Thierry Meyssan
Enquanto muitos franceses reagem
ao atentado contra o Charlie Hebdo denunciando o islamismo e manifestando-se
nas ruas, Thierry Meyssan sublinha que a interpretação jiadista é
impossível. Embora ele tivesse todo o interesse em denunciar isto também como
uma operação da Al-Qaida, ou do Daesh, ele vislumbra uma outra hipótese,
muito mais perigosa.
Rede Voltaire | Damasco (Síria) |
9 de Janeiro de 2015
http://youtu.be/s_Sg9ZCFp5s
Nesta reportagem, a France 24
cortou o vídeo para que não se veja os atacantes executarem um policia caído
no solo.
A 7 de janeiro de 2015, em Paris,
um comando irrompeu nas instalações da Charlie Hebdo e assassinou 12 pessoas.
Outras 4 vítimas estão ainda em estado grave.
Nos vídeos ouve-se os atacantes
gritar «Alá Akbar!», já que eles «vingaram Maomé». Uma testemunha, a
desenhadora Coco, afirmou que eles se reclamavam da Al-Qaida. Não foi preciso
mais para que muitos franceses o denunciassem como um atentado islamita.
http://youtu.be/YqlvzkhdSZs(Ora,
esta hipótese é ilógica.)
A missão deste comando não tem
nenhuma ligação com a ideologia jiadista
Com efeito, membros ou
simpatizantes da Irmandade Muçulmana, da al-Qaida ou do Daesh (Exército
Islâmico- ndT) não se contentariam apenas em matar cartunistas ateus, eles
teriam primeiro destruído os arquivos do jornal à frente dos seus olhos,
seguindo o modelo do que fizeram em todas as suas actuações no Magrebe e no
Levante. Para os jiadistas, o primeiro dever é o de destruir os objectos que,
segundo eles, ofendem a Deus, e só depois punir os «inimigos de Deus».
Da mesmo modo não teriam recuado
de imediato, fugindo da polícia, sem ter completado a sua missão. Eles
teriam, pelo contrário, terminado a sua missão mesmo que tivessem de morrer
no local.
Além disso, os vídeos e alguns
dados mostram que os atacantes são profissionais. Mostram ser proficientes no
manejo das suas armas e só atiraram pela certa. Eles não estavam fardados à
moda dos jihadistas mas, sim, como comandos militares.
O modo como executaram no solo um
policia ferido, que não representava nenhum perigo para eles, atesta que a sua
missão não era a de «vingar Maomé» por causa do humor ácido do Charlie
Hebdo.
vídeo censurado pelas TV
francesas :http://www.liveleak.com/view?i=bc6_1420632668
Esta operação visa criar o
início de uma guerra civil
O facto dos assaltantes falarem
bem francês, ou que eles sejam provavelmente franceses, não permite concluir
que este ataque seja um episódio franco-francês. Pelo contrário, o facto de
eles serem profissionais deve forçar-nos a distingui-los de possíveis
patrocinadores. E nada prova que estes últimos sejam franceses.
É um reflexo normal, mas
intelectualmente errado, considerar que assim que somos atacados poderemos
reconhecer, de imediato, os nossos agressores. É o mais lógico quando se
trata de criminalidade normal, mas é errado quando se trata de política
internacional.
Os Comanditários deste atentado
sabiam que ele provocaria uma fractura entre os Franceses muçulmanos e os
Franceses não-muçulmanos. O Charlie Hebdo tinha-se especializado nas
provocações anti-muçulmanas e a maioria dos muçulmanos em França foram
directa ou indirectamente visados. Se os muçulmanos da França condenarão,
sem nenhuma dúvida, este ataque, já lhes será difícil mostrar tanta pena
pelas vítimas como os leitores do jornal. Esta situação será entendida por
alguns como uma cumplicidade com os assassinos.
É por isso que, mais do que
considerar este atentado extremamente mortífero como uma vingança islamista
contra o jornal que tem publicado as caricaturas de Maomé e multiplicado as
«actualidades» anti-muçulmanas, seria mais lógico considerar que ele é o
primeiro episódio de um processo visando criar uma guerra civil.
A estratégia de «choque de
civilizações» foi concebido em Telavive e Washington
A ideologia e a estratégia da
Irmandade Muçulmana, Al-Qaida ou do Daesh, não preconiza a criação de
guerra civil no «Ocidente» mas sim, pelo contrário, criá-la no «Oriente» e
separar herméticamente os dois mundos. Nunca Saïd Qotb, nem nenhum dos seus
sucessores, apelaram para se provocar confrontos entre muçulmanos e não-
muçulmanos em casa destes últimos.
Contrariamente, a estratégia do
«choque de civilizações» foi formulada por Bernard Lewis para o Conselho de
Segurança Nacional norte-americano, depois vulgarizada por Samuel Huntington
não mais como uma estratégia de conquista mas como uma situação previsível
[1]. Ela visava persuadir as populações-membro da Otan do confronto
inevitável, que tomou preventivamente a forma de «guerra ao terrorismo».
Não é no Cairo, ou em Riade, ou
em Cabul, que se defende o «choque de civilizações», mas em Washington e
Telavive.
Os comanditários do ataque
contra o Charlie Hebdo não procuraram satisfazer jiadistas ou talibãs mas,
sim, neo-conservadores ou falcões liberais.
Não esqueçamos os precedentes
históricos
Devemos lembrar-nos que, no
decurso dos últimos anos, temos visto os serviços especiais norte-americanos
ou da Otan :
testar em França os efeitos devastadores de
certas drogas em populações civis [2];
ter dado apoio à OAS (Organization Armée
Secrete -ndT) para tentar assassinar o presidente Charles De Gaulle [3] ;
realizar ataques de falsa bandeira, contra
civis, em vários Estados-Membros da Otan [4].
Devemos lembrar-nos que, desde o
desmembramento da Jugoslávia, o estado-maior norte-americano experimentou, e
pôs em prática, em muitos países a sua estratégia de «lutas de cães». Ela
consiste em matar membros da comunidade maioritária (majoritária-br), depois
elementos de minorias, fazendo atribuir as culpas a uns e outros, cruzadamente,
até que todos estejam convencidos de estar em perigo de morte. Esta foi a
maneira como Washington provocou a guerra civil tanto na Jugoslávia como,
recentemente, na Ucrânia [5].
Seria muito avisado os Franceses
lembrarem-se, também, que não foram eles quem tomou a iniciativa da luta
contra os jiadistas em retoro da Síria e do Iraque. Aliás, até ao momento,
nenhum deles cometeu o menor atentado em França, não sendo o caso de Mehdi
Nemmouche o de um terrorista solitário mas, sim, o de um agente encarregue de
executar, em Bruxelas, dois agentes da Mossad [6] [7]. Foi Washington quem
convocou, a 6 de Fevereiro de 2014, os ministros do Interior da Alemanha, dos E.U.A,
da França (O Sr. Valls fez-se representar), da Itália, da Polónia e do Reino
Unido para fazer do retorno de jiadistas europeus uma questão de Segurança
nacional [8]. Foi somente após esta reunião que a imprensa francesa abordou
este assunto, e que, a seguir, as autoridades começaram a reagir.
http://youtu.be/UG2qfkMr188
John Kerry exprimiu-se, pela
primeira vez, em francês para enviar uma mensagem aos Franceses. Ele denunciou
este como um ataque contra a liberdade de expressão (quando o seu país não
parou, desde 1995, de bombardear e de destruir as televisões que lhe faziam
sombra na Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque e na Líbia), e proclama a
luta contra o obscurantismo.
Nós ignoramos quem comanditou
esta operação profissional contra o Charlie Hebdo, mas, não nos deveremos
deixar embalar. Deveremos considerar todas as hipóteses e admitir que, nesta
fase, o seu objectivo mais provável é a de nos dividir; e que os seus mais
provaveis patrocinadores estão em Washington.
Tradução
[1] « La "Guerre des
civilisations" » (Fr- «“O choque de civilizações" »-ndT), par
Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 4 juin 2004.
[2] « Quand la CIA menait des
expériences sur des cobayes français » (Fr- «Quando a CIA realizava
experiências em cobaias francesas» -ndT), par Hank P. Albarelli Jr., Réseau
Voltaire, 16 mars 2010.
[3] « Quand le stay-behind
voulait remplacer De Gaulle » (Fr- «Quando o “stay- behind” queria substituir
De Gaulle» -ndT), par Thierry Meyssan, Réseau Voltaire, 10 septembre 2001.
[4] «Les Armées Secrètes de
l’OTAN» (Fr- «Os Exércitos Secretos da Otan»- ndT), par Daniele Ganser, éd.
Demi-Lune. Disponible par chapitresur le site du Réseau Voltaire.
[5] « Le représentant adjoint de
l’ONU en Afghanistan est relevé de ses fonctions » (Fr- «O vice-representante
da ONU no Afeganistão está dispensado de suas funções» -ndT), “Poderá
Washington derrubar três governos ao mesmo tempo?”, Thierry Meyssan, Tradução
Alva, Al-Watan(Síria), Rede Voltaire, 24 de Fevereiro de 2014.
[6] « L’affaire Nemmouche et les
services secrets atlantistes » (Fr-« O caso Nemmouche e os serviços secretos
atlantistas» - ndT), par Thierry Meyssan, Al-Watan (Syrie), Réseau Voltaire, 9
juin 2014.
[7] Objectaremos os casos de Khaled Kelkal (1995) e de
Mohammed Mehra (2012). Dois casos de «lobos solitários» ligados a jihadistas ;
mas nem à Síria nem ao Iraque. Infelizmente, ambos foram executados em
operações pelas forças da ordem, de modo que é impossível verificar as
teorias oficiais.
[8] “Síria converte-se em «tema de segurança interna» para
Estados Unidos e União Europeia”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 12 de
Fevereiro de 2014.
Fonte: Somos todos
palestinos e outras palavras
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