estratégicas, como
o Departamento de Exploração (DEPEX) e liquidou subsidiárias, como a INTERBRÁS e as
empresas da área petroquímica.
12 Como assinalam os engenheiros
Araújo Bento e Paulo Moreno, com longa experiência na Petrobrás, a extinção do
DEPEX fez que a empresa deixasse de investir na construção de sondas e passasse
a alugá-las de empresas norte-americanas, como a Halliburton, a preços de 300
mil a 500 mil dólares diários por unidade. Além disso, os governos entreguistas
dos anos 90 desestruturaram e terceirizaram
a administração da estatal.
13 Os próprios dados “secretos”
da Petrobrás, inclusive os referentes às fabulosas descobertas de seus técnicos
na plataforma continental e no pré-sal são administrados pela Halliburton. Em
suma, a Petrobrás é uma empresa ocupada por interesses imperiais estrangeiros,
do mesmo modo que o Brasil como um todo.
14 A Petrobrás teve de endividar-se
pesadamente para poder participar do excessivo número de leilões para explorar
petróleo, determinados pela ANP, abertos a empresas estrangeiras.
15 Para obter apoio no Congresso,
os governos têm usado, entre outras, as nomeações para diretorias da Petrobrás.
Essa política corrupta e privilegiadora de incompetentes, já antiga, é
bem-vinda para o império, e é adotada para “justificar” as privatizações:
vai-se minando deliberadamente a empresa, e depois se atribui suas falhas à
administração estatal.
16 Tal como agora, assim foi nos
anos 80 e 90, com a grande mídia, incessantemente batendo nessa tecla, e
fazendo grande parte da opinião pública acreditar nessa mentira.
17 Mas as notáveis realizações da
Petrobrás são obras de técnicos de carreira, admitidos por concurso -
funcionários públicos, como foram os da Alemanha, das épocas em que esse e outros países se desenvolveram. Entretanto, a
mídia servil ao império demoniza tudo que é estatal e oculta a corrupção oriunda de empresas estrangeira, as quais, de
resto, podem pagar as propinas diretamente no exterior.
18 Para tirar do mercado as
empreiteiras brasileiras, as forças ocultas – presentes nos poderes públicos do
Brasil – resolveram aplicar, contra essas empresas, a recente Lei nº 12.846, de
01.08.2013, que estabelece “a responsabilização objetiva administrativa e civil
de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira (sic).”
19 Seu art. 2º reza: As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos
lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo
ou não.”
20 Como as coisas fluem
rapidamente, quando se trata de favorecer as empresas transnacionais, a
Petrobrás já cuidou de convidar empresas estrangeiras para as novas licitações,
em vez das empreiteiras nacionais.
21 A grande mídia,
tradicionalmente antibrasileira, noticia, animada, a possibilidade de se facilitar, em futuro
próximo, a abertura a grupos estrangeiros do mercado de engenharia e construção
civil, mais uma consequência da decisão, contrária aos interesses do País,
de considerar inidôneas as empreiteiras
envolvidas na operação Lava Jato.
22 Recentemente, nos EUA, foi
infligida multa recorde, por corrupção, a um grupo francês, a qual supera de
longe os US$ 400 milhões impostos à alemã Siemens. Já das norte-americanas, por
maiores que sejam seus delitos, são cobradas multas lenientes, e não está em
questão alijá-las das compras de Estado.
23 Já no Brasil - país ocupado e dominado, mesmo sem tropas nem
bases estrangeiras – somente são punidas empresas de capital nacional. Fica
patente o contraste entre um dos centros do império e um país relegado à
condição de colônia.
24 Abalar a Petrobrás e
inviabilizar as empreiteiras nacionais implica acelerar o desemprego de
engenheiros e técnicos brasileiros em atividades tecnológicas. As empreiteiras
são importantes não só na engenharia civil, onde se têm mostrado competitivas
em obras importantes no exterior, mas também por formar quadros e gerar de
empregos de qualidade nos serviços e na indústria, inclusive a eletrônica e
suas aplicações na defesa nacional.
25 Elas estão presentes em:
agroindústria; serviços de telefonia e comunicações; geração e distribuição de
energia; petróleo; indústria química e petroquímica; construção naval. E -
muito importante - estão formando a nascente Base Industrial da Defesa.
26 A desnacionalização da
indústria já era muito grande no início dos anos 70 e, além disso, foi
acelerada desde os anos 90, acarretando a desindustrialização. Paralelamente,
avança, de forma avassaladora, a desnacionalização das empresas de serviços.
27 Este é o processo que culmina com o ataque
mortal à Petrobrás e às empreiteiras nacionais, e está recebendo mais um
impulso através da política fiscal – que vai cortar em 30% os investimentos
públicos – e da política monetária que está elevando ainda mais os juros.
28 Isso implica favorecer ainda
mais as transnacionais e eliminar maior número de empresas nacionais, sobre
tudo pequenas e médias, provedoras de mais de 80% dos empregos no País. De
fato, só as transnacionais têm acesso aos recursos financeiros baratos do
exterior e só elas têm dimensão para suportar os cortes nas compras
governamentais.
29 Como lembra o Prof. David
Kupfer, a Petrobrás e seus fornecedores respondem por 20% do total dos
investimentos produtivos realizados no Brasil. Só a Odebrecht e Camargo Corrêa
foram responsáveis por mais de 230 mil empregos, em 2013.
30 A área econômica do Executivo
parece não ver problema em reduzir o
assustador déficit de transações correntes (mais de US$ 90 bilhões de dólares
em 2013), causando uma depressão
econômica, cujo efeito, além de inviabilizar definitivamente o desenvolvimento
do País, implica deteriorar a qualidade de vida da “classe média” e tornar
ainda mais insuportáveis as condições de vida de mais da metade da população,
criando condições para a convulsão social.
31 Por tudo isso, há necessidade
de grande campanha para virar o jogo,
com a participação de indivíduos, capazes de mobilizar expressivo número
de compatriotas, e de entidades dispostas a agir coletivamente.
* Adriano Benayon é doutor em
economia, pela Universidade de Hamburgo,
e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento
fonte: AND
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