por M K Bhadrakumar
A sensacional reportagem da BBC
revelando que os protestos em Hong Kong conhecidos como Occupy Central na
realidade não foram espontâneos nem internos, mas sim coreografados
cuidadosamente dois anos atrás e executados por forças estrangeiras e que cerca
de 1000 ativistas chineses poderiam ser "manifestantes treinados"
corrobora as reportagens vindas de Moscovo há poucas semanas – as reportagens
russas sem hesitações apontam o dedo aos EUA como mentor de tal empreendimento.
Em retrospectiva, Pequim parece ter
lido as folhas de chá corretamente, tendo retirado grande quantidade de
conclusões acerca da alquimia do misterioso fenômeno conhecido como as
"revoluções coloridas" patrocinadas pelos EUA na última década. A
ucraniana, naturalmente, é apenas a mais recente numa cadeia que começou na
Geórgia em 2003 e é um facto mais ou menos estabelecido que estes chamados
movimentos são realmente geopolíticos no seu carácter e inextricavelmente
ligados às estratégias globais e políticas regionais dos EUA.
A Rússia tem sido o alvo
principal e é interessante que agora na China também tenha sido feito um teste
no terreno. É concebível que as "revoluções coloridas" constituam um
tópico na cooperação de segurança Rússia-China, especialmente na região da Ásia
Central.
O cronograma do empreendimento em
Hong Kong pode ter tido algo a ver com a cimeira APEC (Asia-Pacific Economic
Cooperation) em Pequim, programada para 10 de Novembro. As intenções podiam ter
sido embaraçar o governo chinês ou mesmo testar seus nervos e impeli-lo a
utilizar força para suprimir os protestos.
Por outro lado, pode ter havido
expectativas no ocidente de que os protestos pudessem atear fogo ao tecido socioeconômico
na "China continental". Alguns sabichões indianos na televisão
estatal chegaram a visualizar um tal cenário apocalíptico.
Se assim é, o empreendimento
fracassou quanto ao efeito desejado. A reportagem da BBC empana o Occupy
Central quase irremediavelmente e qualquer agência de inteligência estrangeira
saberia que os protestos se tornaram um "caso acabado" a partir de
agora.
Na verdade, o mais impressionante
é que a BBC tenha feito uma tal reportagem – agrupando os manifestantes de Hong
Kong com sujeitos tão desacreditados como o grupo punk Pussy Riot da Rússia e
um desertor da Coreia do Norte. É lógico que a Grã-Bretanha chegou à conclusão
de que o Occupy Central fracassou para além da recuperação possível e a coisa
certa a fazer sem mais tardar será distanciar-se do protesto.
A Grã-Bretanha saberia que pouco
importando quaisquer aberrações na ordem política em Hong Kong, a verdade
histórica é que a democracia em qualquer forma aparecer pela primeira vez na
história de Hong Kong só depois de a cidade mudar de mãos e ficar sob o
controle da China.
Na verdade, Pequim atuou com a
cabeça fria. Ali não houve nada da brutalidade com que nós dispersámos Baba
Ramdev da área de Ramlila dois anos atrás. Contudo, a abordagem de Pequim é na
realidade dura como um prego. Muitos fatores atuaram em favor de Pequim.
Na verdade Pequim deixou o caos
seguir seu curso e estimou corretamente que em algum ponto mais cedo ou mais
tarde a opinião pública em Hong Kong incrementalmente atuaria contra a
resultante confusão e desordem. Aquela abordagem mostrou-se válida.
Pequim podia permitir-se uma
abordagem tão calibrada por duas razões. Uma, porque Hong Kong já não é a
locomotiva de crescimento para a economia da China. A cidade não é mesmo um dos
vagões principais do comboio. Shanghai e várias outras regiões no Leste
ultrapassaram Hong Kong em dinamismo e prosperidade. Basta dizer que a
importância de Hong Kong para a economia chineses (e sua política externa)
diminuiu consideravelmente e esta tendência só pode acentuar-se ao longo do
tempo.
A segunda e mais importante razão
é que a "opinião pública do continente" encarou os protestos em Hong
Kong como um acto de petulância da "crianças mimadas" da cidade (as
quais já desfrutam um excesso de democracia) ao invés de arautos da
democratização da sociedade chinesa. Há igualmente uma forte probabilidade de
que a opinião pública do continente acredite no papel da "mão
estrangeira".
Pequim na verdade adoptou uma
posição dura ao recusar a negociar sua prerrogativa para determinar o ritmo e a
direcção da democratização da China. Ela também assinalou um nível de
auto-confiança em dispersar uma operação da inteligência estado-unidense sem
explodir de raiva. (De modo interessante, a calma compostura com a qual Pequimobservou a estadia do Dalai Lama na América do Norte na véspera da cimeira APEC
também é notável.)
A partir de agora, a utilização
de métodos coercivos em Hong Kong compara-se favoravelmente com as medidas deforça maciças nos protestos Occupy Wall Street, nos EUA, dois anos atrás.
Parece que os diabos estrangeiros na Estrada da Seda calcularam mal.
27/Outubro/2014
[*] Antigo embaixador da Índia.
O original encontra-se em
blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/10/27/who-cooked-the-hong-kong-broth/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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