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Juntos- Nos últimos dias o debate acerca
da redução da maioridade penal voltou a ocupar um lugar de destaque nos
noticiários nacionais. O assassinato do estudante Victor Hugo Deppman, de 19
anos, com um tiro disparado por um adolescente de 17 anos, em São Paulo, recolou
o tema na ordem do dia. Após esse triste e lamentável acontecimento, o
governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi à mídia defender alterações no Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), visando endurecer as punições contra jovens
infratores com idade abaixo de 18 anos.
A proposta de Alckmin, que
segundo ele será apresentada em breve pelo PSDB no Congresso Nacional, vai se
somar aos mais de 30 projetos de lei apresentados desde a vigência do ECA que
visam reduzir a maioridade penal ou endurecer as sanções contra adolescentes
que delinquem. A pergunta que precisamos fazer é: reduzir a maioridade penal é
a solução para o problema da violência, que aflige sobretudo os grandes centros
urbanos do nosso país?
Reduzir
a maioridade penal para quê e para quem?
A defesa da redução da maioridade
penal vem sempre acompanhada de algum caso grave de violência praticada por um
jovem pobre, geralmente negro, morador de periferia, contra uma pessoa de nível
social superior ao dele, geralmente branca, moradora de bairros mais centrais ou
elitizados. Apoiando-se na comoção social produzida por esses fatos, a grande
mídia e os setores políticos conservadores tiram um velho e empoeirado
argumento da cartola como uma solução mágica para o problema: reduzir a
maioridade penal, para que um adolescente de 16 anos possa ser responsabilizado
criminalmente como se fosse um adulto.
Às vezes esses setores vão além,
propondo o endurecimento geral da legislação penal, com a adoção da pena de
morte e outras sanções incompatíveis com um Estado Democrático de Direito.
Aumentar o poder punitivo do Estado seria então o único caminho para conter a
criminalidade que não para de crescer. Essa construção de uma cultura do medo
tem lado e classe social. As propostas de endurecimento do Direito Penal
servem, tão somente, para criminalizar ainda mais a pobreza. No caso da redução
da maioridade penal aos 16 anos, para criminalizar a juventude pobre, negra e
das periferias.
Reduzir a maioridade penal é uma
proposta superficial, que sequer busca enxergar os reais motivos da
criminalidade juvenil. As razões que levam um jovem pobre à criminalidade não
residem na suposta “ausência de punição” ou na “brandura das sanções”. Vivemos
um país desigual, em que amplas parcelas da população ficam à margem das
políticas públicas, sem acesso a um emprego formal, moradia digna, saúde,
educação e qualidade de vida. A violência surge desta realidade de exclusão,
que é ampliada no dia-a-dia pelo sistema capitalista. É um erro grosseiro
encarar a delinquência juvenil como simples manifestação de um desvio moral do
jovem infrator.
O Estatuto da Criança e do
Adolescente, uma lei muito avançada, fruto de uma reivindicação histórica dos
movimentos de luta pelos direitos humanos, vem sendo sistematicamente ignorado
pelo Estado brasileiro no que tange à garantia de direitos para a juventude. Os
jovens pobres das periferias urbanas não têm acesso pleno à saúde, educação,
cultura e lazer. Nega-se a amplas parcelas da juventude brasileira o direito a
uma vida digna. Fecham-se as portas do mundo, escancaram as portas das cadeias
e “unidades de ressocialização”. E a polícia cumpre sua tarefa higienista nas
quebradas com extrema precisão.
Não à toa o Brasil está em quarto lugar como o
país mais violento para crianças e adolescentes do mundo. Só nos últimos 30
anos, o número de jovens assassinados com até 19 anos aumentou 346%, com
evidente recorte racial. Segundo dados do próprio Ministério da Saúde, mais da
metade dos quase 50 mil homicídios do Brasil em 2010 tinham como vítimas
jovens, dos quais 76,6 % eram negros e 91,3% do sexo masculino.
A violência policial é
responsável por uma grande parcela desses assassinatos. Temos uma das polícias
mais violentas do mundo, formadas dentro da ideologia de combate e eliminação
do inimigo (heranças da ditadura civil-militar), que na prática, além de
prender, acumula as funções judiciais de julgar e executar. Para esta juventude
o Estado é personificado na imagem de uma viatura policial, jamais como uma
escola, um teatro, um centro de cultura e lazer.
Em contrapartida, o número de
menores envolvidos em crimes não atinge 1% do total. Desta pequena fração,
menos de 1,5% estão envolvido em crimes graves, sendo no geral crimes contra o
patrimônio. Mesmo sendo a ínfima minoria dos adolescentes os envolvidos em crimes
violentos, o discurso de criminalização busca construir um cenário de violência
generalizada, tomando a exceção como uma regra capaz de justificar a
necessidade de responsabilização cada vez maior da juventude.
A
juventude precisa de políticas públicas, não de cadeia!
Qualquer discussão séria que se
queira fazer em torno do combate à violência não pode passar à margem da
necessidade de políticas públicas para enfrentar a histórica crise social que
vivemos no Brasil, que subtrai a possibilidade de um futuro digno à juventude
marginalizada. Num país como o nosso, marcado por uma das piores distribuições
de renda do mundo, não se pode pensar em combater a criminalidade apenas com
base na repressão penal.
Encarcerar as pessoas não
significa diminuir a violência. O número de presos no Brasil passou de 114.377,
em 1992, para 549.577 presos em 2012 (Deste quantitativo, mais da metade está
entre 18 e 29 anos!). Esse aumento de 380% no número de encarcerados significou
uma diminuição real da criminalidade? A realidade cotidiana indica que não.
Isso demonstra que não precisamos de um Estado Penal, cuja única política para
os pobres é a cadeia. Precisamos de um Estado Social, que garanta ao povo
brasileiro os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.
No que tange à juventude, reduzir
a maioridade penal seria desconsiderar o momento de transição à vida adulta
pelo qual passam os jovens com idade inferior a 18 anos (idade estipulada a
partir de uma série de considerações biológicas e sociais). Uma fase da vida em
que a personalidade não está pronta e acabada, mas, pelo contrário, está em um
período crucial de definição e consolidação. Jogar um jovem infrator de 16 anos
no sistema prisional seria praticamente condená-lo a se profissionalizar no
mundo do crime, uma vez que as possibilidades de ressocialização são muitos
menores no sistema carcerário do que no sistema de medidas socioeducativas do
ECA.
Ademais, se hoje é aprovada a
redução da maioridade penal para 16 anos, quem nos garante que num futuro próximo
não estaremos diante de uma nova proposta para reduzir ainda mais essa idade?
Afinal de contas, jovens de 14 ou 15 anos também podem vir a delinquir.
Enveredar pelo caminho da redução da maioridade penal é entrar num beco sem
saída, que não produzirá nada mais do que um grave retrocesso social no Brasil.
Felizmente diversos setores da
sociedade civil e do poder público vêm reafirmando sua posição contrária à
redução da maioridade penal. Os argumentos sólidos de inúmeras organizações
defensoras dos direitos humanos ajudam a contrabalancear o debate claramente
tendencioso feito pela grande maioria dos meios de comunicação. Nesse sentido,
a própria posição expressada pelo Governo Federal ajuda a travar esse combate
contra os setores mais conservadores. Mas isso não anula a enorme
responsabilidade do Governo da presidente Dilma e dos seus antecessores pela
crise social brasileira. Ao investir metade do orçamento da União no pagamento
dos juros e encargos da dívida pública, o Governo Federal anula a possibilidade
de políticas sociais amplas e eficientes nas áreas de saúde, educação, cultura,
etc.
Nós do Juntos! somos contrários à
redução da maioridade penal, assim como nos opomos às propostas de aumentar a
gravidade das sanções aplicadas contra os jovens infratores. O problema dos
jovens que delinquem não pode ser resolvido com polícia, e sim precisa de
política! Precisamos de políticas públicas de combate à marginalização da
juventude pobre. Os jovens brasileiros merecem educação e saúde de qualidade,
emprego e renda, cultura, lazer.. Cadeia não!
Ao invés de defender a redução da
maioridade penal e o endurecimento da repressão contra nossa juventude, o que
precisamos fazer é lutar por um Brasil que garanta a todos os brasileiros o que
a Constituição da República, em seu artigo 6º, diz que é direito de todos, e não
apenas dos que podem pagar: “a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados”. Um país que ao invés de prender mais, dê
melhores condições de vida aos seus habitantes, em especial aos jovens, que são
“o futuro da nação”. Não podemos prender o nosso futuro!
* Grupo De Trabalho Nacional Do
Juntos
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