José Benedito Pires Trindade e
Otto Filgueiras.
A nossa pouco gloriosa mídia
comercial – liderança sem contendor da oposição da direita - vive um dilema angustiante desde que as manifestações populares voltaram
às ruas. Dizer que é uma dúvida hamletiana, seria uma concessão indevida à
baixíssima qualidade do jornalismo, hoje; o melhor seria enunciar que se trata
de um impasse “tostines”, mais adequado à compreensão dos arrivistas que se impõem às redações.
A hesitação é: apoiar ou condenar
as manifestações? Mostrar simpatias ou demonizar os Black bloks? Estimular ou
condenar a repressão? Lei antiterrorismo, sim ou não?
Depois da perplexidade inicial
quando, seguindo seus instintos, desancou os “baderneiros”, a mídia
realinhou-se, tão férteis e prolíferas as possibilidades do movimento. A sua
natureza golpista vislumbrou “janelas de oportunidades” para fazer sangrar o
governo petista.
Assim, vândalos e arruaceiros
transmudaram-se em ativistas e militantes; jovens rebelados contra a má
qualidade dos serviços públicos e a corrupção; e a desordem de antes passou a
ser acolhida como manifestação apartidária e apolítica. É claro, com todas as
advertências da mídia, notadamente o seu comando político-ideológico, as
Organizações Globo, para que as massas se comportassem educadamente, sem
violência, quebra-quebra e outras expressões de incivilidade, para não assustar
a classe média, as senhoras católicas e os veteranos de 32, 45, 54, 55, 56, 59
e 64, e tantas outras memoráveis
batalhas.
A velha mídia, comercial e venal,
e a velha oposição que ela comanda, agora acrescida dos tais “socialistas”,
esqueceu-se, no entanto, de que, quando você tira o diabo para dançar, quem
muda é você, não o diabo. É quem convida que se enquadra ao ritmo, não o
tinhoso. Os demônios estão soltos e não há como recolhê-los. Logo mais, não
haverá como domá-los também.
A crítica de figuras estelares da
mídia a possíveis legislações anti-manifestações, gestadas pelos sempre
disponíveis Romeros Jucás, por exemplo, mostra com que ansiedade os
conservadores aguardam a chegada dos meses de maio e junho, quando, rezam aos
céus, será enterrada a reeleição da presidente.
Quer dizer, o diabo está sendo
insistentemente convidado para dançar. E, solto no redemoinho das
manifestações, com máscara ou sem máscara, com fadas ou sem fadas, vai perder o
controle e a Globo terá que se encarapitar nos prédios para fugir da turba
multa, regerá o coro conservador exigindo lei e ordem, sairá à caça do demônio
para trancafiá-lo, novamente.
E poderão ter êxito, ainda mais
uma vez, desgraçadamente.
Afinal, o diabo ou a extrema
direita, incluindo a PM de São Paulo e Rio de Janeiro, está animado: amontoa a
Internet com piadas e mensagens grosseiras, atacando o PT por suas qualidades,
nos tempos que ainda dependia da mobilização, aguerrida, da sua militância.
Ataca o Senado e os petistas porque não passou o projeto reacionário que
alterava a maioridade penal. E ataca também o ex-ministro Padilha por causa dos
médicos cubanos. São os generais de pijama, e outros atuais, encarnados no
diabo e saudosistas dos tempos de terror da ditadura.
Tudo isso passou, o PT mudou, não
é mais o mesmo.
A ofensiva da mídia comercial,
particularmente da rede Globo de Televisão, para criminalizar os movimentos
sociais e as manifestações populares, com o objetivo de tirar o povo das ruas,
tem a finalidade de legalizar o processo repressivo, com a lei antiterrorista,
que tramita no Congresso Nacional.
A ofensiva fascista, também
presente na Ucrânia e nas manifestações violentas da direita na Venezuela, é
resultado da crise mundial capitalista e iniciativa dos reacionários, tentando barrar a participação
popular nas manifestações contrárias aos efeitos perversos da crise e
aprofundamento das relações capitalistas, que costumeiramente recaem sobre as
costas dos trabalhadores.
As classes dominantes brasileiras
estão desesperadas com a certeza de que a crise já chegou ao Brasil, provocando
queda na produção industrial, redução das vendas no comércio e aumento do custo
de vida. Por isso aumentou o descontentamento popular contra as péssimas
condições de vida, pondo em xeque o discurso mistificador de que a sociedade
brasileira estava bem com os 11 anos de governo do PT.
O povo já não tem paciência.
Cansou-se da corrupção, de obras superfaturadas, das remoções das comunidades
em função da Copa do Mundo, dos péssimos serviços de transportes, saúde e
educação. Cansou-se da repressão permanente nos bairros populares, onde a
polícia mata pobres e negros. Mas a população sofrida já não tem medo de se
manifestar, se rebela contra a polícia, queima ônibus, trens, bloqueia ruas e
rodovias.
Por isso, a mídia comercial e os
donos do poder se prepararam para uma guerra contra os trabalhadores, contra a
juventude rebelada e a população em geral por causa da Copa do Mundo e das
Olimpíadas. Não podemos esquecer a orientação do Ministério da Defesa às Forças
Armadas para tratarem os movimentos populares como forças oponentes e os
manifestantes como inimigos de guerra.
O Senado brasileiro debate, com
apoio de gente do PT, e de sua base aliada, uma lei antiterrorista, que prevê
até 30 anos de prisão para quem atentar contra a ordem e o patrimônio público,
como era a Lei de Segurança Nacional dos tempos de ditadura.
Portanto, vivemos tempos de muda.
As contradições de classe expõem-se, escancaram-se de forma desabrida,
violenta. Mas não temos ainda, como resultado dessa incompatibilidade, a
consciência e a organização da classe que libertará o Brasil da barbárie
capitalista. Mesmo que sejam dias
agitados, inquietos, não são ainda os dies irae, dies illa, solvet saeculum in
favilla ( dias de ira, aqueles dias em que séculos dissolver-se-ão em cinzas).
Não são ainda aqueles dias, dies
irae, apesar de toda a bulha, são ainda dias que se estendem como se fossem
séculos, com o se o tempo se estirasse, se espichasse indiferente às brutais,
selvagens e grotescas contradições que opõem as vinte mil pessoas que detêm a
metade das riquezas e rendas nacionais, e os 200 milhões de brasileiros que, em
hipótese, ficam com o restante.
Mas serão dias que, em poucos
dias, condensarão séculos, quando, à frente das classes espoliadas, o partido
da classe conduzir a luta final. Dias de ira, aqueles dias. Dias de tempestades
incontroláveis, definitivas.
fonte: Correio da Cidadania
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