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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Panorama sobre a greve geral dos estudantes da USP: a atuação do PSOL e do PSTU de São Paulo.


Por  Pablo Allejo.    Na Introdução de Capitalismo, Anticapitalismo e Organização Popular, livro editado pela Universidade Popular, o marxista português João Bernardo escreve que os trabalhadores enfrentam dois inimigos. O primeiro deles seria bastante claro e explícito:


São os patrões, os donos das empresas e os administradores, os chefes das repartições públicas, os policiais e os seguranças que espancam, prendem ou matam quem se revolta. [...] Toda esta gente toma posição contra as lutas, eles próprios se revelam hostis aos trabalhadores.

Já o segundo inimigo não seria muito visível, e por isso, em determinadas situações, seria mais difícil de combater do que o próprio Estado e os grandes capitalistas. Diz João Bernardo:

O outro inimigo, porém, é dissimulado. São aqueles trabalhadores que se aproveitam das lutas para se distanciar dos companheiros e conseguir algum poder sobre os antigos colegas, que recorrem a todos os pretextos para se manter indefinidamente nos cargos para que foram eleitos, que vão negociar com a administração da empresa e não prestam contas acerca do que foi decidido. Progressivamente, eles deixam de ser trabalhadores e convertem-se em burocratas.


Essas duas situações foram constatadas na USP no dia 8 de novembro de 2011, em momentos distintos. Às 5 e 30 da manhã, a Polícia Militar, aparelho repressivo do Estado, intervém na ocupação política da reitoria com aparato de guerra, 400 homens da tropa de choque, dois helicópteros, e duas forças-tarefas no melhor estilo SWAT para prender estudantes desarmados.

Posteriormente, forjam depredação de patrimônio público e a existência de coquetéis molotovs (como pode ser comprovado neste relato) , saciando o apetite voraz de jornalistas, em especial os da TV e rádio, que esperavam por imagens que pudessem carimbar ainda mais a marca de vândalos na testa daquele movimento. (Aos que leem esse relato, isso explica o porque de seus amigos e colegas estarem destilando ódio contra os 'filhinhos de papai da USP'.)

À noite, é a vez da segunda situação aparecer. Na maior assembleia estudantil da história recente da USP, com o vão do prédio da História lotado com 3 mil estudantes revoltados com a ação policial transcorrida horas antes, a proposta de greve geral contra a presença da PM no campus, contra o reitor João Grandino Rodas, e pelo fim dos processos aos perseguidos políticos no campus, surge logo no início.

No microfone, dois conjuntos de forças políticas se revezam. Defendendo a greve, estão as forças tidas como ultraesquerdas: membros do PCO (Partido da Causa Operária), MNN (Movimento Negação da Negação), LER-QI (Liga Estratégia Revolucionária - Quarta Internacional) e POR (Partido Operário Revolucionário). O argumento, paradoxalmente, é o mais sensato: com uma assembleia gigante e com todos com os brios à flor da pele, a hora de dar uma resposta à altura à operação de policial de mais cedo é agora. E não menos que a deflagração imediata de uma greve geral de estudantes pode cumprir esse papel.

O segundo conjunto de forças abarca correntes particulares ligadas ao PSOL (APS, CSOL, MES , essas duas últimas componentes a atual gestão do DCE da USP) e o PSTU. Estas forças, inexplicavelmente, defendem que a greve não comece ali naquela hora, mas que seja deliberado um indicativo de greve - em outras palavras, queriam trocar uma condição tida como certa, com 3 mil estudantes em flamas, prontos para se colocarem em luta, por uma situação completamente hipotética e duvidosa, argumentando que com a realização de atos e grupos de discussão nos dias seguintes, as condições para uma mobilização verdadeiramente forte seriam melhores...

Na votação, a divisão é plena. Depois de três tentativas de visualizar o contraste, a mesa solicita que os apoiadores da greve vão para um lado e os que são contra vão para outro. O contraste então surge. A greve é aprovada.

Diante de tudo que aconteceu no dia 8, e conhecendo um pouco o histórico desse segundo conjunto de forças políticas, só consigo vislumbrar 3 possíveis motivos que possam explicar a atuação dos estudantes ligados às correntes do PSOL e do PSTU de São Paulo que defenderam pela não-greve:

1) Inexplicavelmente, acreditam realmente que a tática de desmobilização do agora é a tática de mobilização futura.

2) Desejam estar sempre na liderança do movimento, temendo perdê-la para as forças da ultraesquerda caso a mobilização cresça de uma forma radical. Ou seja, uma questão de ego.

3) Não querem aprovar uma medida tão radical como a greve, temendo fortalecer as forças de direita que irão concorrer na eleição do DCE, marcada para o fim deste mês, e assim, perder o controle da entidade.

Agora, passo a analisar cada um desses possíveis motivos:

Quanto ao primeiro motivo, creio que ela possa proceder em parte. Acredito piamente que alguns membros das correntes políticas em questão possam acreditar, talvez por imaturidade política, que a tática de desmobilizar um cenário de mobilização, visando construir um suposto cenário mais forte num futuro incerto, possa ser a medida mais eficiente para a causa.

Não entendem, entretanto, que, na dinâmica de luta social, a questão do momentum é um dos elementos mais importantes, sobre o qual as forças políticas envolvidas não tem controle; ele surge inesperadamente (no, caso a brutal operação policial da manhã), comove um número enorme de pessoas, que então passam a estar emocionalmente dispostas a aderir a um movimento de radicalização - movimento este extremamente necessário, caso se pretenda realmente alcançar uma vitória nas reivindicações. Se foi realmente isso que aconteceu, trata-se de uma imaturidade política tremenda.

Por isso que creio que o segundo e a terceiro motivo são os mais factíveis.

Sobre o segundo motivo, façamos um resgate histórico recente da atuação no movimento estudantil dos militantes do PSTU de São Paulo, e veremos que, neste caso, a suposta tática de desmobilizar visando mobilizar não parece ser bem uma tática. Mas sim um princípio.

- Em 2007, no início de uma nova era nas táticas de mobilizações estudantis, com a ocupação da reitoria da USP, os militantes do PSTU de São Paulo defendem a desocupação logo nos primeiros dias, exatamente com o mesmo argumento: "saiamos hoje para voltarmos mais forte na semana que vem ou no mês que vem". Sua proposta não é aprovada, a ocupação da reitoria só faz crescer, dura mais de 2 meses, vira referência no movimento estudantil do Brasil, e os militantes do PSTU de São Paulo são obrigados a reconhecer a tática equivocada.

- 4 anos depois, no início de 2011, na luta contra o aumento da passagem de ônibus na cidade de São Paulo, em um dos dias de maior tensão, com militantes acorrentados dentro da prefeitura municipal, em assembleia ocorrendo na rua em frente, seus militantes fazem a mesma defesa: era necessário terminar o acorrentamento e voltar na semana que vem ainda maior. O descorrentamento, entretanto, acontece por decisão própria dos acorrentados, e, obviamente, o protesto não voltou maior na semana seguinte.

- Novembro de 2011. Policiais militares abordam os estudantes de geografia que usavam maconha na USP, e tentam levá-los para delegacia. Outros estudantes intervêm e tentam impedir a prisão. O confronto se instaura, bombas de gás e tiros de borracha cruzam os ares. Uma assembleia com 500 estudantes em protesto contra a presença da PM no campus ocorre de imediato. Surge a proposta de ocupação do prédio da administração da FFLCH em protesto contra a presença da PM no campus. Os militantes do PSTU e das forças do PSOL defendem contrariamente. Perdem e a ocupação acontece.

- Dias depois, primeira assembleia da ocupação da FFLCH. Militantes do PSTU e das forças do PSOL defendem novamente a desocupação. Desta vez conseguem vencer. Uma nova proposta é feita para a ocupação da reitoria. Alegando o estouro do teto (marcado a priori para as 22h), a mesa encerra a assembleia. Detalhe: a deliberação para o fim da ocupação também ocorreu depois do teto e ainda assim foi aceita. Revoltados com a suposta manobra, forças políticas da ultraesquerda assumem então a mesa da assembleia e deliberam, para uma plenária com menos da metade da original e com legitimidade questionável, a ocupação da reitoria. Ela acontece e o desfecho todos sabemos qual foi.

- 8 de novembro de 2011. Após a operação policial na USP, novamente, militantes PSTU e PSOL defendem contra a deliberação da greve imediata. Por muito, muito pouco, perdem. Para o bem do movimento.

Como se pode ver, por ser uma prática recorrente, não creio que seja possível falar que a opção de desmobilizar para mobilizar, defendida incansável e repetidamente pelo PSTU de São Paulo (e, ao que parece, pelo PSOL de São Paulo também) seja uma leitura tática de momento. Trata-se sim de um princípio, o que gera suspeita sobre seus reais motivos.

SEMPRE a defesa é pela desmobilização momentânea, visando uma suposta mobilização futura, que qualquer pessoa com bom senso sabe que dificilmente ocorrerá. Ignoram o elemento do momentum do qual falei acima, ou pelo menos fingem ignorar. Fico imaginando a atuação dessas forças políticas nos primeiros dias de ocupação da praça Tahrir, no Egito. Será que também fariam um discurso como 'precisamos sair hoje da praça, fazermos discussões em nossos bairros, para depois voltarmos em 10 milhões'? Não duvido de nada.

Já quanto o do terceiro motivo, o do temor do crescimento das forças de direita nas eleições do DCE. Para contextualizar, as correntes do MES e CSOL (PSOL) e o PSTU irão disputar coligados nas eleições marcadas para o fim de novembro. E há duas questões a serem abordadas aí.

A primeira é que o tal discurso se assemelha a do Governo do PT, contra o qual essas forças fazem oposição pela esquerda. Em uma discussão sobre o Governo Federal, é corrente ouvir da boca de um petista a respeito das políticas conservadoras ou da falta de políticas que visem mexer nos privilégios da elite: "Precisamos preservar a governabilidade". Paradoxalmente, a linha de raciocínio no caso da disputa pelo DCE da USP é a mesma. E, no passado, ela já foi admitida publicamente pela atual gestão (que é composta MES e CSOL, do PSOL) como justificativa para atitudes não-radicais.

A segunda questão é que, pelo menos para mim, a conquista do DCE deve ser um meio para fortalecer a luta por uma universidade e sociedade mais justas, e não um fim. A luta real já está acontecendo, que é a greve dos estudantes contra a PM no campus, contra a perseguição política e contra Rodas. Este é o fim pelo qual todas as forças verdadeiramente devotas da causa deveriam trabalhar. Desmobilizar a greve por motivos meramente eleitorais é a passar a ver o DCE não mais como um instrumento de luta - ou seja, um meio -, mas sim como uma finalidade em si! É justamente a análise que o João Bernardo faz nas linhas que transcrevi acima: Progressivamente, eles deixam de ser trabalhadores [no caso, estudantes] e convertem-se em burocratas. Se a mobilização atual for vitoriosa, conseguir expulsar a PM no campus, conseguir revogar os processos contra os perseguidos políticos da USP, conseguir derrubar Rodas, ao custo da perda da gestão do DCE...ótimo. Também é possível fazer política para além do DCE.

Por fim, gostaria de fazer um apelo extremamente sincero às forças ligadas ao PSOL e PSTU de São Paulo. Camaradas, trabalhemos para fortalecer o movimento e não para desmobilizar. Hoje, mais do que nunca, a possibilidade de expulsar a PM do campus está dada. E mais: haja visto o espaço que o episódio alcançou na sociedade brasileira, surge também as condições de se colocar em xeque a militarização da Polícia no Brasil como um todo, se conseguirmos expandir esse movimento para além dos muros da faculdade. Poderíamos envolver o Movimento Negro, o MST, os movimentos por moradia, já que, como sabemos, a repressão policial acontece diariamente contra populações inteiras.

Lembremos que Maio de 68 começou de forma bem similar: repressão da polícia francesa a ocupação de estudantes na Sorbonne. Culminou na fuga de De Gaulle para a Alemanha e na situação revolucionária mais intensa que a França já viu depois de 1789.

Reflitam. Façam a autocrítica. Se vocês se reconhecem como forças que lutam, precisamos lutar. Desapeguem-se. Não importa se serão vocês ou não a vanguarda do movimento. A luta é de todos.

Unidos, podemos vencer.


Fonte:  Diario Liberdade

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