Brasil - Personal Escritor - Nós,
lideranças tradicionais do Povo Kaingáng, líderes, profissionais, jovens,
mulheres, anciãos dos 305 Povos Indígenas, que falam 274 línguas e totalizam
0,4% da população nacional, com o apoio das organizações indígenas e pro
indígenas, dos cidadãos brasileiros de todas as raças, movimentos sociais e da
sociedade civil organizada denunciamos o Estado Brasileiro, seus Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário pelos 514 anos de omissão em favor do
extermínio dos Povos Indígenas, da expropriação das nossas terras, da violação
dos nossos direitos como seres humanos!
O Rio Grande do Sul abriga dois
dos grandes Povos Indígenas do país em população o que o torna o 10º Estado da
Federação em população indígena no país: o Povo Guarani e o Povo Kaingáng são,
respectivamente, o 2º e o 3º maior Povo Indígena do Brasil em população (Censo
do IBGE, 2010).
Os Kaingáng são cerca de 45 mil
pessoas cuja maior parte habita o Estado do Rio Grande do Sul e possui as
menores terras indígenas do país, confinados em reduções dos antigos
territórios tradicionais que equivalem hoje a menos de 1% do território gaúcho,
criando conflitos em que defendemos nosso direito à terra à custa de muitas
vidas cujas perdas não são divulgadas pelos meios de comunicação e da
criminalização individualizada de lideranças que defendem direitos coletivos
constitucionalmente garantidos e diariamente desrespeitados.
A insuficiência dos nossos
territórios tem ameaçado a sobrevivência física e cultural do Povo Kaingáng,
cuja língua se encontra em risco de extinção, segundo o Atlas da UNESCO sobre
Línguas do Mundo em Perigo e os índices de desenvolvimento humano que colocam
os Povos Indígenas como segmentos em situação de risco social e mostram a
omissão do Estado Brasileiro em proteger a integridade dos Povos Indígenas como
Povos distintos, nos termos do artigo 8º da Declaração da ONU sobre os direitos
dos Povos Indígenas.
Lutamos no Brasil e fora dele
para que fosse reconhecido nosso direito originário a terra: um direito
anterior à existência do Estado Brasileiro, que custou a vida de centenas e de
milhares de indígenas e tivemos êxito: a Lei Maior do Brasil e a Convenção 169
da OIT consagram o nosso direito aos territórios indígenas. Um prazo de cinco
anos foi estabelecido em 1988 e o ano de 1993 passou sem a regularização das
terras indígenas no Brasil. 21 anos se passaram desde então e lutamos agora
para não perder os direitos que nos foram reconhecidos: denunciamos o
retrocesso legal que está em marcha no Congresso Nacional para eliminar
direitos territoriais e assegurar os interesses do latifúndio e do agronegócio.
Ressaltamos que o Governo atual
possui os menores índices de demarcação das terras indígenas desde a ditadura
militar e que o Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Poder Executivo
Brasileiros têm violado o princípio da legalidade que obriga o Estado a
respeitar e implementar o direito de consulta aos Povos Indígenas suscetíveis
de serem afetados previamente a adoção de medidas jurídicas, políticas ou
administrativas, mediante procedimentos apropriados, através de suas
instituições representativas e de boa-fé, conforme determina a Convenção 169 da
OIT.
Expressamos nossa preocupação com
iniciativas de cerceamento dos direitos territoriais dos nossos Povos,
financiados pelo agronegócio, a exemplo da Proposta de Emenda Constitucional
215, que propõe atribuir ao Poder Legislativo atividades que são prerrogativas
do Poder Executivo, da Portaria 303 da Advocacia Geral da União e de todas as
iniciativas legais e administrativas tendentes a diminuir ou suprimir direitos
territoriais dos Povos Indígenas contrariando o espírito da Constituição
Federal, o Estatuto dos Povos Indígenas (Lei 6.001 de 1973) em seu artigo 2º,
IX e o Decreto 1.775 de 1996 e em violação ao artigo 26 da Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas:
Artigo 26 – 1. Os povos indígenas
têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam
tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.
2. Os povos indígenas têm o
direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e
recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma
tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma
tenham adquirido.
3. Os Estados assegurarão
reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal
reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes
de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.
Denunciamos o Governo Brasileiro
por cada confronto, por todas as mortes que já ocorreram e que ainda ocorrerão
pela disputa de terras imemoriais, demarcadas pelo sangue dos nossos povos!
Exigimos o cumprimento e a
imediata aplicação dos direitos humanos previstos em marcos legais nacionais e
internacionais na condução da política para Povos Indígenas no Brasil.
Exigimos que o Governo Brasileiro
promova, com urgência, em consulta e com a participação plena e efetiva dos
Povos Indígenas, um Plano de Regularização das Terras Indígenas no Brasil, com
a participação proativa do Ministério Público Federal, para assegurar o
cumprimento à Constituição Federal de 1988 que reconhece o direito originário
dos Povos Indígenas aos nossos territórios tradicionais e em conformidade com a
Convenção 169 da OIT.
Em face da ausência do Estado
Brasileiro para estabelecer diálogos solicitamos à Organização das Nações
Unidas uma visita do Relator Especial da ONU para os Direitos dos Povos
Indígenas ao Brasil, com especial atenção às Regiões Sul e Centro Oeste do
Brasil, em caráter de urgência e a apresentação de um relatório sobre os
conflitos em virtude da violação de direitos humanos pela demora nos processos
de demarcação dos territórios indígenas à próxima sessão do Fórum Permanente da
ONU sobre Questões Indígenas, à Corte Interamericana de Direitos Humanos e à Anistia
Internacional.
O documento final da Rio+20 tem
por título “O Futuro que Queremos” e o parágrafo 49 menciona a importância da
implementação da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas para
um desenvolvimento sustentável! O Brasil se propõe a ser uma das grandes
economias do mundo: mas onde estão os povos indígenas nos projetos de futuro do
Brasil? Que futuro teremos se as terras indígenas são a condição sem a qual não
é possível nossa sobrevivência física e cultural?
Nossos líderes, nossos povos e
organizações já encaminharam documentos, já realizaram manifestações pacíficas,
viajaram a Brasília em busca de soluções para os conflitos fundiários e
receberam promessas vazias que não foram cumpridas! Nossas lideranças têm sido
assassinadas sem que os meios de comunicação divulguem os homicídios que
ocorrem diariamente contra os povos indígenas e sem que os responsáveis sejam
punidos.
Assim, essa manifestação é um
pedido de socorro, de urgente apuração das violações de direitos humanos e de
adoção imediata de todas as providências cabíveis: judiciais e administrativas
em prol da sobrevivência e do futuro dos nossos Povos.
“Enquanto nós estivermos vivos, lutaremos pelas nossas terras!”
(Cacique Raoni Metuktire Kayapó).
Fonte: Dario Liberdade e Personal Escritor
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