[Nota da ONG Justiça Global]
Justiça Global, Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH) e o Centro de
Assessoria Popular condenam a tentativa dos poderes Executivo e Legislativo em
enquadrar manifestantes no crime de associação criminosa.
A polícia civil do Rio de Janeiro
e de São Paulo anunciaram que investigarão as ações realizadas nas
manifestações, por partidários da tática black bloc, e irão enquadrá-los em
organização criminosa. A cúpula de segurança paulista ainda liberou o uso de
balas de borracha pela polícia nos protestos.
Entendemos que esse processo de
endurecimento penal e repressivo fortalece a criminalização dos manifestantes e
dos movimentos sociais na luta por direitos. Essa política estatal é casada com
o crescimento de intervenções militares nas áreas empobrecidas (as UPPs no Rio)
, o encarceramento em massa de jovens e negros, a deslegitimação das lutas
sociais e até a sistemática violação dos direitos humanos e das legislações
tanto nacionais, quanto internacionais, pelo próprio Estado brasileiro. Esse
conjunto de iniciativas visa neutralizar as reivindicações populares.
A Lei de Organização Criminosa
foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff e entrou em vigor a partir de
setembro deste ano. Segundo o texto da Lei nº 12.850/2013, "considera-se
organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com
objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,
mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4
(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional". A pena prevista é
de 8 (oito) anos, podendo ser estendida. A lei é flagrantemente
inconstitucional. Sua redação ignora direitos já conquistados na Constituição
de 1988 e autoriza o Estado a interceptar ligações telefônicas, ter acesso sem
autorização judicial a dados de empresas telefônicas, instituições financeiras,
provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, além de prever
que policiais possam se infiltrar em atividade de investigação.
O direito à reunião e organização
política são garantidos constitucionalmente. Mesmo assim, é sabido que o Estado
brasileiro compactua com a espionagem de movimentos sociais. Em 2012,
integrantes do Movimento Xingu Vivo perceberam que havia um infiltrado entre
eles. Descobriram também que existia até envolvimento da Abin na ação. Em
setembro de 2013, a Agência Pública fez uma grande reportagem sobre a Vale. A
empresa espiona os movimentos, funcionários e até jornalistas a fim de defender
seus interesses. O caso só veio à tona porque um ex-gerente de segurança da
companhia denunciou o esquema. Esses exemplos não são fatos isolados, o Brasil
já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA por
grampos ilegais a trabalhadores rurais ligados ao MST.
A estratégia de criminalizar
manifestantes no Rio de Janeiro, por meio da Lei de Organização Criminosa, aos
quais autoridades da polícia civil e de justiça criminal, com o apoio do
governador Sérgio Cabral, atribuem pertencer aos Black Blocs e Anonymous, é
mais um preocupante uso de instrumento legal criado em conflito com a ordem
constitucional, como a Lei Geral da Copa e a utilização da Lei de Segurança
Nacional para processar manifestantes em São Paulo.
Nas manifestações de 07/10/2013
no Rio e em São Paulo, em apoio à greve dos professores e contra a violência
policial, 29 pessoas foram detidas e duas presas. Os manifestantes tomaram às
ruas reivindicando um plano de carreira decente para os profissionais da rede
pública de educação. Em São Paulo, um casal foi acusado de danificar um carro
da polícia civil. A estudante Luana Bernardo Lopes, 19 anos, e o pintor e
artista plástico Humberto Caporalli, 24 anos, foram absurdamente enquadrados na
Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983). Essa legislação possui conteúdo
contrário à democracia e às garantias fundamentais.
A própria utilização da categoria
"subversivos", presente na lei, e a sua utilização recente contra
militantes do MST(2008), revela seu sentido de criminalização dos movimentos sociais.
Trata-se de uma lei de exceção, aprovada no contexto da ordem de arbítrios da
ditadura militar-civil de 1964, e ainda hoje invocada para legitimar a
repressão política. Impedir a organização e punir os contrários às políticas
estatais com uma lei forjada durante regime autoritário significa silenciar
movimentos e defensores de direitos humanos.
A Justiça Global, o Instituto de
Defensores de Direitos Humanos (DDH) e o Centro de Assessoria Jurídica Popular
Mariana Criola são contrários e denunciam o uso da Lei de Segurança Nacional e
da Lei de Organização Criminosa em repressão aos movimentos sociais e qualquer
pessoa que lute por direitos. Entendemos que a utilização de legislação penal
específica para manifestações e organizações políticas é medida de exceção e
enfraquece a democracia.
Lutar não é crime!
Rio de Janeiro, 11 de outubro de
2013.
fonte: Brasil de Fato
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