Por Pablo
Allejo. Na Introdução de Capitalismo, Anticapitalismo
e Organização Popular, livro editado pela Universidade Popular, o marxista
português João Bernardo escreve que os trabalhadores enfrentam dois inimigos. O
primeiro deles seria bastante claro e explícito:
São os patrões, os donos das empresas e os administradores,
os chefes das repartições públicas, os policiais e os seguranças que espancam,
prendem ou matam quem se revolta. [...] Toda esta gente toma posição contra as
lutas, eles próprios se revelam hostis aos trabalhadores.
Já o segundo inimigo não seria muito visível, e por isso, em
determinadas situações, seria mais difícil de combater do que o próprio Estado
e os grandes capitalistas. Diz João Bernardo:
O outro inimigo, porém, é dissimulado. São aqueles
trabalhadores que se aproveitam das lutas para se distanciar dos companheiros e
conseguir algum poder sobre os antigos colegas, que recorrem a todos os
pretextos para se manter indefinidamente nos cargos para que foram eleitos, que
vão negociar com a administração da empresa e não prestam contas acerca do que
foi decidido. Progressivamente, eles deixam de ser trabalhadores e convertem-se
em burocratas.
Essas duas situações foram constatadas na USP no dia 8 de
novembro de 2011, em momentos distintos. Às 5 e 30 da manhã, a Polícia Militar,
aparelho repressivo do Estado, intervém na ocupação política da reitoria com
aparato de guerra, 400 homens da tropa de choque, dois helicópteros, e duas
forças-tarefas no melhor estilo SWAT para prender estudantes desarmados.
Posteriormente, forjam depredação de patrimônio público e a
existência de coquetéis molotovs (como pode ser comprovado neste relato) ,
saciando o apetite voraz de jornalistas, em especial os da TV e rádio, que
esperavam por imagens que pudessem carimbar ainda mais a marca de vândalos na
testa daquele movimento. (Aos que leem esse relato, isso explica o porque de
seus amigos e colegas estarem destilando ódio contra os 'filhinhos de papai da
USP'.)
À noite, é a vez da segunda situação aparecer. Na maior
assembleia estudantil da história recente da USP, com o vão do prédio da
História lotado com 3 mil estudantes revoltados com a ação policial
transcorrida horas antes, a proposta de greve geral contra a presença da PM no
campus, contra o reitor João Grandino Rodas, e pelo fim dos processos aos
perseguidos políticos no campus, surge logo no início.
No microfone, dois conjuntos de forças políticas se revezam.
Defendendo a greve, estão as forças tidas como ultraesquerdas: membros do PCO
(Partido da Causa Operária), MNN (Movimento Negação da Negação), LER-QI (Liga
Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional) e POR (Partido Operário
Revolucionário). O argumento, paradoxalmente, é o mais sensato: com uma
assembleia gigante e com todos com os brios à flor da pele, a hora de dar uma
resposta à altura à operação de policial de mais cedo é agora. E não menos que
a deflagração imediata de uma greve geral de estudantes pode cumprir esse
papel.
O segundo conjunto de forças abarca correntes particulares
ligadas ao PSOL (APS, CSOL, MES , essas duas últimas componentes a atual gestão
do DCE da USP) e o PSTU. Estas forças, inexplicavelmente, defendem que a greve
não comece ali naquela hora, mas que seja deliberado um indicativo de greve -
em outras palavras, queriam trocar uma condição tida como certa, com 3 mil
estudantes em flamas, prontos para se colocarem em luta, por uma situação
completamente hipotética e duvidosa, argumentando que com a realização de atos
e grupos de discussão nos dias seguintes, as condições para uma mobilização
verdadeiramente forte seriam melhores...
Na votação, a divisão é plena. Depois de três tentativas de
visualizar o contraste, a mesa solicita que os apoiadores da greve vão para um
lado e os que são contra vão para outro. O contraste então surge. A greve é
aprovada.
Diante de tudo que aconteceu no dia 8, e conhecendo um pouco
o histórico desse segundo conjunto de forças políticas, só consigo vislumbrar 3
possíveis motivos que possam explicar a atuação dos estudantes ligados às
correntes do PSOL e do PSTU de São Paulo que defenderam pela não-greve:
1) Inexplicavelmente, acreditam realmente que a tática de
desmobilização do agora é a tática de mobilização futura.
2) Desejam estar sempre na liderança do movimento, temendo
perdê-la para as forças da ultraesquerda caso a mobilização cresça de uma forma
radical. Ou seja, uma questão de ego.
3) Não querem aprovar uma medida tão radical como a greve,
temendo fortalecer as forças de direita que irão concorrer na eleição do DCE,
marcada para o fim deste mês, e assim, perder o controle da entidade.
Agora, passo a analisar cada um desses possíveis motivos:
Quanto ao primeiro motivo, creio que ela possa proceder em
parte. Acredito piamente que alguns membros das correntes políticas em questão
possam acreditar, talvez por imaturidade política, que a tática de desmobilizar
um cenário de mobilização, visando construir um suposto cenário mais forte num
futuro incerto, possa ser a medida mais eficiente para a causa.
Não entendem, entretanto, que, na dinâmica de luta social, a
questão do momentum é um dos elementos mais importantes, sobre o qual as forças
políticas envolvidas não tem controle; ele surge inesperadamente (no, caso a
brutal operação policial da manhã), comove um número enorme de pessoas, que
então passam a estar emocionalmente dispostas a aderir a um movimento de
radicalização - movimento este extremamente necessário, caso se pretenda
realmente alcançar uma vitória nas reivindicações. Se foi realmente isso que
aconteceu, trata-se de uma imaturidade política tremenda.
Por isso que creio que o segundo e a terceiro motivo são os
mais factíveis.
Sobre o segundo motivo, façamos um resgate histórico recente
da atuação no movimento estudantil dos militantes do PSTU de São Paulo, e
veremos que, neste caso, a suposta tática de desmobilizar visando mobilizar não
parece ser bem uma tática. Mas sim um princípio.
- Em 2007, no início de uma nova era nas táticas de
mobilizações estudantis, com a ocupação da reitoria da USP, os militantes do
PSTU de São Paulo defendem a desocupação logo nos primeiros dias, exatamente
com o mesmo argumento: "saiamos hoje para voltarmos mais forte na semana
que vem ou no mês que vem". Sua proposta não é aprovada, a ocupação da
reitoria só faz crescer, dura mais de 2 meses, vira referência no movimento
estudantil do Brasil, e os militantes do PSTU de São Paulo são obrigados a reconhecer
a tática equivocada.
- 4 anos depois, no início de 2011, na luta contra o aumento
da passagem de ônibus na cidade de São Paulo, em um dos dias de maior tensão,
com militantes acorrentados dentro da prefeitura municipal, em assembleia
ocorrendo na rua em frente, seus militantes fazem a mesma defesa: era
necessário terminar o acorrentamento e voltar na semana que vem ainda maior. O
descorrentamento, entretanto, acontece por decisão própria dos acorrentados, e,
obviamente, o protesto não voltou maior na semana seguinte.
- Novembro de 2011. Policiais militares abordam os
estudantes de geografia que usavam maconha na USP, e tentam levá-los para
delegacia. Outros estudantes intervêm e tentam impedir a prisão. O confronto se
instaura, bombas de gás e tiros de borracha cruzam os ares. Uma assembleia com
500 estudantes em protesto contra a presença da PM no campus ocorre de
imediato. Surge a proposta de ocupação do prédio da administração da FFLCH em
protesto contra a presença da PM no campus. Os militantes do PSTU e das forças
do PSOL defendem contrariamente. Perdem e a ocupação acontece.
- Dias depois, primeira assembleia da ocupação da FFLCH.
Militantes do PSTU e das forças do PSOL defendem novamente a desocupação. Desta
vez conseguem vencer. Uma nova proposta é feita para a ocupação da reitoria.
Alegando o estouro do teto (marcado a priori para as 22h), a mesa encerra a
assembleia. Detalhe: a deliberação para o fim da ocupação também ocorreu depois
do teto e ainda assim foi aceita. Revoltados com a suposta manobra, forças
políticas da ultraesquerda assumem então a mesa da assembleia e deliberam, para
uma plenária com menos da metade da original e com legitimidade questionável, a
ocupação da reitoria. Ela acontece e o desfecho todos sabemos qual foi.
- 8 de novembro de 2011. Após a operação policial na USP,
novamente, militantes PSTU e PSOL defendem contra a deliberação da greve
imediata. Por muito, muito pouco, perdem. Para o bem do movimento.
Como se pode ver, por ser uma prática recorrente, não creio
que seja possível falar que a opção de desmobilizar para mobilizar, defendida
incansável e repetidamente pelo PSTU de São Paulo (e, ao que parece, pelo PSOL
de São Paulo também) seja uma leitura tática de momento. Trata-se sim de um
princípio, o que gera suspeita sobre seus reais motivos.
SEMPRE a defesa é pela desmobilização momentânea, visando
uma suposta mobilização futura, que qualquer pessoa com bom senso sabe que
dificilmente ocorrerá. Ignoram o elemento do momentum do qual falei acima, ou
pelo menos fingem ignorar. Fico imaginando a atuação dessas forças políticas
nos primeiros dias de ocupação da praça Tahrir, no Egito. Será que também
fariam um discurso como 'precisamos sair hoje da praça, fazermos discussões em
nossos bairros, para depois voltarmos em 10 milhões'? Não duvido de nada.
Já quanto o do terceiro motivo, o do temor do crescimento
das forças de direita nas eleições do DCE. Para contextualizar, as correntes do
MES e CSOL (PSOL) e o PSTU irão disputar coligados nas eleições marcadas para o
fim de novembro. E há duas questões a serem abordadas aí.
A primeira é que o tal discurso se assemelha a do Governo do
PT, contra o qual essas forças fazem oposição pela esquerda. Em uma discussão
sobre o Governo Federal, é corrente ouvir da boca de um petista a respeito das
políticas conservadoras ou da falta de políticas que visem mexer nos
privilégios da elite: "Precisamos preservar a governabilidade".
Paradoxalmente, a linha de raciocínio no caso da disputa pelo DCE da USP é a
mesma. E, no passado, ela já foi admitida publicamente pela atual gestão (que é
composta MES e CSOL, do PSOL) como justificativa para atitudes não-radicais.
A segunda questão é que, pelo menos para mim, a conquista do
DCE deve ser um meio para fortalecer a luta por uma universidade e sociedade
mais justas, e não um fim. A luta real já está acontecendo, que é a greve dos
estudantes contra a PM no campus, contra a perseguição política e contra Rodas.
Este é o fim pelo qual todas as forças verdadeiramente devotas da causa
deveriam trabalhar. Desmobilizar a greve por motivos meramente eleitorais é a
passar a ver o DCE não mais como um instrumento de luta - ou seja, um meio -,
mas sim como uma finalidade em si! É justamente a análise que o João Bernardo
faz nas linhas que transcrevi acima: Progressivamente, eles deixam de ser
trabalhadores [no caso, estudantes] e convertem-se em burocratas. Se a
mobilização atual for vitoriosa, conseguir expulsar a PM no campus, conseguir
revogar os processos contra os perseguidos políticos da USP, conseguir derrubar
Rodas, ao custo da perda da gestão do DCE...ótimo. Também é possível fazer
política para além do DCE.
Por fim, gostaria de fazer um apelo extremamente sincero às
forças ligadas ao PSOL e PSTU de São Paulo. Camaradas, trabalhemos para
fortalecer o movimento e não para desmobilizar. Hoje, mais do que nunca, a
possibilidade de expulsar a PM do campus está dada. E mais: haja visto o espaço
que o episódio alcançou na sociedade brasileira, surge também as condições de
se colocar em xeque a militarização da Polícia no Brasil como um todo, se
conseguirmos expandir esse movimento para além dos muros da faculdade. Poderíamos
envolver o Movimento Negro, o MST, os movimentos por moradia, já que, como
sabemos, a repressão policial acontece diariamente contra populações inteiras.
Lembremos que Maio de 68 começou de forma bem similar:
repressão da polícia francesa a ocupação de estudantes na Sorbonne. Culminou na
fuga de De Gaulle para a Alemanha e na situação revolucionária mais intensa que
a França já viu depois de 1789.
Reflitam. Façam a autocrítica. Se vocês se reconhecem como
forças que lutam, precisamos lutar. Desapeguem-se. Não importa se serão vocês
ou não a vanguarda do movimento. A luta é de todos.
Unidos, podemos vencer.
Fonte: Diario
Liberdade
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