Por André Vltchek
Há cerca de vinte anos, quando me
mudei para Hanói, a cidade estava sombria, cinzenta, coberta de fumaça. A
guerra terminara, mas permaneciam terríveis cicatrizes.
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Nota do blog: Este é um artigo relativamente recente de Andre Vltchek (1962-2020), antes do seu falecimento em Istambul dia 22 de Setembro.
Vltchek foi escritor, realizador de cinema, fotógrafo, jornalista, analista político e um ardente anti-imperialista. A sua posição consequente e lúcida foi um exemplo do que deve ser um jornalismo combativo e de ideias, o qual se contrapõe ao jornalismo pasteurizado, medíocre e vergonhoso das grande mídias corporativas que nos mentem e omitem diariamente.
Andre Vltchek foi, e continua sendo, um exemplo para todos aqueles que professam acreditam nos ideias de Liberdade e de Justiça.
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Eu trouxe o meu veículo com
tração às quatro rodas do Chile e insisti em conduzi-lo pessoalmente. Foi um
dos primeiros SUV da cidade. Cada vez que conduzia, era atingido por scooters,
que voavam como projéteis pelas amplas avenidas da capital.
Hanói era linda, melancólica, mas
claramente marcada pela guerra. Havia histórias, histórias terríveis do
passado. Nos "meus dias", o Vietname era um dos países mais pobres da
Ásia.
Muitos patrimónios históricos,
incluindo o Santuário My Son, no Vietname Central, eram basicamente vastos
campos de minas, mesmo muitos anos após os terríveis bombardeios dos EUA. A
única maneira de visitá-los era em veículos militares de propriedade do
governo.
O prédio onde eu morava
literalmente surgiu do infame "Hanói Hilton", a antiga prisão
francesa onde os patriotas e revolucionários vietnamitas eram torturados,
violentados e executados e onde alguns pilotos americanos capturados foram
mantidos durante o que é chamada no Vietname a Guerra Americana. Da minha
janela, podia ver uma das duas guilhotinas no pátio do que então se tinha
tornado um museu do colonialismo.
Em 2000, Hanói não tinha um único
centro comercial e, quando chegámos, o terminal do aeroporto Noi Bai era apenas
um pequeno edifício, do tamanho de uma estação de ferroviária da província.
Naqueles dias, para o povo
vietnamita, uma viagem a Bangkok parecia uma viagem a uma galáxia diferente.
Para jornalistas como eu, que moravam em Hanói, uma viagem regular a Bangkok ou
Singapura era uma necessidade absoluta, pois quase nenhum equipamento
profissional ou peças de substituição estavam disponíveis no Vietname.
Duas décadas depois, o Vietname
tornou-se um dos países mais confortáveis da Ásia. Um lugar onde milhões de
ocidentais adorariam viver.
Sua qualidade de vida cresce
continuamente. Seu modelo socialista e de planeamento central são claramente
bem-sucedidos. O Vietname parece a China, há cerca de vinte anos. Existem
magníficos passeios nas cidades de Hue e Danang, há a construção de modernas
redes de transporte público, além de instalações desportivas. Tudo isto
contrasta fortemente com a extrema tristeza capitalista de países como a
Indonésia e mesmo a Tailândia. O povo vietnamita conta com a melhoria constante
do saneamento, assistência médica, educação e vida cultural. Com um orçamento
relativamente pequeno, o país está em muitas situações a par de nações muito
mais ricas da Ásia e do mundo.
Seu povo está entre os mais
otimistas do mundo. Nos três anos em que morei no Vietname, o país mudou
drasticamente. A tremenda força e determinação do povo vietnamita ajudaram a
colmatar o vazio deixado após a destruição da União Soviética e dos outros países
socialistas da Europa Oriental. Assim como a China, o Vietname optou, com
êxito, por uma economia mista, sob a liderança do Partido Comunista.
As intensas tentativas dos EUA e
de países europeus de desviar o país do sistema socialista, usando ONGs e indivíduos
patrocinados pelo Ocidente dentro do país, foi identificada e derrotada
decisivamente. Facções pró-comunistas e pró-chinesas dentro do governo e do
Partido dominaram aqueles que tentavam empurrar o Vietname para o Ocidente. O
que se seguiu foi um sucesso significativo, em muitas frentes.
De acordo com o relatório Southeast Asian Globe, publicado em 1 de outubro de 2018, "o Vietname obteve o melhor desempenho em 151 países num estudo que avaliou a qualidade de vida versus sustentabilidade ambiental
Esta não é a primeira vez que o
Vietname tem um desempenho excecional, quando comparado a outros países da
região e do mundo. O artigo explica mais adiante:
"O amplo estudo, chamado
"Uma boa vida para todos dentro dos limites planetários", publicado por
um grupo de investigadores da Universidade de Leeds, argumenta que precisamos
repensar dramaticamente a maneira como vemos o desenvolvimento e a sua relação
com o meio ambiente.
"Estávamos a trabalhar
basicamente com vários indicadores e relações diferentes entre resultados
sociais e indicadores ambientais", disse Fanning ao Southeast Asia Globe.
"Tivemos a ideia de que se estávamos a analisar indicadores sociais,
poderíamos definir um nível que seria equivalente a uma vida boa".
A pesquisa incluiu 151 países e o
Vietname mostrou os melhores indicadores.
"Os investigadores
estabeleceram 11 indicadores sociais que incluíam satisfação com a vida,
nutrição, educação, qualidade democrática e emprego"."Surpreendeu-nos
que o Vietname se tenha saído tão bem no geral", disse Fanning.
"Podia esperar -se que fosse a Costa Rica ou Cuba, pois o Vietname
normalmente não aparece como um herói da sustentabilidade". Fanning estava
a referir-se a dois países que os pesquisadores esperavam ter bom desempenho,
já que geralmente fornecem um bom apoio social e não viram o mesmo dano
ambiental que muitos países tiveram".
Mas este não é o único relatório
que celebra o grande sucesso do modelo socialista do Vietname. Na região do
sudeste da Ásia, o Vietname já ganhou a reputação de uma estrela económica e
social. Em comparação com o fundamentalismo pró-mercado da Indonésia ou mesmo
das Filipinas, as elegantes cidades socialistas do Vietname projetadas e
mantidas para o povo, bem como a paisagem cada vez mais ecológica, mostram
claramente qual dos dois sistemas é superior e adequado para o povo asiático e
sua cultura.
Em tempos de graves emergências,
de desastres naturais e médicos, o Vietname também está bastante à frente de
outros países do Sudeste Asiático. Tal como Cuba e a China, tem investido
fortemente na prevenção de calamidades.
Segundo a New Age, os estados
socialistas, incluindo o Vietname, fizeram um excelente trabalho lutando contra
o recente surto da pandemia do Covid-19:
"Países em desenvolvimento
como Cuba e Vietname, com estruturas e filosofia socialistas ou comunistas,
lidam com sucesso com a pandemia do Covid-19. Quais as as estratégias
económicas e de saúde de longo prazo por trás desse sucesso? O médico Talebur
Islam Rupom faz essa pergunta e estipula que é mais do que tempo dos Estados
investirem fortemente nos sectores da saúde para garantirem assistência médica
para todos".
"Os países com sistemas de
saúde subsidiados centralmente ou totalmente financiados estão a enfrentar a
crise do Covid-19 melhor do que qualquer outro país. Existem também várias
outras razões pro-ativas que permitem diminuir as mortes e os casos positivos.
Cuba e Vietname são dois países
em desenvolvimento que se mobilizaram rapidamente para lidar com a ameaça
emergente. Apesar do embargo e das restrições dos Estados Unidos e dos recursos
limitados, o tratamento da pandemia por Cuba pode ser um exemplo para outros.
Com uma economia menor que o
Bangladesh, o Vietname também ganha credibilidade para reiniciar a sua economia
depois de erradicar o Covid-19 do país, apesar de partilhar uma fronteira
crucial com a China."
No final de maio de 2020, quando
este ensaio estava a ser escrito, a República Socialista do Vietname, com 95,5
milhões de habitantes, registava apenas 327 infeções e zero mortes, segundo
dados fornecidos pela Universidade Johns Hopkins. [NT]
Mesmo a revista britânica de
direita, The Economist, não podia ignorar o grande sucesso na luta contra o
Covid-19 em Estados comunistas, como o indiano Kerala e o Vietname:
"…Com 95 milhões de pessoas,
o Vietname é um lugar muito maior. Ao lidar com o Covid-19, no entanto, seguiu
um roteiro surpreendentemente semelhante, com um resultado ainda mais
impressionante. Como Kerala, foi exposto ao vírus mais cedo e viu uma onda de
infeções em março. Os casos ativos também atingiram o pico mais cedo, no
entanto, caíram para apenas 39. Exclusivamente entre países de tamanho
remotamente semelhante e, em contraste com histórias de sucesso mais conhecidas
como Taiwan e Nova Zelândia, ainda não sofreu uma única confirmação de
fatalidade. As Filipinas, um país próximo com aproximadamente a mesma população
e riqueza, sofreram mais de 10 000 infeções e 650 mortes.
Assim como Kerala, o Vietname
recentemente enfrentou epidemias mortais, durante os surtos globais do Sars em
2003 e da gripe suína em 2009. O Vietname e Kerala beneficiam de um longo
legado de investimentos em saúde pública e, particularmente, nos cuidados
primários, com uma gestão forte e centralizada, um alcance institucional desde
bairros da cidade a vilas remotas, com abundância de pessoal qualificado. Não
por coincidência, o comunismo tem sido uma forte influência, como ideologia
incontestada no Vietname e como uma marca divulgada pelos partidos de esquerda
que dominam Kerala desde os anos 50".
Algumas análises, mesmo
produzidas no Ocidente, chegam ao ponto de afirmar que o Vietname já
ultrapassou muitos países da região, incluindo aqueles que são, pelo menos no
papel, muito mais ricos.
A Deutsche Welle (DW), por
exemplo, relatava em 22 de maio de 2020: "Adam McCarty, economista-chefe
da empresa de pesquisa e consultoria Mekong Economics, espera que o Vietname
beneficie amplamente da forma como lidou com o Covid-19. Talvez este seja um
ponto de viragem no qual o Vietname deixa o grupo de países como Camboja e
Filipinas e se junta a países mais sofisticados como Tailândia e Coreia do Sul,
mesmo que o Vietname ainda não tenha um PIB semelhante", disse McCarty à
DW de Hanói.
"Com o resto do mundo ainda
sofrendo com o Covid-19, as exportações realmente serão prejudicadas",
disse McCarty. O economista enfatizou que as coisas não podem simplesmente
voltar ao que eram. Embora o consumo interno possa aumentar nos próximos meses,
um crescimento de 5% para 2020 pode ser muito ambicioso. "Provavelmente
será mais como 3%, mas ainda é bom nestas circunstâncias. Ainda significa que o
Vietname é um vencedor".
Volto periodicamente ao Vietname.
Uma coisa impressionante que noto é que o país não tem favelas, a miséria
extrema tão comum no capitalismo brutal da Indonésia e Filipinas, mas também no
Camboja e na Tailândia. Não há miséria nas cidades, vilas e campos vietnamitas.
Isto por si só é um enorme sucesso.
O planeamento comunista significa
que a maioria dos desastres naturais e de saúde são bem prevenidos. Quando
morava em Hanói, as vastas e densamente povoadas áreas entre o rio Vermelho e a
cidade eram inundadas anualmente. Gradualmente, o bairro foi realojado e vastas
áreas verdes foram reintroduzidas, impedindo que a água chegue à cidade.
Passo a passo lógico, o Vietname
vem implementando mudanças projetadas para melhorar a vida dos cidadãos. Os
meios de comunicação de massa no Ocidente e na região escrevem muito pouco
sobre este "milagre vietnamita", por razões óbvias.
Com tremendo sacrifício, os
cidadãos vietnamitas derrotaram os colonizadores franceses e depois os
ocupantes dos EUA. Milhões de pessoas desapareceram, mas uma nação nova,
confiante e poderosa nasceu. Literalmente ressuscitou das cinzas. Construiu o
seu próprio "modelo vietnamita". Agora, mostra o caminho aos países
muito mais fracos e menos determinados do sudeste da Ásia; aqueles que ainda
estão a sacrificar os seus próprios cidadãos, em obediência aos ditames da
América do Norte e da Europa.
De um dos países asiáticos mais
pobres, o Vietname tornou-se um dos mais fortes, determinados e otimistas.
NT] Segundo a OMS, Situation
Report de 18 de julho, o número de casos no Vietname é de 382 e o de mortes de
0.
[*] Filósofo, romancista,
cineasta e jornalista de investigação. Fez a cobertura de guerras e conflitos
em dezenas de países. Pode ser contactado através do seu site , do Twitter e do
seu Patreon . Escreve especialmente para a revista online New Eastern Outlook .
As obras de Vltchek podem ser encomendadas aqui .
O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/55358.htm
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .
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