por Antonio Rondón.
Poucos no mundo atrevem-se a
negar o horror do Holocausto, mas as crises econômicas ou o afã por demonizar o
comunismo parecem levar a uma perigosa amnésia na Europa: capaz de tolerar o
neofascismo e a revisão do ocorrido na II Guerra Mundial.
A segunda conflagração mundial
deixou sem vida nos campos de concentração fascistas em toda Europa mais de 20
milhões de pessoas, para além dos cinco ou seis milhões de judeus exterminados,
mas é no Velho Continente onde ressurgem com mais força as tentativas de esquecimento.
Apesar da existência de grandes
“monumentos” ao genocídio em Aschwitz, na mesma Polônia ou na vizinha República
Checa, são cada vez mais fortes as tentativas de demonizar os verdadeiros
protagonistas da II Guerra Mundial ou de, ao menos, suavizar as atrocidades do
fascismo hitleriano.
Um pequeno esclarecimento para as
memórias europeias: a alta chefatura do exército nazista alemão dispôs como um
de seus principais objetivos a subjugação de 500 milhões de pessoas e o
extermínio da maior quantidade de judeus e eslavos possíveis, a quem também
consideravam como uma raça débil.
Depois de massacrar quase 200 mil
judeus somente na Alemanha, o regime hitleriano criou os campos de extermínios
para cremar corpos de prisioneiros, um método mais “eficiente” e rápido que
asfixiar com gás tóxico.
No entanto, no Velho Continente,
22 países abstiveram-se e foram incapazes de ratificar em junho deste ano uma
resolução da ONU para condenar as tentativas de revisão da história na II
Guerra Mundial e de reivindicar o fascismo.
Estados Unidos, o rei da
democracia para pedi-la, exigi-la e impô-la, considerou que a resolução
coarctava a “liberdade de expressão”, isto é, a liberdade de propagar uma
corrente que representa as mesmas ideias do extermínio e da exclusão hitleriana.
Depois da queda do campo
socialista europeu, muitos se deram à tarefa de reescrever a história e reduzir
a zero qualquer coisa que poderia destacar as bondades do socialismo para, pelo
contrário, tratar de demonizar ou, no menor dos casos, atenuar a experiência
positiva do sistema saliente.
Isso se fez mais evidente nos
próprios países ex-socialistas, sobretudo, em nações como a República Checa ou
Polônia, em que se chegou a proibir por lei os símbolos alusivos à época
socialista ou da extinta União Soviética.
Os poloneses chegaram a impor
proibições para ocupar cargos públicos a quem a seu momento pertenceram a
órgãos de segurança na época socialista, enquanto mostram mais tolerância, sob
o pretexto da liberdade de expressão, para os neofascistas.
Ademais, chegou-se a ilegalizar a
militância em organizações ou partidos comunistas.
Nas pequenas repúblicas na costa
do mar Báltico, em sua maioria reverteu-se o curso da história ao mudar os
termos do que ocorreu em II Guerra Mundial e situar os fascistas e seus
cúmplices nacionalistas como lutadores pela liberdade, enquanto chamam de
ocupantes o Exército soviético e julgam os antifascistas.
Tais tendências são observadas
enquanto a União Europeia (UE), incansável veladora dos direitos humanos,
observa impassível as violações que são cometidas contra a comunidade russa na
Estônia ou Lituânia, onde constitui quase 50 por cento da população.
Vilna considera os russos como
pessoas sem cidadania, sem direito a votar ou de gozar as prerrogativas do
resto dos lituanos, num caso de segregação sem precedentes na Europa de
pós-guerra e sobre o qual a UE prefere calar.
O bloco comunitário também guarda
silêncio sobre as regulações para permitir e inclusive festejar a criação das
formações lituanas de apoio às SS, enquanto os monumentos aos lutadores contra
o fascismo são eliminados ou transladados a lugares recônditos das cidades.
Como nos tempos da grande
depressão da década de 1930, agora a crise econômica e a precariedade social se
convertem em caldo de cultivo para a ascensão de formações ultradireitistas
como ocorreu na Áustria e depois na Dinamarca, enquanto avança na França,
Alemanha e Hungria.
No entanto, a formação de um
estado de opinião capaz de levar a aceitar a corrente neofascista possui várias
facetas e uma delas poderia estar relacionada com a assinatura da Declaração de
Praga.
O revanchismo e o afã por reduzir
ao mínimo as bondades do socialismo desatam em seu texto uma condenação ao
comunismo que em todo momento, através da figura de Joseph Stalin, tratam de
equiparar com os desmandes do fascismo.
A declaração, aprovada pelo
Parlamento Europeu, propõe, inclusive, uma revisão dos livros de texto para
incluir os supostos crimes cometidos pelos comunistas, destaca o professor
Joseph Slaviansky.
Para chegar a essa posição
prepara-se a opinião pública. De acordo com o site Global Research, em muitos
casos empregam-se comerciais que tratam de “sanear” a imagem do fascismo ou
suas atrocidades.
De acordo com a mencionada fonte,
existem comerciais de produtos para emagrecer, os quais, para acentuar a
efetividade de sua aplicação, empregam símbolos do sofrimento humano como os
campos de concentração.
Outros anúncios referem-se à
efetividade de uma companhia de gás que apresentam simultaneamente imagens de
câmeras de gás utilizadas nos campos de extermínio.
Precisamente, o mencionado tipo
de propaganda é o que propõe proibir a declaração da ONU de junho deste ano.
O documento contou com o apoio de
120 nações incluídas Síria, Cuba, a República Popular Democrática de Coreia,
Israel, Paquistão e Irã, apesar das acusações de Tel Aviv de que este último
reduz a importância do Holocausto.
A resolução expressa profunda
preocupação pela glorificação do nazismo e pelo tratamento como “lutadores pela
liberdade”, dado a antigos membros da SS, um órgão repressivo da inteligência
fascista.
Global Research destaca que a
tendência na Europa é pôr ao mesmo nível as atrocidades perpetradas pelas
forças fascistas contra a população civil, em especial, a judaica, com os
métodos que teria empregado Stalin dentro da União Soviética.
O objetivo em longo prazo é levar
tudo o que é relacionado com o comunismo a um regime de ilegalidade total e
desterrar qualquer indício dos aspectos positivos da vivência socialista na
Europa, comentam especialistas.
De fato, considera-se que negar a
mera existência do Holocausto é um delito muito menor que o de tratar, com
comerciais de duvidosa reputação, manejar os verdadeiros horrores causados
pelas câmeras de gás ou a dor das pessoas exterminadas nesses centros de morte.
A isso se soma a propaganda em
meios audiovisuais na Europa, nos quais, sob o manto de conseguir uma maior
objetividade do ocorrido na II Guerra Mundial, se tergiversam abertamente os
acontecimentos nessa conflagração mundial.
A preparação pública pela via
citada também permitiu a ascensão a estratos políticos e inclusive ao poder de
organizações abertamente xenófobas ou neofascistas na Europa, ao mesmo tempo em
que leva a uma tolerância de assuntos que, disfarçados de uma flexibilidade na
visão do mundo, sempre foram considerados como genocídio.
Há uns anos, na Ucrânia, por
exemplo, chegou-se a incluir num concurso televisivo sobre as 100
personalidades mais importantes da história desse país a líderes como Stepan
Bandeira, do agrupamento fascista UPA, vinculado a massacres cometidos contra
ucranianos judeus ou comunistas durante a II Guerra Mundial.
A curta memória ou amnésia
política da Europa levou à necessidade de propor na ONU uma resolução sobre a
glorificação do fascismo, em especial, depois da aprovação da Declaração de
Praga, à qual se uniu a maioria dos estados ex-socialistas europeus.
Antonio Rondón é chefe da Redação Europa de Prensa Latina
Fonte: Fundação Lauro Campos
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