“Só havia um caminho para que
vencêssemos a letargia que dominava o estado. Eike Batista teve uma
participação especial. A iniciativa privada deve participar do processo da
construção da paz”, disse o governador. O empresário bancou a construção das
duas unidades. A da Fazendinha custou R$ 1,67 milhão, e a da Nova Brasília, R$
1,189 milhão. Eike não compareceu à cerimônia, mas mandou um diretor da EBX
representá-lo. Cabral também agradeceu ao exército, citando o nome do
ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim – que ocupava o cargo na época da ocupação
da comunidade – e destacou a “firmeza incrível” do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva. Nas duas unidades da comunidade – que tem 40 mil moradores – vão
trabalhar 660 agentes policiais.” ¹
“Candidato a vice-presidente na
chapa de Dilma Rousseff (PT), o deputado Michel Temer (PMDB) disse ontem que o
país é seguro para investimentos porque vive momento de “pacificação social” e
segurança jurídica. Para exemplificar a teoria, afirmou que os “mais pobres” e
os movimentos sociais estão “pacificados” e que a classe média não está
inquieta. Temer participou ontem de almoço patrocinado pela Câmara Portuguesa
de Comércio. A entidade convidou os candidatos à Presidência, mas Dilma mandou
Temer, porque tinha outra agenda. “Falo de um Brasil internamente pacificado”,
afirmou ele em sua apresentação. “Se os movimentos sociais não estiverem
pacificados, se os setores políticos não estiverem pacificados, se os setores
financeiros não estiverem pacificados, se aqueles mais pobres não estiverem
pacificados, se os da classe média estiverem inquietos, isso gera uma
insegurança que é prejudicial”, declarou Temer.”²
Rio de Janeiro-Brasil, ano de 2013,
cidade e país sede de grandes eventos atrativos de inúmeros investimentos
nacionais e estrangeiros. Em especial, na capital fluminense, podemos afirmar
com tranquilidade que nunca se acumularam tantos capitais, em espaço e tempo,
como neste período. E o protagonista deste movimento? O Estado. Segundo o
dossiê da candidatura do Rio para as Olimpíadas de 2016, 94,91% dos
investimentos seriam de recurso público diretamente ou através de
financiamentos. Com o passar do tempo, já podemos constatar a “transferência de
renda” dos investimentos públicos para os monopólios privados, via as diversas
formas de políticas privatistas que assolam desde áreas estratégicas da
economia fluminense e brasileira como o petróleo, até serviços sociais básicos
como saúde, esporte, cultura, educação, previdência, etc.
Em meio a este momento de grande
acumulação, concentração e consequentemente aumento das desigualdades, o
discurso eufórico de “grandes oportunidades”, “democratização” do consumo e
“inclusão” social começa a enfraquecer, visto a intensificação dos problemas
estruturais da sociedade brasileira sentidas, especialmente, pelo povo
trabalhador: mercantilização da saúde, educação, moradia, enfim elementos
básicos para a vida humana. Estas questões já estão sendo bem debatidas,
denunciadas e refletidas por uma gama considerável de movimentos populares,
organizações políticas e gente de esquerda. No entanto, uma parte considerável
parece ignorar um elemento social continuador da perversa via de
desenvolvimento “pelo alto” do capitalismo brasileiro: o terrorismo de Estado,
via criminalização dos pobres.
Semana passada, no mesmo Rio de
Janeiro, em franca onda de investimentos e expansão dos capitais, ocorreram
três fatos (cotidianos) bárbaros no Jacaré, Manguinhos e Ramos. Três jovens
Alielson Nogueira, Mateus Case, Jefferson Costa, negros e pobres foram
executados a tiros, e um deles eletrocutado, por ações da Polícia, duas delas
em áreas de UPP. Segundo as informações divulgadas, os três tinham trabalho
regular e sem antecedentes criminais.
Todavia conforme citamos no
início deste artigo, o discurso de representantes do Estado na figura do
governador do Rio de Janeiro e do vice-presidente da república, tratavam-se de
declarações que falam de paz e pacificação da sociedade brasileira, mas apenas
uma pergunta que não quer calar: paz para quem e para o que? Creio que esta
pergunta, já está contida na declaração de ambos. Para Michel Temer, a
pacificação é um bom pressuposto para o recebimento de “investimentos seguros”
no país, Sergio Cabral assume que esta onda de paz só é possível com a parceria
entre Estado e empresariado, inclusive cita um dois dos principais operadores
da “paz”: o empresário Eike Batista e o “corajoso” ex-presidente Lula.
Após a implementação da UPP no
complexo do Alemão e no mesmo Jacaré, local da execução de um dos jovens
citados, os preços dos imóveis dobraram, centenas de famílias já foram
despejadas de suas casas. Estes tristes episódios, infelizmente não são uma
exceção nem apenas obra do mau caratismo de um ou outro governante. As
políticas de transferência da renda pública para o empresariado através das
diversas formas de privatização, a democratização do “crédito”, a ausência de
qualquer reforma estrutural em nossa sociedade, e principalmente, o terrorismo
de estado nas zonas populares, são peças chaves para a garantia da “paz” de
Temer, Cabral, Eike, Lula e muitos outros. Esta “paz” é a garantia de
preservação da acumulação capitalista, em nosso tempo cada vez mais associada a
regressão a estágios mais bárbaros e degradantes da espécie humana. Pelo
capital se persegue, tortura, executa como também se constroem mecanismos
sofisticados de dominação cultural e ideológica, principalmente via os
monopólios midiáticos e a industria cultural.
Contudo, insistimos que apesar da
sofisticação, ainda existe uma linha fundamental de continuidade nas ações do
Estado Brasileiro junto às classes populares: a questão da desigualdade social
é um caso de polícia. As UPP´s financiadas por Eike também podem lembrar as
guardas nacionais, criadas no Brasil Imperial a serviço dos interesses das
oligarquias na preservação do status quo. Qual a semelhança? O braço armado e
repressivo do Estado a serviço da “paz” para as classes dominantes. Como?
Apesar das diferenças a continuidade das torturas, as execuções e o cotidiano
terrorismo à vida dos subalternos!
A Juventude que vive nas zonas
populares é o principal segmento que sente em seu cotidiano as implicações das
diversas faces da dominação pela “paz”. A “pacificação” como a “guerra” ao
tráfico já mataram milhares de jovens e vende ilusões de “inclusão” que a
expansão capitalista não pode resolver. As histórias de Alielson, Mateus,
Jefferson e tantos outros não devem ser naturalizadas, nem encaradas como uma
falha residual do nosso Estado Democrático de Direito. Infelizmente, a coerção
é o um elemento constitutivo para a conformação da hegemonia das classes
dominantes, ou seja, a morte destes jovens sustenta a “paz” para os senhores.
A solução? Creio que a luta por
direitos humanos limitada a um regime que ameaça o próprio reconhecimento
universal do homem enquanto espécie, não ataca radicalmente a relação entre o
Estado brasileiro e as classes populares. É necessário associarmos os direitos
humanos enquanto uma bandeira fundamental de luta pela emancipação dos próprios
trabalhadores. Inclusive, é este o potencial revolucionário dos milhares de
homens e mulheres que vivem do seu trabalho, ao lutarem contra um Estado que se
comporta em sua principal finalidade ,como definiu Engels, “enquanto um mero
comitê de negócios de toda a burguesia” potencializam a própria emancipação e
reconhecimento da espécie humana. Por isso, para que as mortes de tantos jovens
como Alielson, Mateus e Jefferson não tenham sido em vão, é preciso que lutemos
e questionemos não apenas a violência banal e desumana, mas as próprias
relações sociais que se sustentam a partir dela, conforme Brecht bem nos
ensina:
“Do rio que tudo arrasta, diz-se
que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”
Bertold Brecht
* Luís Fernandes é historiador e
integrante da Coordenação Nacional da UJC.
1 Declarações de Sergio Cabral,
julho de 2012, inauguração da UPP do Complexo do Alemão.
http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/cabral-agradece-a-eike-batista-na-inauguracao-de-sedes-de-upps,2c3d0a43aa1da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
2 Declarações do vice-presidente
do Brasil, Michel Temer, publicadas no jornal Folha de São Paulo, 27 de agosto
de 2010. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2708201032.htm
Fonte:
http://ujc.org.br/ujc/?p=677
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