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domingo, 3 de agosto de 2014

A indústria bélica brasileira e Israel

Alexandre Arienti Ramos

A indústria bélica brasileira nos anos de presidência petista é o tema da dissertação de mestrado em história que estamos elaborando. As investigações indicam uma forte atuação desta indústria no estabelecimento das pautas políticas para o setor, no que tem sido bem sucedida. Poucos sabem, mas nos últimos anos foram aprovadas diversas políticas de incentivo fiscal e comercial para a Indústria Bélica “nacional”. Desde 2005, esta indústria tem voz ativa na Comissão Militar da Indústria de Defesa (CMID), ligada ao ministério da Defesa, atuando por meio de seus representantes no Fórum da Indústria de Defesa (FID), subordinado à CMID.

Como resultado direto da atuação de seus porta-vozes junto ao governo, desde 2010 empresas selecionadas do setor bélico brasileiro têm uma margem de preferência de até 25% sobre o preço dos concorrentes em licitações. Em 2011, somou-se a esta preferência em licitações a isenção tributária em relação ao PIS/PASEP, COFINS e IPI. É marcante, ainda, a presença de empresas do setor bélico entre os financiadores de campanhas e partidos políticos no Brasil.

Para se ter uma ideia, segundo dados do TSE, em 2010, a UTC engenharia destinou recursos da ordem de R$ 8.264.666,00 para financiamento de campanhas eleitorais. Entre os principais partidos atendidos estão o PT, o PSDB, o PMDB e o DEM. A Embraer, no mesmo ano, destinou R$ 1.255.000,00 atendendo principalmente PSDB, PSB e PT. A AGRALE concentrou seus recursos no estado do Rio Grande do Sul, destinando R$ 85.000,00 para campanhas do PT, PMDB, PCdoB, PDT, PSDB e PRP. A fabricante de armas leves TAURUS gastou, no mesmo estado, R$ 215.000,00 com candidatos do DEM, PDT e PT. Poderíamos continuar citando exemplos, mas os casos aqui apontados são suficientes para notar a expressiva presença de empresas do setor entre os financiadores de campanha e a ampla abrangência dos partidos receptores desses recursos, sejam eles a base aliada ou grupos de partidos de “oposição”.

Mas o que tudo isto tem a ver com Israel? Os repetidos ataques de Israel à população palestina têm mais a ver com o Brasil do que se imagina. Grandes empresas bélicas de Israel mantêm íntima relação com suas congêneres brasileiras, prestam diversos serviços e fornecem diversos materiais às Forças Armadas do Brasil.


Em 2003, a Força Aérea Brasileira sentia necessidade de modernizar sua desgastada frota de caças F-5. Para tanto, contratou a empresa “nacional” Embraer para fazer o serviço de modernização em 46 aeronaves. Por não dominar o trabalho com os avançados sistemas eletrônicos de aeronaves de combate, a Embraer subcontratou uma empresa israelense para fazer esta parte dos serviços. Entrava em cena a Elbit e se estabelecia uma parceria que dura até hoje. Como resultado do contrato de modernização de seus aviões F-5 usados, o Brasil recebeu um conjunto de off-sets, gastos no país com desenvolvimento local e transferência de tecnologia a partir da empresa israelense. A principal beneficiária, além da própria Embraer, foi uma empresa chamada AEL, antiga Aeroeletrônica.

No entanto, essa empresa já havia sido comprada pelo mesmo grupo israelense. Ou seja, trata-se do típico e recorrente caso de se transferir tecnologia para si mesmo, ou da matriz estrangeira para a subsidiária “filial” local. O controle sobre o capital e sobre a tecnologia continuou sendo israelense, agora maquiado de brasileiro. Além do contrato de modernização dos F-5 da Força Aérea, foi firmado em 2012 um contrato semelhante, orçado em R$1,3 bilhão, para modernizar os jatos de ataque A-1 ou o conhecido AMX da Força Aérea, envolvendo as mesmas EMBRAER e AEL.

Israel fornece, ainda, veículos aéreos não tripulados (VANT) ao Brasil. Outra empresa israelense, a IAI, Israel Aerospace Industries, entregou em 2010 dois aparelhos à Polícia Federal em contrato estimado em R$80 milhões. A Elbit, por sua vez, forneceu em 2013 dois VANTs à Força Aérea, ao custo de R$ 48 milhões. A mesma Elbit, presente aqui por meio de sua subsidiária AEL, formou uma joint venture com a Embraer em 2011 visando o desenvolvimento de um VANT “nacional”. As duas abocanharam o projeto Falcão da Avibras, que então atravessava um período de dificuldade financeira, quando ela entrou na parceria. Este avião, equivalente ao planejado pelas gigantes, já se encontrava em estado avançado de projeto.

A empresa que formaram se chama Harpia, e tem controle acionário da Embraer, 51%, secundariamente da AEL, 40%, e por último da Avibrás, com 9%. Ou seja, a empresa mais “brasileira” do grupo foi visivelmente lesada ante a capacidade financeira das parceiras Embraer e Elbit.

É relevante, ainda, a participação da mesma dupla Embraer-AEL/ELBIT no desenvolvimento da aeronave KC-390, que será a espinha dorsal da logística aérea das Forças Armadas brasileiras nos próximos 30-40 anos. Também existem negociações para repetir a dupla no desenvolvimento da participação brasileira, no recém encomendado Gripen, aeronave de caça que venceu o processo F-X2.

Falamos apenas da atuação israelense nos projetos de aeronaves. Além disso, a AEL atua no ramo de satélites, sensores, comunicação e simuladores para as forças armadas brasileiras. Sua “parceira” Elbit já comprou outras duas empresas brasileiras do setor bélico, a Periscópio Equipamentos Optronicos e a Ares Aeroespecial e Defesa, aumentando o seu portfólio de atividades no país. A mesma AEL fornecerá as torres automatizadas para o novíssimo blindado “brasileiro” fabricado pela IVECO/FIAT, cuja encomenda prevista hoje é de 2044 unidades nos próximos 20 anos.

Em 2013, a empresa israelense Global Shield forneceu a preço 70% abaixo da tabela 8 veículos blindados para o BOPE e a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil, no Rio de Janeiro. Estes veículos foram fornecidos a preço tão baixo sob a justificativa de que a cidade funcionaria, por causa dos grandes eventos, como um estande de exposição de produtos de segurança para o mundo. Este conjunto de operações israelense-brasileiras no campo armamentista não está desconectado do mundo. Faz parte de um conjunto mais amplo de fusões, aquisições e formação de imensas massas de capital aplicado na pesquisa, produção e consumo de máquinas de morte.

Israel é um dos países de onde se origina parte considerável dos recursos investidos na indústria bélica brasileira, tendo controle acionário em pelo menos três empresas no Brasil. A atuação de suas empresas aqui, para além de promover qualquer benefício tecnológico imaginável ou qualquer desenvolvimento local de máquinas de morte que em algum desvario possa ser considerado desejável, responde à lógica de valorização de seu próprio capital e nisso atua de modo associado às empresas ditas brasileiras.

Portanto, sim, a Força Aérea de Israel ataca palestinos com armas que ajudamos a pagar, desenvolver e vender, na medida em que financiamos com negócios que, numa aproximação conservadora razoavelmente precisa, ultrapassaram R$1 bilhão nos últimos 12 anos.

Alexandre Arienti Ramos é mestrando em História pela UNIOESTE.


Fonte PCB

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