PCB-"Torturas, assassinatos
e desaparecimentos de opositores militantes de organizações revolucionárias de
luta armada aconteciam no mesmo lugar e com a mesma atenção que a repressão ao
movimento sindical e de trabalhadores em geral", escreve Ivan Seixas, ex-militante
do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e presidente do Conselho Estadual
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em artigo publicado por Carta Capital,
25-03-2014.
Eis o artigo.
Engana-se quem acha que a
ditadura foi implantada , em abril de 1964, com uma quartelada ou alguma ação
improvisada de militares furiosos. Foi um golpe de Estado anticomunista,
antioperário e antinacional, dentro da histeria da Guerra Fria, em uma agressão
escancarada para impor um minucioso projeto econômico e social desenvolvido
segundo os interesses do capitalismo estrangeiro e seus aliados nacionais.
Para impor esse projeto econômico
e social era necessário impor o arrocho salarial e medidas impopulares sem
precedentes. E para que isso se efetivasse era necessário o terrorismo de
Estado e a cumplicidade e cooperação do empresariado nacional. A grande maioria
dos sindicatos de trabalhadores sofreu intervenção, que passaram a ser
dirigidos por gente de confiança da ditadura e dos patrões. Para garantir a
repressão, uma extensa rede de repressão se instala desde os primeiros momentos
da ditadura sob o comando do temido SNI - Serviço Nacional de Informações,
complementada por agentes de repressão particular dentro das fábricas,
contratados pelos empresários. Essa cooperação é prevista no organograma do
SISNI – Sistema Nacional de Informações, que destaca as “Comunidades
Complementares” com os convênios com “Entidades privadas conveniadas”.
Toda essa rede de arapongas a
serviço do empresariado foi detectada pela Comissão Estadual da Verdade Rubens
Paiva, de São Paulo, com base em documentos oficiais do SNI, guardados no
Arquivo Nacional. Do mesmo modo, o Arquivo do Estado de São Paulo guarda
documentos que mostram que as empresas entregavam as fichas funcionais de seus
empregados ao DOPS – Departamento de Ordem Política e Social para que fossem
perseguidos pela temida repressão política e essa perseguição servir de
desculpas para demitir e colocar o nome do perseguido nas “listas negras”
daqueles que não poderiam conseguir emprego mais. Suas famílias passavam fome e
os empresários impunham assim o medo da demissão e a submissão dos
trabalhadores dentro do projeto implantado em abril de 1964.
A Comissão Estadual descobriu
também os livros de entrada e saída no DOPS. Não o livro de entrada de presos,
mas o de visitantes do departamento. Sem nenhuma dúvida, o visitante mais
constante era um funcionário da FIESP – Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo, Geraldo Resende de Mattos, homem de confiança do chefe da entidade
patronal. Suas visitas nem sempre têm registrado o horário de saída. Numa
dessas vezes, a entrada foi pouco antes das seis da tarde e sua saída se dá no
dia seguinte quase sete horas da manhã. Óbvio que o funcionário da FIESP ia lá
organizar a repressão ao movimento sindical já amordaçado, reprimido e
duramente perseguido. Mais uma vez o projeto econômico e social implantado em
1964 era garantido pela repressão política da ditadura sem nenhum disfarce, bem
longe da civilidade ou legalidade.
Outro que visitava muito aquele
órgão de repressão, tortura e extermínio e opositores à ditadura militar era
Claris Halliwell, graduado membro do consulado geral dos EUA, que entrava e
saía com muita frequência e também não tinha horário de saída registrado ou só
saía no dia seguinte. Em geral, sua presença lá coincidia com os dias em que
aconteciam terríveis sessões de tortura a membros da resistência ao estado de
terror imperante. Sua entrada acontecia junto com conhecidos torturadores do
DOI-CODI de São Paulo como o tenebroso Capitão Ênio Pimentel Silveira, notório
torturador e assassino de presos políticos. A entrada dos dois indica que
participavam das sessões de torturas, como é o caso do dirigente do Movimento
Revolucionário Tiradentes (MRT), Devanir José de Carvalho, Comandante Henrique,
barbarizado por quase três dias seguidos e assassinado ao fim dessa jornada.
Torturas, assassinatos e
desaparecimentos de opositores militantes de organizações revolucionárias de
luta armada aconteciam no mesmo lugar e com a mesma atenção que a repressão ao
movimento sindical e de trabalhadores em geral. A ligação que há entre Mister
Halliwell e Geraldo Resende de Mattos é o projeto econômico e social implantado
em 1964, com orientação, apoio e acompanhamento do governo americano ao Estado
usurpado pelos golpistas civis e militares, que se perpetuaram por longos 21
anos seguidos no poder. Causaram danos em, pelo menos, três gerações de
brasileiros e estão impunes até hoje.
Nesse momento em que se marcam os
cinquenta anos do assalto ao poder por gente que não tinha compromisso com a
democracia e menos ainda com o País, devemos refletir o que se pode fazer para
o Brasil continuar e aperfeiçoar suas instituições. Cometeram crimes de
lesa-humanidade e também crimes de lesa-pátria, pois causaram danos ao povo
trabalhador, aos jovens, à cultura nacional, à economia nacional e às
instituições nacionais. E continuam impunes. As mortes são imperdoáveis, mas o
que se pode dizer da fome causada aos trabalhadores colocados nas chamadas
“listas negras”? Não eram “apenas” os trabalhadores, mas todos os componentes
de suas famílias. Danos morais, políticos e econômicos em mulheres, crianças e
idosos. Não há como perdoar. Tudo cometido em nome de um maldito projeto
econômico e social de uma potência estrangeira.
fonte: PCB e http://www.ihu.unisinos.br/noticias/529607-um-golpe-contra-o-brasil
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