por Adriano Benayon
Faz tempo que Dilma cede aos carteis mundiais.
Consolidou a destruição
do Estado, intensificada a partir de Collor, conforme o modelo imposto pelos
saqueadores: o Estado desmonta suas estruturas, sucateia sua experiência
administrativa e afasta seus quadros competentes. Assim, diz-se que o Estado
brasileiro é incapaz de fazer qualquer coisa, e então ele só faz editais para
concessões dos serviços e das atividades que lhe competem, um método que custa
caríssimo ao país, mas arranja dinheiro, por exemplo, para as campanhas
1. A presidente da República mantém a tradição de muitos predecessores,
com discursos aparentemente nacionalistas, enquanto diariamente trata a
soberania e o desenvolvimento do país como coisas descartáveis.
2. Ela denunciou o que foi mostrado por Assange e, depois, por Snowden
e Greenwald: o governo dos EUA, suas agências e empresas apropriam-se de
informações econômicas, estratégicas e até das pessoas físicas de todos os
países, sem meios de se impedi-lo.
3. A presidente disse que fará proposta para estabelecer um marco civil
multilateral para a governança e uso da internet, em nível mundial, visando a
“efetiva proteção dos dados”. Essa proposta não tem chance alguma de ser
adotada, mesmo porque os EUA não aceitam regras internacionais que se sobreponham
às leis deles.
4. O jornalista Fernando Rodrigues foi ao ponto: “Dilma faria melhor se
buscasse equipar o Brasil contra ataques cibernéticos. A presidente faz o
oposto. Engavetou um projeto de Política Nacional de Inteligência que cria
diretrizes para o Estado brasileiro se prevenir de ações de espionagem. O texto
está pronto e parado, no Planalto, desde novembro de 2010”.
5. Em ótimo artigo, “O Discurso e a Prática”, Paulo Passarinho, âncora
do Faixa Livre da Rádio Bandeirantes (RJ), recorda ter Assange apontado que
China, Inglaterra, França, Alemanha e Rússia, entre outros, têm investido
pesadamente nessa área estratégica e defende que o Brasil adote sistema de
criptografia de tecnologia nacional.
6. Passarinho comenta: “Mas nossa realidade está muito distante dessa
possibilidade. Graça Foster, a presidente da Petrobrás, por exemplo, declarou
que a criptografia usada na empresa é de empresas americanas, porque não
existem companhias brasileiras que prestem esse tipo de serviço. Snowden denunciou
que a criptografia fornecida por empresas privadas norte-americanas é
propositalmente falha e tem as chamadas ‘portas dos fundos’, para que a NSA
possa driblar seus códigos e acessar os dados”.
7. Pior: após o discurso no palco da ONU, Dilma dirigiu-se a executivos
de 300 grandes bancos e empresas transnacionais, em seminário sobre
oportunidades de investimento no Brasil, promovido pelo Goldman Sachs, banco
líder da oligarquia financeira.
8. Pediu mais investimentos estrangeiros no petróleo e no programa de
privatizações de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias etc. Deseja,
inclusive, “a capacidade de gestão” dos estrangeiros.
9. Diz Passarinho: “O show de subserviência aos gringos foi total.
Lembrou que ‘risco jurídico no Brasil não existe’, procurando destacar que ‘se
tem um país que respeita contratos é o Brasil. E disso nos orgulhamos’. É
evidente que a presidente não se referia à Constituição, diariamente
desrespeitada, especialmente no que tange aos direitos fundamentais dos
brasileiros, por exemplo, aos direitos sociais”.
10. Faz tempo que Dilma cede aos carteis mundiais. Consolidou a
destruição do Estado, intensificada a partir de Collor, conforme o modelo
imposto pelos saqueadores: o Estado desmonta suas estruturas, sucateia sua
experiência administrativa e afasta seus quadros competentes.
11. Assim, diz-se que o Estado brasileiro é incapaz de fazer qualquer
coisa, e então ele só faz editais para concessões dos serviços e das atividades
que lhe competem, um método que custa caríssimo ao país, mas arranja dinheiro,
por exemplo, para as campanhas eleitorais.
12. Seria incorreto atribuir a Dilma toda a responsabilidade pelo
descalabro a que o Brasil foi empurrado, pois a coisa vem de longe. Acontece,
desde janeiro de 1955, através dos favorecimentos propiciados ao capital
estrangeiro.
13. Aí foi dada a partida para chegar-se à presente e avassaladora
desnacionalização da economia e sua desindustrialização. Também à ascendência
do poder econômico estrangeiro nas eleições e na política, envolvendo todos os
poderes da República.
14. De certa forma, Dilma segue os passos de Juscelino Kubitschek, que
jogou para a plateia, “rompendo com o FMI”, após entregar o mercado brasileiro,
entre outras, à indústria automotora transnacional, até hoje a maior sugadora
dos brasileiros.
15. Se as atuais instituições brasileiras e os que as pilotam tivessem
compromisso com a nação, deveriam repudiar as privatizações criminosa e
corruptamente realizadas, desde Collor e do notório FHC, em lugar de irem pelo
mesmo caminho.
16. Esses crimes, que surrupiaram da União e dos estados patrimônios
incalculáveis e avaliáveis, só no imediato, em dezenas de trilhões de reais, e
ainda custaram centenas de bilhões de reais, foram “justificados” até por
tribunais superiores, apesar das flagrantes ilegalidades, sob a alegação de que
a receita dos leilões serviria para reduzir a dívida pública.
17. Sim, a mesma dívida que, após a Constituição de 1988, já fez a
União despender mais de 11 trilhões de reais, e, ainda assim, cresce sem parar.
Sim, a dívida causada pelo modelo da entrega dos mercados às empresas
transnacionais.
18. Só que, durante os oito anos da gerência de FHC - auge das
privatizações - a dívida mobiliária federal interna cresceu de R$ 65,6 bilhões
de reais para R$ 841 bilhões (12,8 vezes).
19. No mesmo período (dezembro de 1994 a dezembro de 2002), a dívida
externa foi de US$ 73,6 bilhões para US$ 212 bilhões.
20. Nos oito anos de Lula, a dívida mobiliária interna federal subiu
para R$ 2,3 trilhões (2,7 vezes) e chegou a R$ 2,8 trilhões após dois anos de
Dilma, no final de 2012.
21. Em 2013, o déficit de conta corrente vai para US$ 90 bilhões (em
2012 foi US$ 54,2 bilhões), repetindo o filme de outras crises causadas pelas
transferências das transnacionais.
22. Ora, no exato momento em que o país afunda sob a desnacionalização,
o governo quer intensificá-la. A submissão aos diktats do poder mundial
manifesta-se agora com o petróleo e obriga os que se interessam pela
sobrevivência do país a lutarem para sustar o leilão do campo de Libra, marcado
para 21 deste mês.
23. As reservas desse campo (estimadas em 90% do total das reservas
provadas do país) dão a medida desse escandaloso leilão, mas não deveriam fazer
esquecer outro deste ano, que é imperioso anular: a 13ª rodada, na qual os
carteis internacionais do petróleo adquiram o grosso dos blocos. Nessa levaram
tudo, já que o marco legal dessa rodada é a lei 9.478, da época de FHC, que os
governos petistas não se interessaram em revogar.
24. Lula apenas tomou a iniciativa da Lei 12.351/2010, que instituiu
regras diferentes só para o pré-sal, embora aquém do que exige o interesse
nacional.
25. O engenheiro Paulo Metri citou dados da ANP, de 2001, segundo os
quais é 65% a média do que cabe aos países exportadores em óleo equivalente,
nos contratos de partilha. Venezuela, Colômbia e Noruega exigem retorno próximo
a 90%.
26. Já o engenheiro Fernando Siqueira mostrou que o edital da ANP
determina a partilha em função dos preços no mercado mundial e do volume da
produção, não garantindo sequer o suposto mínimo de 41,65% para o país.
27. Ilustrativa do absurdo do próximo leilão de Libra foi esta resposta
de Graça Foster, presidente da Petrobrás, ao jornal Valor: “Quando se fala em
30% de Libra, fico muito satisfeita. Custa R$ 4,5 bilhões. Mas a Petrobras sabe
fazer, conhece cada centímetro desse poço de 6.036 metros de Libra que ela
perfurou. ... o objetivo do governo é levar recursos para educação ...”.
28. Foster confirma o óbvio, pois a Petrobrás descobriu o campo e já
extraiu óleo do pré-sal. Ora, país nenhum leiloa áreas cujo potencial de
produção já é conhecido. Os 30% que cabem à Petrobrás são determinados pela Lei
12.351, operadora necessária. Assim, as estrangeiras levam petróleo sem
trabalhar.
29. Confessando que o objetivo do governo é financeiro, o absurdo fica
maior, pois a produção só se iniciará daqui a anos, nada gerando a curto prazo.
30. As verbas para a educação têm aumentado muito. Porém, são mal
aplicadas: grande parte vai para estabelecimentos privados, a maioria dos quais
vem sendo adquirida por grupos estrangeiros
31. Além disso, não há necessidade alguma de captar os recursos do
bônus (15 bilhões de dólares), uma migalha diante do serviço da dívida
programado para 2014: 1,2 trilhão de reais.
32. Para melhorar as finanças públicas, basta diminuir os juros dos
títulos do Tesouro. Dois pontos percentuais de redução nas taxas representam,
em apenas um ano, muito mais que os 35 bilhões reais do bônus do petróleo, que
é só um empréstimo oneroso: o dinheiro só entra uma vez e depois vai saindo.
33. A exploração do petróleo por companhias estrangeiras não cria elos
positivos para a economia, já que elas não contratam empresas nem técnicos
brasileiros para os equipamentos e serviços de exploração.
34. Não só o óleo, mas também o grosso dos ganhos vai para o exterior,
o que torna pequeno o reinvestimento em capital fixo no país, que perde também
a oportunidade de desenvolver mais tecnologia na área.
35. A abundância de divisas com a exportação dá enorme poder financeiro
às companhias exploradoras, incrementando ainda mais a desnacionalização e a
desindustrialização do país. A valorização da taxa de câmbio incentiva as
importações de maior valor agregado Tudo isso significa subdesenvolvimento
programado.
36. Poucos parlamentares tomaram iniciativas contrárias ao leilão de
Libra: projeto de decreto-legislativo do senador Requião e mais três; ação
popular de parlamentares do PSOL e senador Pedro Simon. Mais de 80 organizações
protocolizaram carta no Palácio do Planalto, pedindo sustar o leilão.
Movimentos sociais acamparam em frente à Petrobrás.
37. Tudo isso é louvável, mas é pouco. Para ter algum resultado, os
poderes da República teriam de perceber forte pressão de massa, suficiente para
equilibrar as pressões que sofrem permanentemente dos interesses antinacionais.
Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização
versus Desenvolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário