Luis Leiria
Brasil já gastou em estádios mais
do que a África do Sul e a Alemanha juntas (mundiais de 2010 e 2006).
Ex-estrela de futebol Romário diz-se enganado porque, ao contrário do que
disseram Lula e Dilma Rousseff, os recursos investidos foram 95% públicos.
Pelas últimas contas, feitas às
vésperas da abertura do Mundial de Futebol de 2014 no Brasil, a construção ou
remodelação dos estádios onde os jogos vão decorrer custou cerca de 2.900
milhões de euros, um valor que representa uma derrapagem global de 66% a mais
do que os gastos previstos em 2010.
Com as obras concluídas ou à
beira da conclusão, o Brasil passa a ter metade dos 20 estádios mais caros do
planeta, segundo um estudo realizado pela empresa KPMG. O ranking elaborado
pela empresa coloca o Estádio Mané Garrincha em 3º lugar, atrás apenas do
Wembley e do Emirates Stadium, ambos no Reino Unido. Cada lugar do estádio de
Brasília custou 6.700 euros.
Gastos superiores aos dos
Mundiais da África do Sul e da Alemanha somados
A Copa do Mundo de Futebol, como
é conhecido o Mundial de 2014 no Brasil, já supera largamente em gastos todas
as anteriores. Mais: os gastos com os estádios são maiores do que o somatório
de tudo o que foi gasto nos estádios dos dois Mundiais anteriores, os da África
do Sul de 2010 e da Alemanha de 2006.
Em junho do ano passado, o Brasil
viveu uma onda de indignação com enormes manifestações que tiveram como uma das
bandeiras a denúncia dos gastos com a Copa. As exigências da Fifa para a
construção dos estádios deram origem a palavras de ordem como “Não queremos
estádios – Queremos escolas e hospitais” e “Queremos escolas e hospitais no
padrão Fifa”.
O governo argumentou que o
dinheiro não vinha do orçamento federal, o que não passou de uma manobra
retórica, já que há investimentos federais diretos e também mascarados de
empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aos
clubes, além dos gastos dos orçamentos estaduais e municipais e as isenções
fiscais de que a FIFA beneficia. No total, a realidade é que mais de 95% dos
gastos são públicos.
Romário: “Fui enganado”
O antigo jogador da seleção
Romário, um dos heróis do Mundial ganho pelo Brasil em 1994, hoje deputado federal,
disse que se sentiu enganado pelo ex-presidente Lula, pela atual presidente,
Dilma Rousseff, e pelo ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira em relação aos
gastos com a realização do Mundial. “O Brasil não só tinha condição de sediar
uma Copa, como tinha a condição de sediar a maior Copa de todos os tempos.
Assim como todos, eu fui enganado. Eles tinham divulgado que 90% do gasto seria
de dinheiro privado. Hoje temos quase 98% de dinheiro público, gasto totalmente
errado. Dinheiro que a gente poderia colocar em outras áreas que são
extremamente precárias, como educação e saúde. O que vejo de mais errado é esse
gasto astronómico, totalmente fora do planeado, e o enriquecimento ilícito de
vários políticos”, disse Romário.
Para a ex-estrela de futebol, “a
Copa do Brasil fora do campo a gente já perdeu e de longe. Agora a gente tem
que torcer para que a seleção seja campeã dentro de campo. Eu particularmente
torço. Infelizmente, por outro lado, tenho que admitir que muito dos problemas
vão ficar por baixo dos panos. Esse é o nosso país. Uma vitória em Copa do
Mundo apaga e esconde muitas coisas”, disse.
' Hoje
temos quase 98% de dinheiro público, gasto totalmente errado. Dinheiro que a
gente poderia colocar em outras áreas que são extremamente precárias, como educação
e saúde, diz Romário.
Lucros da Fifa
Os gastos são públicos, mas os
lucros privados. A Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) já
garantiu uma receita recorde com o Mundial. O valor das isenções fiscais
concedidas pelo governo federal do Brasil é calculado em 323 milhões de euros e
a entidade que comanda o futebol mundial conta com mais de 900 contratos
comerciais fechados e 19 cotas de patrocínios, sendo 13 com grandes
multinacionais, apontando para um ganho mínimo de 2.850 milhões de euros com o
torneio. A Copa mais lucrativa da sua história.
Só que os adeptos brasileiros
ficarão muito longe dos estádios. O “torcedor” comum brasileiro apenas teve
acesso a um terço dos ingressos da Copa de 2014 pela distribuição inicial da
Fifa, já que mais da metade do total de 3,3 milhões de bilhetes foi para a
federação internacional, associações nacionais de futebol, para a CBF e
parceiros comerciais, Vips, Comité Organizador, governo federal, entre outros.
E uma parcela foi destinada exclusivamente a estrangeiros.
A Fifa tem o monopólio da venda
dos bilhetes, e o fenômeno do mercado negro já começa a funcionar, desta vez
também virtualmente. O preço de um bilhete em sites de “candonga” para um único
jogo pode chegar a 29 mil euros!
A Copa já era!
Num extenso e documentado artigo,
o jurista Jorge Luiz Souto Maior, professor livre-docente da Faculdade de
Direito da USP e membro da AJD – Associação Juízes para a Democracia, desmonta
com pormenor a argumentação de que apesar dos gastos astronómicos a Copa trará
ganhos para todos os brasileiros – e não só para a Fifa.
“Há de se indagar qual o preço
pago pela população brasileira”, argumenta, já que terá de conviver com “o
verdadeiro legado da Copa: alguns estádios fantasmas e obras inacabadas, nos
próprios estádios e em aeroportos e avenidas”.
O jurista faz as contas ao já
citado estádio Mané Garrincha: “levando-se em consideração o resultado
operacional com jogos e eventos obtidos em um ano após a conclusão da obra,
qual seja, R$1.137 milhões, serão precisos 1.167 anos para recuperar o que se gastou,
o que é um absurdo do tamanho do estádio”.
O problema aumenta, diz o
professor, quando recordamos que nunca se viu no Brasil “a mesma disposição de
investir dinheiro público em valores ligados aos direitos sociais, tais como
educação pública, saúde pública, moradias, creches e transporte”.
Fonte: esquerda.net-
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