Antonio Santos.
As mulheres sauditas não podem conduzir nem passar pelas portas usadas por homens, estão obrigadas a ter um «guardião» do sexo masculino e não podem estudar, viajar ou casar sem a sua autorização. Se uma mulher saudita violar a segregação sexual e entrar em contato com um homem fora do seu círculo familiar, é julgada por adultério e prostituição, crimes castigados com a morte.
Os estado-unidenses têm uma forma
curiosa de lidar com a morte. No velório, em vez do pranto e das assoadelas,
escuta-se o álbum favorito do falecido e conta-se anedotas sobre a sua vida. E
o cemitério, que dificilmente um português escolheria para um agradável
piquenique, é para o americano apenas um relvado: sem cruzes tétricas nem
largos lutos, nem nada de lúgubre até onde a vista alcança. E no entanto nem os mais pronunciados matizes da cultura,
nem os sempre complexos rendilhados da língua, explicam o singular critério de
Barack Obama para a morte de outros chefes de Estado.
Lembro-me por exemplo dos termos
de Obama, em 2013, aquando da morte do presidente Hugo Chávez: «A Venezuela
entra num novo período da sua História; os EUA continuarão a patrocinar medidas
que promovam a democracia e o respeito pelos direitos humanos». Já a 27 de
Janeiro, o falecimento do Rei Abdullah da Arábia Saudita mereceu todo um outro
tipo de considerandos. A delegação fúnebre dos EUA incluiu figuras de topo como
o secretário de Estado John Kerry, o diretor da CIA John Brennan, o comandante
do Comando Central Lloyd Austin e o chefe dos republicanos John McCain. Para
Obama, que encurtou a sua visita à Índia para «homenagear» o rei defunto, «não
seria esse o momento para falar de direitos humanos». Afinal, segundo o
presidente galardoado com o Nobel da paz, Abdullah foi um «reformador», que
malgrado «modesto» nos seus esforços contribuiu para a «estabilidade regional».
Direitos humanos
Na verdade, o processo judicial
do Estado Saudita é uma cópia perfeita do seguido pelo Estado Islâmico: só em
Janeiro de 2015 o Reino da Arábia Saudita decapitou 16 pessoas. Nesta monarquia
absoluta onde o Corão é a constituição, não existe lei codificada, pelo que a
livre interpretação da lei islâmica aplica-se mediante cortes de mãos e de pés,
apedrejamentos e chicotadas. A Ulema, um grupo de clérigos sunitas radicais,
controla todos os aspectos da vida, do sexo à higiene passando pela alimentação
e pela leitura, impondo uma estrita segregação sexual que proíbe homens e
mulheres de frequentarem os mesmos espaços. As mulheres sauditas não podem
conduzir nem passar pelas portas usadas por homens, estão obrigadas a ter um
«guardião» do sexo masculino e não podem estudar, viajar ou casar sem a sua
autorização. Se uma mulher saudita violar a segregação sexual e entrar em contacto
com um homem fora do seu círculo familiar, é julgada por adultério e
prostituição, crimes castigados com a morte. Na própria semana em que Obama foi
render tributo aos reis sauditas, Layla Bassim, uma mulher birmanesa, foi
decapitada em público na cidade de Meca. Na ditadura saudita, não existem
quaisquer direitos democráticos ou liberdade de expressão e opositores como
Badawi são perseguidos, torturados e executados.
Um Estado-cliente
Mas o Estado Islâmico e a Arábia
Saudita têm em comum algo mais importante do que as decapitações: os EUA. Uma
ligação que recua ao colapso do Império Otomano, quando os britânicos
instalaram ao leme da região uma família de latifundiários sunitas, os Saud.
Arábia Saudita significa literalmente a Arábia dos Saud, a família que ainda
hoje é proprietária do país e cujos cerca de 7000 príncipes ocupam, com
autoridade absoluta, todas as posições do Estado. Mas Muhammad bin Saud, o
fundador do primeiro Estado saudita, não impôs apenas o nome e a descendência
ao novo país: também cunhou a religião. Para conquistar o território, bin Saud
estabeleceu um pacto com os seguidores do Wahhabismo, a corrente
ultra-reaccionária do islamismo sunita que hoje dita a lei na Arábia Saudita e
também no Estado Islâmico.
Nascido para servir o
imperialismo britânico, cedo os EUA compreenderam a utilidade deste cliente
reacionário e avesso a todo o progresso social: nos anos 70, os sauditas
armaram, a mando da CIA, o Taliban e a Al-Qaeda para derrubar o Estado afegão;
na primeira Guerra do Golfo, em 1991, deram estacionamento a meio milhão de
tropas americanas; mais tarde, em 2003, as bases sauditas permitiram 286 000
ataques aéreos contra o Iraque. Peça central para o avanço do imperialismo no
Oriente Médio, a Arábia Saudita compra anualmente aos EUA 30 mil milhões de
dólares em armas. Em contrapartida, vende fundamentalismo religioso, petróleo
barato e desestabilização política. Neste negócio perigoso e de corolários tão
volúveis como a Jabhat Al-Nusrah, a Ahrar ash-Sham e o próprio Estado Islâmico,
quem perde sempre são os povos.
Fonte: Avante
Um comentário:
E a grande imprensa sempre poupa a tirania da Arábia Saudita.
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