Heitor Scalambrini Costa
O que o cidadão brasileiro não aceita mais é a benevolência, para se
dizer o mínimo, com que as empresas elétricas são tratadas pelo Governo
Federal.
Dois pesos e duas medidas.
Enquanto a população brasileira, e ai não somente o consumidor sofre e é prejudicado
com a queda vertiginosa da qualidade do serviço elétrico oferecido e com as
altas tarifas, muito pouco é feito para reverter essa situação; já que
sistematicamente as empresas elétricas de geração, transmissão e distribuição
são “aliviadas” dos compromissos, inclusive contratuais, por quem devia
regulá-las fiscalizar.
Os “apagões” e “apaguinhos” já
são constantes na vida das pessoas, que sofrem as consequências de um péssimo
serviço prestado. Carente de manutenção, de investimentos de modernização, de
qualificação da mão de obra, de incompetência gerencial e com lucros cada vez
maiores (basta acompanhar a evolução dos balanços contábeis anuais), essas
empresas ainda pressionam, e conseguem com os gestores de plantão, mais e mais
benefícios. O que se resume a um “capitalismo sem risco” para quem está, ou
aventurou-se, nesse negocio. E não são poucos os aventureiros de primeira
viagem.
A população sofre as mazelas de
ter as frequentes interrupções de energia já incorporadas a seu cotidiano e
tudo o que isso acarreta; e mesmo assim ter que pagar tarifas caras (ai de quem
não pagar ou atrasar o pagamento).
Vejamos então mais recentemente
algumas medidas que constituem verdadeiro “saco de bondades” oferecidas àquelas
empresas.
No setor de geração, a resolução
da Agencia Nacional de Energia Elétrica (Aneel) nº 595/2013, de dezembro
passado, prevê algumas “bondades”. Por exemplo, a tolerância de três meses de
atraso para a aplicação de sanções e a exclusão de responsabilidades ao gerador
nas situações em que o atraso na operação ocorrer por caso “fortuito” ou “força
maior” (?). Também poderá repassar ao consumidor o valor integral da energia
comprada no mercado para atender a seus compromissos. O que significa que o
consumidor vai pagar, pela ineficiência das empresas, que deixaram de produzir
a quantidade de energia contratada no tempo determinado. Complementando sua
quota de geração com a compra de energia às termelétricas (energia mais cara),
repassando o aumento do preço da energia daí resultante ao Governo Federal, e
assim aos contribuintes (nós). Na resolução anterior de 2005, a de no 165, as
regras eram mais severas, pois as geradoras, quando atrasassem seus
compromissos, não podiam repassar aos consumidores os gastos extras.
Na transmissão, segundo relatório
da Aneel, os atrasos chegam a 4 (quatro) anos. Na média, o descumprimento do
cronograma supera em 13 meses o prazo original previsto no contrato de
concessão. 71% de todas as obras de transmissão estão com o cronograma
atrasado. Ou, das 129 companhias do setor de transmissão, 57 apresentaram
atrasos no cronograma de obras. O documento avaliou as obras concluídas após
dezembro de 2010 e as que estavam em andamento até dezembro do ano passado. O
resultado mostrou uma piora gradual no setor nos últimos anos. De acordo com a
legislação, a empresa que tiver mais de três autos de infração e atraso acima
de 180 dias não pode participar, sozinha, de novos leilões de energia. A campeã
nesse quesito é a estatal Chesf, com 17 autos de infração. E nada é feito para
modificar tamanha incompetência e falta de planejamento.
Na distribuição, o “lobby” é
estruturado e organizado. Capitaneados pela Associação Brasileira de
Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), constantes benesses têm sido
“conquistadas”. A mais recente é a proposta de firmar Termo de Compromisso de
Ajuste de Conduta (TAC) entre a Aneel e as concessionárias, permissionárias e
autorizadas de serviços e instalações de energia. O TAC poderá ser firmado
quando forem encontrados descumprimentos quanto à qualidade dos serviços de
energia elétrica, a segurança das pessoas e das instalações de energia, a
expansão, reforços e melhorias das redes de energia, assim como dos sistemas de
proteção e controle do sistema elétrico.
Também será possível, em
alternativa à aplicação de multas, impor às concessionárias pena substitutiva
consistente em Obrigação de Realização de Ações e Investimentos. O pedido de
imposição de pena substitutiva será apreciado pela Diretoria da Aneel e, se
aprovado, a concessionária terá o prazo de 30 dias para apresentar a descrição
e o cronograma detalhado das ações e investimentos a serem implementados. Ou
seja, será uma alternativa dada às distribuidoras, em lugar da continuidade de
processo fiscalizatório ou punitivo.
Enquanto que o cidadão convive
com a péssima prestação de serviço, as companhias são agraciadas, favorecidas e
estimuladas pelo poder publico com “facilidades” para continuarem a
“desrespeitar” os que necessitam de energia elétrica (nós de novo). É hora de
dar um basta. A solução está com o povo (nós finalmente).
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de
Pernambuco
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