Em recente artigo (UFPE: omissão
sem punição, DP de 4/5), relatei a intencionalidade dos gestores do Hospital
das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Pernambuco com relação à situação
de patente descaso para com essa unidade de saúde vinculada à Reitoria.
A bem da verdade, o intencional
sucateamento do HC já vinha se acelerando desde o reitorado passado, que durou
oito anos, evidenciando também irresponsabilidade de seus dirigentes frente aos
objetivos desta unidade de saúde: (1) oferecer atendimento médico e hospitalar
de qualidade à população, e (2) apoiar o ensino de graduação e pós-graduação do
Centro de Ciências da Saúde.
Esse descalabro intencional – uma
confissão de incompetência gerencial e administrativa – é agora utilizado como
“desculpa” para se impor um novo modelo de gestão ao HC, que entrega a sua
administração à Empresa de Serviços Públicos Hospitalares (EBSERH), sediada em
Brasília – longe e alheia às legítimas prioridades locais. Além de ferir de
morte a autonomia universitária.
As justificativas dadas para que
essa empresa administre o HC são pura demagogia e populismo barato. Aponta-se
como benefícios imediatos o que todos queremos ouvir (mas que não ocorre na
prática): agilidade na execução de projetos de melhoria da infraestrutura,
ampliação do número de leitos, rapidez no atendimento, implantação do
prontuário eletrônico, contratação de recursos humanos para suprir as
deficiências de profissionais de diversas áreas, e blá, blá, blá. Só falam
vantagens.
O modus operandi de transferência
do que é público para as empresas é bem conhecido. Ao longo do tempo, os
serviços prestados são deliberadamente sucateados para então se apresentar uma
solução mágica via privatização. Foi assim com as telecomunicações e a energia,
e é, atualmente, com a educação, saúde, saneamento, segurança pública, e outros
serviços essenciais para a população. Dizem que uma empresa – portanto, setor
privado – tem mais competência gerencial, barateia as tarifas com a competição,
etc, etc. Mas nada disso tem ocorrido. Veja-se o ocorrido na energia e na
telefonia, cujas tarifas são as mais altas do mundo e a qualidade dos serviços,
em decadência.
Como outros, país a fora, o
HC/UFPE é um exemplo desse processo desumano e antiético, que atinge mais quem
depende do Sistema Único de Saúde (SUS) – ou seja, a maioria da população.
Na UFPE, a situação tomou ares de
“estelionato eleitoral”. O atual Reitor, quando candidato, declarou-se
contrário à MP 520, que criava a EBSERH. E agora a defende, manejando o
Conselho Universitário como um monarca absoluto. Na reunião de 2/12 p.p.,
quando se discutia se a UFPE passaria o HC para a EBSERH, o Reitor, fugindo de
todas as regras de convivência democrática, quebrou protocolos e, de maneira
autoritária e antidemocrática, impôs a sua vontade.
Além dessa “forçada de barra” do
Reitor, registre-se a atitude vergonhosa dos Conselheiros da UFPE (com poucas
exceções), os quais subscreveram uma nota de apoio ao Reitor, mostrando toda a
sua subserviência. A nota do Conselho mais parece ter sido redigida pelo
próprio mandatário máximo da instituição. Um vexame histórico para a UFPE, e
uma vergonha para seus integrantes.
Esse distanciamento da
Administração da UFPE em relação à comunidade motivou a ocupação da Reitoria –
situação análoga a que motivou as manifestações de junho, em todo o país. A
população foi às ruas, para dizer que os políticos não representam aqueles que
os elegeram. A decisão autocrática do Reitor da UFPE de aderir a EBSERH
repercutiu em toda a sociedade. Vieram respostas imediatas do Sindicato dos
Médicos de Pernambuco (Simepe) e do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco
(Cremepe), que se manifestaram contra a entrega do HC. As entidades médicas,
como a comunidade universitária, defendem maiores recursos para manutenção do
hospital e remuneração dos servidores, e condenam esse modelo de gestão fora do
SUS, o que implica em uma lógica de privatização, tornando a saúde uma mera
mercadoria. O seja, ganhar dinheiro com a doença, e não investir na prevenção;
É hora de nos rebelarmos, de
denunciarmos publicamente decisões contrárias aos anseios da comunidade.
Eleições diretas apenas não bastam. É preciso democracia plena e participativa.
De modo muito especial, na Universidade Pública.
Heitor Scalambrini Costa. professor
e ex presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de
Pernambuco
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