João Otávio Goulart Brizola
Quando recebi a notícia de que
meu tio João Goulart havia falecido, encontrava-me em Búzios, no litoral do Rio
de Janeiro. Era uma segunda-feira de manhã e preparava-me para voltar ao Rio,
onde estudava. Após comunicar-me com meus pais em Montevidéu (Leonel Brizola e
Neusa Goulart Brizola), apressei o retorno para viajar imediatamente a Porto
Alegre e, por terra, para São Borja, onde consegui carona com meus primos.
Chegamos no dia seguinte, antes
do meio-dia. O cenário já estava armado. O acesso à igreja, cercada pelo
Exército ePMs, restrito, um caixão lacrado, e dezenas de sinistros agentes com
óculos escuros perambulavam pela igreja. Ali, encontrei a tia Maria Teresa
(esposa de Jango), minha mãe Neusa, outras tias e pessoas que haviam conseguido
“furar o cerco”. O ambiente era de devastação total. Após alguns minutos fui
com minha mãe à casa de um amigo e ela contou a triste odisseia que foi a
viagem desde Villa Mercedes. Ficaram retidos mais de três horas na fronteira
por ordem de um tal de “Coronel Negrão” que fez questão de mostrar seus poderes
ditatoriais a toda comitiva.
Ainda contado por minha mãe, ao
chegar a São Borja, foram preparar o corpo e, ao abrir o féretro, havia uma
estranha secreção em todo o corpo (É necessário esclarecer que havia outras
pessoas que testemunharam este momento e o assunto foi comentado muitas vezes).
Imediatamente, por ordem dos militares, aí sim, o caixão foi lacrado e não mais
aberto (Seriam estas as 48 horas?). O exército não queria permitir que fosse
colocada uma Bandeira Nacional, mas prevaleceu nossa vontade. A Bandeira foi
posta, assim como uma grande faixa pedindo “Anistia”. No trajeto ao cemitério,
a PM quis transportar o caixão em um carro mas a multidão não permitiu,
gritando aos militares que ele seguiria “nos braços do povo”. Todos nos
revezamos entre a igreja e o cemitério de São Borja.
O percurso foi emocionante e,
mesmo desafiados e xingados, os militares não tiveram coragem de intervir.
Havia mais de vinte mil pessoas. Acho que foi a primeira grande manifestação
popular no Rio Grande do Sul depois do AI-5. No final, discursaram o Sr. Pedro
Simon, que somente falou da vocação política de São Borja (...), e Tancredo
Neves, este, sim, pediu a conciliação nacional de forma veemente. Não me lembro
de outros discursos mas guardei a sensação de que a ditadura tinha sido
desafiada naquele momento final.
A última vez que vi meu tio foi
em Maldonado, pouco tempo antes, e não notei nada de anormal. Em setembro de
1976 ele foi visitar a mãe e conversou a noite toda com meu pai depois de mais
de dez anos afastados. Foi o único encontro entre eles... Vários episódios
estranhos aconteciam naquele tempo: Meu pai tinha uma vida discretíssima e
praticamente morava na fazenda. Queixava-se constantemente de que o seguiam,
mas nada poderia fazer. Em setembro de 1977 foi expulso do Uruguai em episódio
que todos conhecemos.
Minha opinião, que presenciei os
fatos, é que o caso Jango tem todos os ingredientes para ter sido mais um
assassinato da ditadura. Por que não tomar um depoimento oficial do Sr. Neira?
Ele não está preso? Por que não pedir aos governos argentino e uruguaio, que
tanto têm se empenhado em esclarecer os crimes da ditadura, uma investigação
minuciosa dos fatos?
Texto extraído da página 445 do
livro 68 a geração que queria mudar o mundo relatos organizado por Eliete
Ferrer e publicado pela Comissão de Anistia do Min. da Justiça.
Para ler ou gravar o livro em
PDF, abra esta página na Internet:
http://portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID={C41C82BE-5C68-48B1-B36B-0F3AC3F94232}&ServiceInstUID={59D015FA-30D3-48EE-B124-02A314CB7999}
fonte: PCB
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