Leonardo Wexell Severo, de Tegucigalpa – Honduras
Presidente da Federação Unitária
dos Trabalhadores de Honduras (FUTH) e candidato a vice-presidente pelo Partido
Liberdade e Refundação (Livre), Juan Barahona defende o fortalecimento do papel
do Estado como “essencial para a nação e para a integração da região”, assim
como é “a afirmação da garantia de direitos dos trabalhadores para a ruptura
com a lógica neocolonial”. A mobilização por uma Assembleia Nacional
Constituinte, acredita, é chave para garantir a realização das reformas
estruturais, redistribuindo poder e riqueza. “Estamos convictos de que, hoje,
nosso partido tem todo o respaldo do povo hondurenho em sua luta para construir
a pátria livre e independente. Somamos a experiência da unidade e da
organização popular com a consciência da justiça das nossas aspirações”,
sublinhou. Barahona liderou a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP)
contra o golpe promovido pela oligarquia e pelos Estados Unidos que depôs o
presidente Manuel Zelaya em 2009. Atualmente integra a chapa de Xiomara Castro
de Zelaya, combatente nacionalista, anti-imperialista e esposa do líder,
favoritíssima em todas as pesquisas para as eleições de 24 de novembro.
Quais são os principais
obstáculos à construção da democracia em Honduras neste momento?
No dia 28 de junho de 2009,
quando ocorreu o golpe contra o presidente Manuel Zelaya e a Constituição, se
rompeu com toda a ordem democrática em nosso país. Hoje todas as estruturas do
Estado estão submetidas em Honduras à lógica golpista, antidemocrática,
entreguista. Para aprofundar a democracia, dando efetivo poder ao povo,
defendemos a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A vitória nas eleições do próximo
dia 24 de novembro consolidará esse caminho?
Nós, através do Partido Liberdade
e Refundação (Livre), por meio do qual estamos participando pela primeira vez
do processo eleitoral, temos como uma das principais propostas a convocatória
da Constituinte, que está sendo aceita e defendida pelo povo hondurenho. 75% da
população apoiam a sua realização. Isso demonstra que o povo entendeu a
necessidade de romper com a brutal concentração de poder e riqueza nas mãos da
oligarquia vende pátria e vê na Assembleia Nacional Constituinte um instrumento
para a mudança.
A mobilização eleitoral como meio
para a realização de reformas estruturais...
O Partido Livre, através da
candidata Xiomara Castro, está propondo a refundação do Estado de Honduras, que
inicia com a Constituinte, para fazermos as mudanças estruturais. Do contrário,
seria apenas um verniz, uma enganação como tem sido feita pelos governos
neoliberais.
E qual o papel do Estado neste
novo ordenamento?
O principal opositor à construção
da democracia em nosso país é o próprio Estado, com o atual governo, que
responde aos interesses oligarcas, contaminado pelos abusos e violações aos
direitos humanos. A partir do Estado se reproduz, com a polícia e o exército, a
imposição e a repressão para manter essa calamitosa e injusta situação política
e econômica. Depois do golpe, temos a impunidade institucionalizada, um alto
nível de criminalidade e delinquência, de pobreza, miséria e corrupção. Estas
têm sido as marcas deste governo. Aqui foram detidos ministros da Fazenda com
milhão de lempiras (moeda local) e nada ocorreu. Dinheiro comprovadamente
roubado dos cofres públicos.
Fruto podre do golpe, a
impunidade é total.
Exato. Por isso essa gente
circula como se nada tivesse acontecido, é como se fossem empresários
honoráveis, ministros honestos. A corrupção tem sido a linha mestra, a prática
cotidiana deste governo. A situação é mais do que delicada, porque não há
emprego, não há dinheiro circulando. O que temos é miséria e fome em
abundância.
Há estudos que apontam que mais
de um terço da população está desempregada.
O fato é que o desemprego
disparou após o golpe, pois não só muitas empresas privadas fecharam, como
também foram reduzidos os postos de trabalho nas empresas públicas. Como as
políticas neoliberais têm sido sempre de redução do Estado, e o golpe
aprofundou essa tragédia, temos um Estado ainda mais reduzido.
Como se deu esse processo de
enxugamento do Estado?
Tivemos privatização, venda de
empresas, venda de serviços públicos, concessões de rodovias, portos,
aeroportos. Dentro do próprio governo formaram uma empresa chamada Coalianza,
que está absorvendo tudo o que era do Estado.
O próprio presidente do Congresso, Juan Orlando Hernandez, que é o
candidato à presidência pelo oficialismo, foi quem criou essa empresa privada,
que fica com tudo o que é concessionado, privatizado. Uma estrutura de
funcionários do governo para ficar com o que é do povo. É um estado dentro de
outro estado, mas privado. Coalianza é um câncer que precisa ser extirpado,
este é o nosso compromisso. O fortalecimento do papel do Estado é essencial
para a nação e para a integração da região.
O golpe abriu caminho para o
assalto ao Estado via “concessões”, levando o filé e deixando o povo com o
osso.
O que dizer de concessões que
nunca regressam ao Estado, como as rodovias? As concessões não são mais do que
vendas, são apenas um disfarce, um grande negócio. Assim se concessionou uma
parte do porto principal de Honduras, o porto Cortez. Aqui as transnacionais estão explorando minas
a céu aberto, preciosos recursos minerais, tirando de tudo. E ninguém sabe o
que nem quanto levam: ouro, prata, cobre, zinco. É o velho pensamento
colonizado sendo praticado contra o interesse nacional.
Golpismo e neocolonialismo, tudo
a ver.
Aqui se produz matéria-prima em
abundância que segue ao exterior sem agregar valor, de forma bruta. Defendemos
que é preciso industrializar os nossos produtos, investir no conhecimento, na
qualificação. Outro ponto que consideramos chave para a superação desse modelo
dependente é o investimento no processo agrário, industrializando o produto no
campo. Temos várias experiências positivas nesse sentido, com os camponeses
beneficiados pela reforma agrária, mas que fracassaram posteriormente devido às
políticas neoliberais. Os golpistas começaram a aprovar leis de “modernização”
que beneficiaram unicamente os latifundiários, forçando os agricultores a
venderem suas terras. Tínhamos cooperativas com muito boa produção de azeite de
palma, que foram obrigadas a se desfazer de seus empreendimentos, que
exportavam com qualidade, mas se viram inviabilizadas para serem entregues a
multinacionais. A Empresa Associativa Camponesa de Isletas, nossa melhor
experiência na exportação de bananas, uma referência de produção coletiva para
a América Latina, com seus mais de mil associados, foi vendida a Standard Fruit
Company, dos Estados Unidos.
Todo esse processo privatista foi
antecedido por uma campanha midiática contra o Estado.
Começaram a vender empresas, a
privatizar tudo o que foi um dia do Estado. Para isso se fez simultaneamente
uma campanha contra o próprio Estado. Vendiam a imagem de um Estado corrupto,
mau administrador, para ir justificando a venda dos serviços que ficaram,
posteriormente, mais caros e com pior qualidade. Foi com esse discurso de que o
Estado não dispõe de recursos, e de que a iniciativa privada administra melhor,
que começaram as concessões de portos, aeroportos e rodovias. O mesmo aconteceu
com a produção de energia elétrica e com as telecomunicações. Vale lembrar que
durante o governo do presidente Manuel Zelaya havia o plano de implantação de
uma empresa estatal de telefonia celular para competir com as estrangeiras.
E como ficou a questão dos
direitos dos trabalhadores?
No mesmo momento em que é
implementado o modelo neoliberal, vão sendo reduzidas as possibilidades dos
trabalhadores se organizarem e de negociarem contratos coletivos. Nas empresas
onde há contratos coletivos, sejam privadas ou públicas, os direitos não se
cumprem. Aqui o principal infrator das leis laborais é o próprio Estado.
Organizar um Sindicato em Honduras nesse momento é difícil, às vezes até
impossível. Negociar um contrato coletivo significa três, cinco, até seis anos.
Os trabalhadores estão sendo fustigados permanentemente, há uma criminalização
da luta social.
Como se dá esta criminalização?
Nós temos companheiros
processados e encarcerados pelo simples fato de defenderem os direitos que estão
inscritos no seu contrato coletivo, uma perseguição movida pelo Estado. Entre
outros, esse é o caso dos companheiros do Sindicato da Universidade Nacional
Autônoma. Em Honduras temos garantida por lei uma estabilidade para os
dirigentes sindicais, que vai desde o momento em que são eleitos até seis meses
depois. Isso já não vale nada. Temos o caso de uma empresa privada que demitiu
não só a junta diretiva do Sindicato, como os trabalhadores que respaldavam a
cobrança dos direitos. Quem destruiu o Sindicato Metalúrgico de Choluteca é
hoje o gerente da Empresa Nacional de Energia Elétrica. Ele declarou aberta e
impunemente: “Com Sindicatos linha dura eu não negocio”. E despediu a todos.
Mais de 300 trabalhadores. Hoje a maior parte daqueles metalúrgicos está sob
contrato temporário, à margem da contratação coletiva, com salário mínimo e
direitos totalmente rebaixados.
Qual o primeiro passo para formar
um Sindicato em Honduras?
De acordo com o Código de
Trabalho, se organiza um Sindicato com 30 pessoas de uma mesma empresa, como
mínimo, Se notifica o Ministério do Trabalho que, muitas vezes, ele próprio,
nega a personalidade jurídica. Eu organizei o Sindicato em uma empresa chinesa,
a Patuca 3, que está construindo uma represa para geração de energia elétrica e
o Ministério negou. Embora tivéssemos ali mais de 500 trabalhadores. E quem
negou agora é candidato ao Congresso Nacional pelo Partido Democrata Cristão.
Vira um grande esquema para as empresas, porque o Sindicato só passa a existir
depois que há uma notificação por parte da inspeção do Ministério do Trabalho.
A partir daí, nenhum trabalhador pode ser despedido, deslocado ou desmembrado
da empresa. O problema é que até aí muito dinheiro pode correr e muita coisa
pode ocorrer.
Com tamanha corrupção e
impunidade, o risco de fundar um Sindicato é evidente.
Claro, os trabalhadores têm que
estar muito conscientes e determinados porque sabem o que lhes espera com esse
governo. Há cerca de três anos organizamos aqui em Tegucigalpa o Sindicato de
uma fábrica de doces. Uma vez que conseguimos a personalidade jurídica
demitiram 55 trabalhadores, incluindo toda a direção. Toda. Agora estamos
batalhando pela reintegração dos companheiros. Juridicamente o Sindicato
existe, mas na prática...
Qual a proposta do Partido Livre
para corrigir esses abusos?
Chegando ao poder, Livre deve
respeitar os direitos adquiridos dos trabalhadores. O que significa isso? Deve
fazer valer o que diz o Código do Trabalho, a contratação coletiva e as
convenções assinadas com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além
disso, precisamos melhorar as condições dos trabalhadores, para que se ampliem
as conquistas, valorizando o trabalho e distribuindo renda. O contrário disso
seria mais do mesmo. Se Livre não faz isso, de nada adiantaria todo o sangue
derramado, todos os mortos que tivemos.
Como essa questão da repressão
impactou o movimento sindical e popular?
As pessoas ficaram naturalmente
atemorizadas. Os trabalhadores têm medo, preferem ficar sobrevivendo com
migalhas, mas alimentando os filhos, do que organizar-se e perderem o ganha-pão.
Como aqui não há emprego, assim que aumenta o salário mínimo, por menor que
seja o reajuste, o patrão chantageia o trabalhador para que abra mão. Este ano
foram 300 lempiras de aumento, cerca de 15 dólares. O patrão diz: bom, com esse
aumento, vou ter de demitir. Com a chantagem, pagam somente metade do reajuste.
Muitas empresas transnacionais se
instalaram em Honduras para aproveitar os estímulos dados.
Aqui há empresas “chatarras”, de
comida rápida, que é um segmento tomado por transnacionais. Por quê? Porque não
pagam imposto. E por quê? Porque são consideradas empresas de turismo (risos).
Em nenhuma destas empresas conseguimos organizar Sindicatos, nenhuma.
Aproveitando-se disso, várias dessas empresas não pagam sequer o salário
mínimo.
E a lei do trabalho temporário,
aprovada pela direita?
Veio agravar os problemas. No
setor de comida rápida os trabalhadores que eram permanentes foram demitidos e
viraram contratados por hora. Agora só lhes pagam a hora que trabalham. E nada
mais. Aqui quando começaram a aplicar o modelo neoliberal, tentaram também
mudar o Código de Trabalho. Ele não foi reformado pela forte oposição das
centrais sindicais. Com a lei do trabalho temporário, a lei se viu
automaticamente reformulada. Perdemos o direito à organização, perdemos a
estabilidade no emprego, o pré e o pós-natal, o décimo terceiro e o décimo
quarto salários, os recursos acumulados para a aposentadoria por tempo de
serviço. Essa lei dá direito ao patrão de assinar contratos por até uma hora.
Eles dizem que a lei gerou milhares de empregos, mas esquecem de dizer: por uma
hora. A um trabalhador como o de comida rápida que era permanente, hoje lhe dão
um par de horas e chamam isso de emprego. São vários trabalhando por hora e
recebendo, todos, menos do que recebia um.
Qual o papel dos meios de
comunicação nesta batalha?
Aqui os meios de comunicação
sempre foram, historicamente, propriedade dos oligarcas. É uma mídia que
responde a esses interesses e continua respondendo. Em vez de informar o povo,
sempre investiram na deformação, na manipulação, com base nos interesses deles.
Com o golpe do Estado e depois dele, esses meios da oligarquia tiveram uma
postura consequente com o que são. Primeiro, ignorando e negando o golpe.
Agora, uma posição de defesa do golpe. Felizmente, surgiram meios alternativos
que se opuseram, que condenaram o golpe e se colocaram ao lado do povo. Isso é
o que tem aberto canais onde o povo possa se expressar.
Com a perspectiva de serem
derrotados, como apontam todas as pesquisas, resta aos golpistas o caminho da
fraude. Qual a importância da solidariedade e da fiscalização internacional
para que o resultado das urnas seja respeitado?
Aqui há um ditado que diz que “as
eleições gerais são no estilo Honduras”. Porque aqui quase sempre há havido
fraude. O golpe de Estado foi uma resposta da oligarquia para não entregar o
poder, para que não fossem realizadas mudanças em favor da população. Agora,
novamente, a direita dá mostras de que não quer entregar o poder. E diante
desta ausência de vontade de respeitar a democracia, deixam claro que querem se
manter governando a qualquer custo. Diante da possibilidade de fraude, de
desrespeito a eleições limpas e democráticas, mais do que necessário, torna-se
indispensável a presença de observadores internacionais. Para que possam dar fé
da transparência ou da falta de transparência do processo eleitoral. Estamos
convictos de que, hoje, nosso partido tem todo o respaldo do povo hondurenho em
sua luta para construir a pátria livre e independente. Somamos a experiência da
unidade e da organização popular com a consciência da justiça das nossas
aspirações.
Fonte: Comunicasul
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