Por Deborah Rezaghi,
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que retira o poder da
Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Executivo de promover a demarcação das
reservas indígenas no país e a transfere para o Legislativo, foi aprovada pela
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O projeto causou a
revolta de índios em Brasília, que foram ao Congresso Nacional e ao Palácio do
Planalto protestar contra a emenda. De acordo com a proposta, a Funai ainda
terá o direito de fazer o levantamento das terras a serem demarcadas, contudo a
decisão final só terá validade depois da aprovação da do Congresso.
“Em claro desrespeito à Constituição de 1988, o Congresso passou a achar
que tem o direito de decidir tudo no Brasil,”, afirma o geógrafo e professor
livre-docente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira. O
Parágrafo 4 do Artigo 60 da Constituição Federal prevê que não serão objeto de
deliberação as propostas de emenda que venham a abolir a forma federativa de
Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes
e os direitos e garantias individuais.
De acordo com o professor, trava-se um embate violento no Congresso para
que a Funai deixe de ter a competência da demarcação e que ela passe para as
mãos da Embrapa (Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária). Por enquanto, o
que ficou definido é que em junho haverá uma audiência pública para debater a
decisão do poder executivo de submeter os estudos sobre demarcação e
delimitação de terras indígenas à análise da empresa em alguns estados. A ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi
Hoffmann, disse que a demarcação de terras indígenas nos estados de Mato Grosso
do Sul, Rio Grande do Sul e de Santa Catarina deve ser submetida a parecer da
Embrapa. “A Funai não é o melhor órgão
do mundo. É lenta, pois os procedimentos para fazer as demarcações levam tempo.
Mas se a Embrapa passar a dar o laudo, com certeza haverá terras indígenas
diminuindo”, defende a geógrafa e especialista em políticas territoriais na
Amazônia Neli de Mello-Thiery.
A geógrafa afirma que o grande proprietário de terras públicas no Brasil
hoje é o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), seguido
do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), e da
Funai. Isso traz outro ponto conflituoso na PEC, pois entre as competências
exclusivas do Congresso está não só a aprovação de demarcação das terras
tradicionalmente ocupadas como também a ratificação das demarcações já
homologadas. “Os índios dessas áreas demarcadas terão problemas com o
Congresso, pois a bancada ruralista não se sacia, e quer tomar inclusive as
terras que estão com eles”, diz Ariovaldo.
A forma como a imprensa vem tratando as demandas indígenas também é
questionável, e de acordo com Neli de Mello-Thiery, estamos “baixando a guarda”
em todos os assuntos das minorias brasileiras. “Aqui no Brasil ainda persiste a
máxima de que há muita terra para pouco índio”. Fato que ilustra bem essa ideia
mostrada por Neli é o caso do deputado Nilson Leitão (PSDB – MT), que admite
ser um produtor rural e diz que há abuso nas demarcações, pois a presidente
Dilma Rousseff disponibilizou 1,54 milhão de hectares para “apenas” 90 índios,
referindo-se ao decreto de homologação da Terra Indígena Kayabi, nos municípios
de Apiacás (MT) e Jacareacanga (PA).
O professor Ariovaldo explica que o elemento fundamental na demarcação
de uma área indígena é a cultura. Assim, ao se demarcar uma área deve se levar
em conta se no local há cipós para que os índios possam continuar produzindo
seus artesanatos, além do que é preciso ter uma área para que eles possam
realizar suas festas e rituais. Por esse motivo, as áreas demarcadas são
grandes. Além disso, o geógrafo explica que os povos indígenas não respeitam as
fronteiras físicas. “Muitos dos que moram na região de fronteiras tem parentes
em outros lugares, como na Venezuela, e a atravessam para ir visitá-los. Isso
deixa os militares loucos”.
A PEC 215 terá de ser apreciada
por uma comissão especial antes de ir à votação no plenário da Câmara dos
Deputados, o que deverá ocorrer a partir do segundo semestre deste ano. “Não
podemos esquecer que os indígenas estavam aqui antes da gente. Eles têm esse
direito. Temos milhares de técnicas e investimentos necessários para fazer
aumentar a produtividade, usando áreas que já tem, mas não é preciso,
necessariamente, tirara as terras indígenas”, afirma Neli.
Em nota divulgada em seu site oficial, a Embrapa anunciou que “não tem
por atribuição opinar sobre aspectos antropológicos ou étnicos envolvendo a
identificação, declaração ou demarcação de terras indígenas no Brasil. Essa é
uma atribuição da Fundação Nacional do Índio – FUNAI”.
*Deborah Rezaghi é estudante de jornalismo e participa do “7º curso
Descobrir a Amazônia – Descobrir-se Repórter”, módulo do Projeto Repórter do
Futuro que é organizado pela OBORÉ Projetos Especiais em Comunicações e Artes,
IEA/USP – Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e Abraji
– Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.
FONTE: site EcoDebate e
Desacato.info
Nenhum comentário:
Postar um comentário