Leonardo Wexell Severo
Entidades estudantis e camponeses se somam à paralisação do dia 26 de março no Paraguai.
A greve geral convocada
unitariamente pelo movimento sindical do Paraguai “Em defesa da soberania da
Pátria” para o dia 26 de março (quarta-feira) tem ampliado apoios “contra o
congelamento salarial, a privatização e o entreguismo selvagens” defendidos
pelo presidente Horacio Cartes e expressos na lei de Aliança Público-Privada
(APP), aprovada recentemente.
“Nos levantamos contra uma
privatização encoberta das instituições do Estado, dos seus recursos estratégicos,
daquilo que é essencial ao desenvolvimento nacional como água, luz,
telecomunicações, portos e minas. Com esta lei, a educação e a saúde passam
para mãos privadas, da mesma forma que tudo o que se referir a bens e
serviços", afirmou o presidente da Central Unitária de Trabalhadores
Autêntica (CUT-A), Bernardo Rojas, descrevendo a repetição da surrada cartilha
do Fundo Monetário Internacional.
Segundo Rojas, com o apoio de
amplos setores da mídia, o governo Cartes tenta “vender a mensagem de que concessão
não é privatização, o que é insustentável”: “temos que chamar as coisas pelo
que são, uma entrega por 30 anos onde o lucro fica com as multinacionais e o
risco fica com o Estado”. Ao mesmo tempo em que avança sobre o patrimônio
público, alertou, o governo paraguaio se utiliza de instrumentos ditatoriais
para impor seu modelo vende-Pátria. “Com a lei das APPs o Parlamento e o
Judiciário perdem atribuições constitucionais e o governo fica com as mãos
livres para aplicar a receita que atende os interesses estrangeiros, o que só
irá aumentar a imensa desigualdade já existente no nosso país. O fato é que com
as privatizações haverá um desmonte do Estado, não vai haver política de
investimento, mas um aumento das demissões, da precarização das relações de trabalho
e da informalidade”, acrescentou.
Conforme levantamento das
centrais, 64% da população paraguaia têm necessidades básicas insatisfeitas e
pelo menos 20% está mergulhada na extrema pobreza. Cerca de 43% vivem na área
rural, mas apenas 351 proprietários concentram 77% do total das terras,
enquanto 40 % dos agricultores sobrevivem confinados em 1% da área. Ao mesmo
tempo, a soja representa 66% da terra cultivada, uma produção estimada em 10
milhões de toneladas, controlada pelas multinacionais ADM, Cargill, LDC e
Bunge.
"As multinacionais da soja
estão tomando todo o território nacional e expulsando os camponeses de suas
terras, envenenando tudo: terra, água, fauna e flora, comprometendo inclusive a
permanência dos agricultores e de suas famílias. É contra esta lógica de saque
que estamos protestando”, frisou.
CONTRA O ARROCHO SALARIAL
A luta pela recuperação do poder
de compra do salário mínimo, “violentamente arrochado nos últimos anos”,
apontou Rojas, é uma das bandeiras principais da mobilização, “pois atualmente
o valor é tão baixo que sequer cobre a cesta básica”. “Se a perda do salário
mínimo supera os 30%, como o governo pode anunciar um reajuste de 10%? Nós
queremos dialogar para construir uma política de valorização salarial, de
ganhos reais, olhando para frente”, acrescentou.
Diante das ameaças à soberania e
da crescente intransigência governamental, crescem os apoios à paralisação
junto aos mais variados setores sociais, como a Federação Nacional de
Estudantes Secundaristas, a Assembleia de Estudantes Universitários e a
Federação Nacional de Camponeses, que anunciam piquetes e bloqueios na capital
e no interior.
Sobre as constantes violações ao
direito de liberdade sindical e negociação coletiva, o presidente da CUT-A
reiterou a denúncia de que há uma cumplicidade entre o governo, o poder
judiciário e a polícia para reprimir as manifestações de trabalhadores. “É uma
ação que conta com o respaldo de setores da mídia, que tentam fazer crer que
nossa greve é extemporânea e inoportuna. Dizem que estaríamos convocando ações
com violência, truculentas, todo um discurso feito para intimidar e justificar
uma repressão indiscriminada”, destacou.
Bernardo Rojas lembrou que na
época da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) havia a chamada lei 209, da
Defesa da Paz Pública e Liberdade da Pessoa, feita para intimidar e perseguir
opositores. “Hoje o governo volta a aplicar esta mesma lei com o nome de
Perturbação da Paz Pública para imputar e encarcerar os dirigentes por
organizar manifestações ou encontros. Ou seja, toda manifestação é reprimida
judicialmente para atemorizar os dirigentes”, condenou.
Um dos muitos exemplos de abusos,
apontou Rojas, são os camponeses presos políticos de Curuguaty, há 30 dias em
greve de fome, “embora a sociedade paraguaia esteja mobilizada pedindo sua
liberdade, pois a acusação contra eles não tem pé nem cabeça”. O presidente da
CUT-A disse haver semelhança entre o ocorrido em Curuguaty e na Venezuela onde
a CIA utilizou franco-atiradores para assassinar os manifestantes contrários ao
governo a fim de jogar a culpa do massacre sob os ombros do então presidente
Hugo Chávez. A verdade dos fatos está bem narrada no documentário “A Revolução
não será televisionada”.
“Há uma compreensão de que foram
forças especiais, de elite, que protagonizaram o confronto entre a polícia e os
camponeses desalojados em Curuguaty. O objetivo do confronto foi, obviamente, a
derrubada do presidente Fernando Lugo”, sublinhou.
COMO NA VENEZUELA, USO DE FRANCO-ATIRADORES
Na região de Curuguaty está
localizada a estância de Morombí, propriedade do latifundiário e grileiro Blas
Riquelme, dono de mais de 70 mil hectares. O “terrateniente” é uma das viúvas
da ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989), um dos principais
beneficiados pela tristemente célebre Operação Condor, desenvolvida pela CIA no
Cone Sul para torturar, assassinar e desaparecer com todo aquele que ousasse
contrariar os interesses estadunidenses na região. Ele também foi presidente do
Partido Colorado – o mesmo do presidente Horacio Cartes - por longos anos e
senador da República, sendo igualmente dono de uma rede de supermercados e
estabelecimentos pecuários.
Como Riquelme havia se apropriado
mediante subterfúgios legais de aproximadamente dois mil hectares pertencentes
ao Estado paraguaio, camponeses sem terra ocuparam o local, solicitando do
governo Lugo a sua desapropriação para fins de reforma agrária. Um juiz e uma
promotora ordenaram a retirada das famílias por meio do Grupo Especial de
Operações (GEO) da Polícia Nacional, esquadrão de elite que, em sua maioria,
foi treinado por militares dos EUA na Colômbia, durante o governo fascista de
Álvaro Uribe.
Na avaliação do jornalista e
pesquisador paraguaio Idilio Méndez Grimaldi, que também é membro da Sociedade
de Economia Política do Paraguai (SEPPY), somente uma sabotagem interna dentro
dos quadros da própria inteligência da Polícia, com a cumplicidade da
Promotoria, explicaria a emboscada na qual morreram seis policiais. Uma ação
estrategicamente planejada com um objetivo bem definido. “Não se compreende
como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, pudessem cair
tão facilmente numa suposta armadilha feita por camponeses, como quer fazer
crer a imprensa dominada pela oligarquia. A tropa reagiu, matando 11 camponeses
e deixando cerca de 50 feridos”. Entre os policiais mortos, ressalta, estava o
chefe da GEO, Erven Lovera, irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe da
segurança do presidente.
Fonte: site ComunicaSul
Nenhum comentário:
Postar um comentário