Ricardo Alarcón, entrevistado por
Carlos Aznárez
Ricardo Alarcón de Quesada,
presidente do Parlamento cubano, ofereceu uma entrevista ao jornalista Carlos
Aznárez, do jornal Tiempo Argentino, na qual analisa o atual período eleitoral
em Cuba. Na entrevista, Alarcón também se refere à luta que Cuba e seus amigos
solidários realizam pela libertação dos cinco cubanos injustamente encarcerados
nos EUA há 14 anos.
Carlos Asnárez – Fora de Cuba, há
uma idéia de que aqui as eleições são relativas, em função da existência de
partido único. Como é o sistema eleitoral cubano e quais são seus valores, em
termos da democracia?
Ricardo Alarcón de Quesada – Nós
estamos agora em um processo eleitoral. Essa é uma das diferenças fundamentais
com o modelo em curso, com o falso paradigma. A essência do sistema de eleições
no mundo ocidental contemporâneo implica que os eleitores, que não são todos os
cidadãos, mas uma parte deles, são chamados a votar em algum candidato que foi
selecionado pelo sistema eleitoral, ou partido político. Os cidadãos têm,
portanto, muito pouca participação na seleção dos candidatos. Em Cuba, já se
passam várias semanas em um processo pelo qual a população selecionará, pelo
voto, aquelas pessoas que serão seus candidatos. Não creio que isso seja
parecido com o que predomina pelo mundo.
Aqui podemos afirmar que milhões
de cubanos já votaram devido às assembléias de eleição ou de seleção de
candidatos. No dia 21 de outubro, a população está convocada a ir às urnas para
votar nos vários candidatos que ela mesma escolheu. Os candidatos não são
indicados, eles são eleitos. Não estão ali por decisão de um sistema eleitoral.
CA – Eles são eleitos com base em
quais características ou qualidades?
Alarcón – Obviamente, a
propaganda que se faz em todos os jornais ou na televisão fala de apoiar os
melhores, os mais capazes. Mas, na realidade, pode acontecer que, por exemplo,
um cidadão levanta a mão nas assembléias que são realizadas em todos os bairros
e propõe a candidatura de alguém que considera representativo, ou, diretamente,
ele mesmo se candidata, coisa que também pode acontecer e de fato acontece. Se
algo é abundante em Cuba, são as eleições. Essa etapa termina no dia 21 deste
mês; a segunda, dia 28, quando concorrem os eleitores daquelas circunscrições
onde nenhum dos candidatos obteve mais de 50% dos votos.
CA – Porque não abrir as portas a
mais partidos?
Alarcón – A ideia que associa a
democracia com a “partidocracia” é historicamente recente. Nem sempre foi
assim. Havia democracia no mundo, como conceito e como prática, muito antes do
surgimento dos partidos políticos. A idéia do governo, baseado na soberania
popular, é muito anterior a esses partidos. Além do mais, não somos os únicos
que acreditamos que a democracia não se deve fundamentar na existência dos
partidos: entre outros notáveis críticos desse sistema, está o próprio George
Washington. Quando ele se despede da vida pública, em uma mensagem que se
converteu em um testamento político, insiste para que não se caia no sistema de
partidos políticos, o que precisamente hoje os estadunidenses exibem como um
dogma. Na verdade, Washington foi presidente sem militar em nenhuma estrutura
partidária. O conceito de que a sociedade tenha de se organizar e se dividir em
partidos e de que essas estruturas ou organizações assumam a soberania popular
é arbitrário.
São muitos os que o condenaram,
incluindo Washington, ou o próprio Rousseau, que investiu, desde sua origem,
contra a chamada democracia representativa, como algo fictício e irreal.
A única forma de democracia, para
ele, era a que se exercia de forma direta, em que o eleito dependeria dos
eleitores e não se arrogando como representante dos eleitores.
Veja bem o que acabou de
acontecer em Madri, quando o Parlamento foi cercado por milhares de cidadãos, e
a polícia espanhola apareceu batendo a torto e a direito. Quem estava no interior
do Congresso? Representantes que chegaram ali por meio de algum partido
político. Do lado de fora, estavam aqueles que não se consideraram
representados por nenhum dos que estavam dentro. Esse é um exemplo claro da
inutilidade desses partidos.
CA – Nas eleições da maioria dos
países, se um candidato decepciona seus eleitores, pode por eles ser castigado,
não se votando nele novamente em eleições futuras. Nesse caso, quais são as
alternativas dos eleitores cubanos?
Alarcón – Muito simples: qualquer
pessoa eleita pode ter seu mandato revogado, em qualquer momento, pelo
eleitores. Nos últimos anos, fui deputado pelo município de Praza de la
Revoluçión. A primeira vez que isso aconteceu, em 1993, me convidaram, assim
como aos demais deputados da região, a participar da assembléia municipal, cujo
ponto principal de pauta era a substituição do seu presidente. Sentei-me com os
demais participantes e aconteceu uma intensa discussão: alguns não estavam a
favor da destituição do companheiro, e falavam maravilhas de seu trabalho.
Outros o criticavam duramente. Subitamente, aparece um velho companheiro
trabalhador desse distrito e disse: “Senhores, deixem de drama, neste município
nenhum presidente chegou ao fim de seu mandato, todos foram revogados”. Não
existe prazo, nem restrição alguma para revogar cargos. Pode-se fazer isso em
qualquer momento, sem que isso obviamente se transforme num caos, a partir do
qual estaríamos votando todos os meses.
CA – Nas imagens que se divulgam
no exterior sobre as eleições cubanas, busca-se ridicularizar as cifras de
participação, que sempre são altas e, em muitos casos, superam os 90%.
Alarcón – Eu tenho uma explicação
para isso. Quando você vota em Cuba para eleger alguém entre várias pessoas e
sabe que uma delas foi proposta em sua assembléia de escolha de candidatos, que
a conhece, sente-se mais próximo, isso te dá confiança. É muito diferente das
eleições de outros países, na quais o candidato inunda as paredes com cartazes
com sua foto, todo sorridente, prometendo de tudo. Em segundo lugar, se existe
algo fácil em cuba, é votar. Os centros eleitorais estão a pouca distância de
onde vivem as pessoas, a uma quadra, no máximo duas. Isso faz que a
participação das pessoas seja muito maior em comparação com lugares onde as
urnas estejam muito distantes. Outra é a lista dos eleitores. Se neste momento
percorrermos a ilha, vamos observar, na porta dos edifícios, nos mercados, nas
feiras, a lista dos eleitores submetida ao escrutínio público e ao controle
popular. Eu vou a um desses locais e vejo se meu nome está constando da lista
e, se não estiver, exijo que o façam constar. Mas também vejo que colocaram
você na lista e então afirmo: este é argentino, não mora em Havana e não pode
votar aqui. De maneira que, quando vou votar, já sei que votam tantas pessoas
identificadas na porta com seu nome e sobrenome. Depois, na hora da apuração
dos votos, a comissão encarregada pede ajuda aos eleitores que estão ali
presentes. Comparemos isso com situações nas quais as pessoas nem sabem quantos
podem votar, onde votam, nem quantos votaram, muito menos qual é o resultado.
Sobre os cinco patriotas cubanos
e o terrorismo midiático
Alarcón – O julgamento dos cinco
heróis cubanos é o mais longo da história estadunidense, do qual participaram e
compareceram como testemunhas generais, militares, assessores da Casa Branca.
Uma lista de pessoa que em qualquer outro caso teria atraído a atenção das
pessoas. Em um país como os EUA, onde há dois canais de TV que cobrem temas
judiciais 24 horas por dia, jamais se disse palavra alguma sobre o caso. Em
troca, em Miami, foi exatamente o contrario.
Outra curiosidade: alguns meios
de comunicação que não disseram nada fora de Miami, realizaram uma cobertura
local sensacionalista. Recentemente, o advogado de Gerardo Hernandez apresentou
um dossiê com todos os artigos de imprensa publicados em Miami sobre o caso.
Desde o dia do início do julgamento até o momento que se conheceu o veredicto,
somente em Miami Herald e em Novo Herald foram publicados 1.111 artigos, que dá
uma média de cinco por dia. A isso se somam as emissoras de rádio e TV. Foi uma
campanha sem precedentes de acusações e tergiversações.
Além disso, varias vezes durante
o julgamento, os jurados se queixaram à juíza de que os jornalistas os
perseguiam com câmeras e microfones, pelos corredores, nas portas de suas
casas. O resultado era que essas pessoas manifestavam ter medo, pois tinham as
placas de seus automóveis filmadas e passadas na TV local e isso nos EUA
permite identificar todos os dados das pessoas.
Agora, o que não se sabia então
era que, por detrás desse comportamento dos jornalistas, estava a pressão e o
dinheiro pago pelo governo aos meios de comunicação.
Em 2005, se produziu uma das
situações mais interessantes desse caso, quando no painel dos três juízes o
julgamento foi declarado nulo e sem valor, um documento histórico de 93
páginas, contendo muitos dados sobre a atividade terrorista contra Cuba. Três
juízes que não são comunistas nem castristas, mas simplesmente estadunidenses,
descreveram a situação de Miami como uma “tormenta perfeita de hostilidade” e
deram como exemplo os meios de comunicação locais. Em 2006, um jornalista do
Herald publicou um artigo que denunciava vários jornalistas do diário que
recebiam salário duplo do governo para tergiversar o tema dos "Cinco
Cubanos". O certo é que o Herald atuou dessa maneira porque a concorrência
estava investigando esse tema e decidiram adiantar-se. Todos os jornalistas implicados
foram demitidos, mas, atualmente, a maioria voltou a seu trabalho, menos o
autor da nota que denunciou todo o tipo de censuras e pressões.
Com esses dados, havia-se
conseguido anular totalmente o julgamento e fazer com que os cinco patriotas
cubanos recuperassem sua liberdade. Apesar dos avanços no caso, o governo
continua distorcendo informações e assinala que, se for necessário, recorrerá à
segurança nacional para impor sua posição contrária. Na história do EUA, não
existe outro exemplo de ingerência governamental, usando recursos do orçamento
público nacional, para conseguir a condenação de cinco pessoas em uma cidade no
extremo sul do país. E isso, desgraçadamente, ainda não é notícia.
Fonte: site PCB
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