Se o leitor, acreditando na Rede
Globo e similares, pensa que os verdadeiros e maiores culpados pelo inferno imposto
ao povo brasileiro pelo crack, cocaína e maconha são os traficantes das favelas
e subúrbios das cidades, está enganado. Essas gangues são apenas vendedoras
varejistas, "funcionárias" de um patrão atacadista, e estão no degrau
menos poderoso e rico de um gigantesco businesscapitalista nacional e
internacional.
Os donos, diretores e
administradores dessa cadeia produtiva integrada à economia do imperialismo,
embora se escondam em luxuosos edifícios e debaixo de seus caros ternos de
executivos, podem ser plenamente identificados. São membros das classes
dominantes. Financistas, empresários da alta burguesia e latifundiários.
No Brasil,
"respeitáveis" fazendeiros e banqueiros são os mais citados (o HSBC,
Unibanco, Bradesco, Real, Credit Suisse e Bozano Simonsen já apareceram em
denúncias).
Na Colômbia e Peru, além do
latifúndio e de bancos, também são apontados como "sócios" as Forças
Armadas e políticos de vários calibres, inclusive presidentes da República.
Porém, o comando do negócio
é do USA. Foram seus governantes e suas
classes ricas quem, a partir dos anos 1970/1980, implantaram e massificaram
esse horrendo negócio, através principalmente da CIA (agência de espionagem/
inteligência), da DEA (agência de "combate" às drogas), do FBI (polícia
federal) e do Pentágono (Forças Armadas).
Extrema ironia: no resumo da
novela, a denunciante Globo e os denunciados traficantes possuem o mesmíssimo
patrão.
COMO TUDO COMEÇOU
Hoje a droga movimenta cerca de
300 a 500 bilhões de dólares ao ano, é o 2 º ítem do comércio mundial, vencendo
até o petróleo, só sendo superado pelo das armas. Ao contrário do que divulga o
monopólio da imprensa, essa economia não nasceu e cresceu apenas como atividade
de marginais, cartéis e máfias e sim foi algo planejado e montado pelo imperialismo
(principalmente do USA) como um business . Se isso mata ou destrói seres
humanos (até em seu próprio país) pouco importa.
"O tráfico de drogas foi
sempre um negócio capitalista, por ser organizado como uma empresa, estimulada
pelo lucro", diz a enciclopédia Conteúdo Global (*).
A droga como gerador de renda
para as classes dominantes e para o imperialismo vem desde séculos atrás, porém
a “narcoempresa”, nos moldes em que existe hoje, começou a surgir na década de
1960 e solidificou-se a partir de 1970/1980.
Foi nos anos 60 que os ianques
enxergaram as mil vantagens políticas/ideológicas e econômicas que uma
transnacional da droga poderia dar ao sistema.
Sabe-se que desde 1963 os
militares do USA e a CIA montaram "uma rede de produção e distribuição de
narcóticos para gerar uma fonte de financiamento para futuras ações de
contrainsurgência (guerras populares e movimentos de libertação na América
Latina)", afirma a Folha da História (*).
E agrega: "No final de 1964,
Philip Agee, agente da CIA, denunciou o começo da operação na Bolívia. Ali os
generais Barrientos e Banzer, também agentes da CIA, construíram uma primeira
rede".
Pouco depois, para criar um
mercado consumidor maior, o USA não teve nenhum melindre em viciar seus
próprios cidadãos: os soldados mandados ao Vietnã. Segundo Jansen (*) essa
guerra (1964-1975) seria marcada pelo uso generalizado de drogas. "Cerca
de 30 mil soldados estadunidenses se tornaram dependentes de drogas
(notadamente maconha e heroína) para que continuassem estimulados no front
".
O FMI PARTICIPA
Perto dos anos 1980, com a
elevação do número de consumidores/viciados no USA e outros lugares, era
necessário incentivar o crescimento das lavouras de folhas de coca e maconha,
para sustentar o grande business . E isso foi feito com a participação do FMI e
do Banco Mundial, na década de 80.
Naquela época, suas medidas
anti-povo em muitos países pobres resultaram na supressão de milhões de
empregos. Conforme Jansen, isso "provocou uma transferência maciça de mão
de obra para a economia dita informal e em particular para a produção de
drogas, em países como Bolívia, Peru, Colômbia, Afeganistão".
Vejamos o caso da famosa Colômbia.
Hoje o país produz cerca de 80%
da cocaína do mundo. Isso só foi possível porque com o empurrão do FMI e Banco
Mundial, na década de 1980 os fazendeiros deixaram de produzir café para
produzir coca e cocaína. Ou seja, os latifundiários colombianos foram
convidados pelos ianques a entrar na empresa. Aceitaram com gosto.
Os gerentes do país passaram a
autorizar empréstimos externos nos quais os dólares eram trocados por pesos,
plano que ficou conhecido como Ventanilla Siniestra (Janelinha Sinistra). Com
tal plano, verdadeira oficialização da lavagem de dinheiro da droga,
autoridades colombianas "deram anistias tributárias, por meio das quais foram
incorporados e legalizados os investimentos dos narcotraficantes", afirma
Jansen.
Vejamos ainda o exemplo da
Bolívia, onde o FMI e o presidente Paz Estenssoro também abriram as portas para
o grande narco-negócio na década de 1980.
Conforme Del Roio (*), em 1985
foi aplicado um plano econômico que levou os índices de desemprego a 30%. O FMI
aconselha e pressiona para a liberalização geral.
Então, "o presidente Paz
Estenssoro, com o decreto DS 21.060 declara que todas as moedas cotadas podem
ser depositadas nos bancos bolivianos, em qualquer quantidade e sem controle
nenhum, com respeito total ao sigilo bancário em relação a sua proveniência. Os
aplausos dos organismos econômicos internacionais foram generalizados.
Significou o sinal verde para os grandes investimentos na coca. (...) Aconteceu
que em pouco tempo no planalto de Chapare, o melhor terreno para a plantação, a
população passou de 20 mil habitantes para 200 mil. Caso quase único de
esvaziamento das cidades e retorno ao campo".
Com o aumento da produção, o
chefe de polícia do Panamá Manoel Antônio Noriega já conseguia, entre 1984 e
1986, "exportar" ao USA 2 toneladas de cocaína e 500 toneladas de
maconha do cartel colombiano de Medellín.
Noriega era agente da CIA desde
1967. Ele participou de esquema clandestino organizado pela CIA de
financiamento dos bandos paramilitares chamados de "os Contras" que
atacavam o governo sandinista da Nicarágua, relata Jansen. Tal operação ficou
conhecida em 1986 como o escândalo "Irã-Contras" (compra de armas no
Irã para financiar os bandos na tentativa de derrubar os sandinistas).
Em 1989, Noriega se proclamou
chefe de Estado do Panamá, declarando-se em estado de guerra contra o USA.
Resultado: 13 mil marines invadiram o país e o prenderam. O pretexto foi
"combate ao narcotráfico". Mas muita gente não acreditou. Para a CIA,
ele era um perigoso arquivo.
COMO FUNCIONA
No Afeganistão, a produção de
drogas foi retomada depois da invasão militar do USA em 2001. Após a invasão, o
país superou a Colômbia e se tornou o maior produtor mundial de drogas
(principalmente ópio e heroína) e, em 2003, o negócio faturou 2,3 bilhões de
dólares, mais da metade do PIB do país.
Embora o comando da narcoeconomia
seja dos ianques, sua estrutura é similar à uma transnacional e funciona em rede.
Na América do Sul, na ponta da
produção está o latifúndio, que planta coca e maconha.
No Brasil, fazendeiros e
camponeses pobres do sertão de Pernambuco ("polígono da maconha"),
Maranhão, Tocantins e Mato Grosso são os mais citados.
Os produtores latinoamericanos
têm como sócios e protetores um numeroso segmento de políticos (até presidentes
da República, como no Peru e Colômbia), militares, juízes, etc.
A distribuição atacadista
internacional costuma contar com empresários do chamado crime organizado (cartéis,
máfias, etc).
Todos esses departamentos do
“narco-negócio”, embora poderosos, ficam com apenas 10% dos lucros totais. A
distribuição varejista, a dos traficantes dos morros e periferias do Brasil,
aquela que a Globo e o resto do monopólio ataca, é a raia mais miúda
dobusiness, não recebendo mais que uma parcela mínima desses 10%.
O maior lucro do empreendimento,
90% do total, é dos bancos. "Respeitáveis" banqueiros, frequentadores
das colunas sociais, deveriam estar nas páginas policiais.
Diz a enciclopédia Conteúdo
Global que o papel central da narcoeconomia como parte integrante do
capitalismo é detectado no peso que a lavagem do dinheiro da droga possui hoje
no sistema bancário internacional.
No Brasil, os mais apontados em
denúncias são o HSBC, Unibanco, Bradesco, Real, Credit Suisse e Bozano
Simonsen.
Há alguns anos, para facilitar a
vida dos seus clientes da “narcoeconomia”, vários bancos criaram filiais em
alguns países, nos quais vale tudo, e que são chamadas de paraísos fiscais.
Conforme José Moreira Chumbinho
(*), as drogas são uma das principais armas criadas pelo imperialismo em
decadência. "O processo de domesticação econômica, ideológica e política,
associada ao uso ‘voluntário' e permanente de drogas completa o ciclo necessário
para incapacitar os setores mais combativos da população".
O surgimento do crack
Reproduzimos aqui
alguns trechos de artigo de Ney Jansen, bastante esclarecedores:
"Na década de 1980 jovens do bairro pobre
de South Central de Los Angeles, Califórnia, foram devastados pelo crack. Em
18/08/1996 o jornal local San José Mercury News, publicou uma série de artigos
sobre como a droga se apoderou daquele território.
O que esteve por trás de tudo: o escândalo
Irã-Contras e as ligações entre a CIA, DEA e os cartéis colombianos, protegendo
a entrada de drogas no USA para financiar os "Contras" na Nicarágua.
A citação (de Del Roio) é longa, mas merece ser reproduzida por extenso:
"Os que possuem boa memória se recordarão
do processo contra o coronel Oliver North, que terminou com sua condenação. Os
autos desse processo demonstraram com nomes e fatos que por vários anos a CIA e
a DEA estiveram em contato com os chamados cartéis colombianos, protegendo a
entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal operação servia para encontrar fundos
ilegais para financiar as forças opositoras ao governo sandinista da Nicarágua.
Através dos cristais que restam da fabricação
da cocaína, é possível fabricar uma
droga muito mais barata e mortal, adequada aos pobres, que será chamada de crack.
Eis que os guetos negros de Los Angeles, onde
o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto. Por
cinco anos, de 1982 a 1987, os Contras nicaraguenses, com a cobertura de
organismos oficiais (do USA), despeja 100 quilos de cristais de coca semanais
sobre South Central (Obs: Total de 27 mil quilos).
(...)A partir dessa atividade criminosa
exercida contra os negros de Los Angeles, o crack espalhou-se pelas metrópoles
dos Estados Unidos e de vários países latino-americanos.
Esta é uma história para recordarmos quando
vemos nas ruas de São Paulo (Obs: E muitíssimas outras cidades) as nossas
crianças agonizando ou cometendo crimes porque viciadas em crack. Agora sabemos
quem são os primeiros responsáveis".
O surgimento do crack na década de 1980 tem
por antecedência o papel político que as drogas desempenharam no USA nas
décadas de 1960 e 70.
É nesse período que surge em 1966 o Partido
dos Panteras Negras, organização da classe operária e da juventude negra do
USA.
(…) Além de destruir as sedes, prender e
assassinar os militantes Panteras Negras, a CIA e o FBI passarão, em associação
com narcotraficantes da América latina, a despejar toneladas de cocaína,
maconha, heroína nos bairros negros visando a desarticulação política, levando
à dissolução do Partido.
Mumia Abu Jamal (2001), ex-militante dos
Panteras Negras, comentou o papel do crack nas comunidades negras no USA:
"Um espectro assombra as comunidades
negras da América. Como vampiro, suga a alma das vidas negras, não deixando nada
senão esqueletos que se movem fisicamente mas que estão afetiva e
espiritualmente mortos.
É o resultado direto da rapinagem planetária,
das manipulações dos governos e da eterna aspiração dos pobres a fugir,
aliviar-se, ainda que brevemente, dos paralisantes grilhões da miséria extrema.
A sua procura de alívio se soletra C-R-A-C-K.
Crack. Pedra. Chame como quiser, pouco importa; ele é na verdade, uma outra
palavra para "morte".
Notas
(*) Principais fontes: Drogas, imperialismo e luta de classes , Ney
Jansen (sociólogo), artigo, revista Urutagua, no.12, 2007, Universidade
Estadual de Maringá (PR); As últimas armas do império agonizante , José Moreira
Chumbinho, A Nova Democracia nº 1, julho/agosto 2002; Verbetes do sítio
www.conteudoglobal.com (enciclopédia virtual ) ;Mundialização e criminalidade,
José Luiz Del Roio, in: Drogas: hegemonia do cinismo , Memorial. 1997; Folha da
História , junho, 2000 in: Peru – Do império dos incas ao império da cocaína ,
Rosana Bond, Coedita, 2004
fonte: Inverso contraditório e A Nova Democracia
Um comentário:
Você é simplesmente brilhante.
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