por Alice Marcondes*
Uma estrada que evitaria que os
turistas passem para a vizinha Argentina para avistar as famosas Cataratas do
Iguaçu abre um novo conflito entre ecologistas e autoridades brasileiras.
Rio de Janeiro - Terramérica-
Várias organizações pedem ajuda à Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para evitar a reabertura do Caminho do
Colono, uma estrada no sul do Brasil que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu,
Patrimônio Mundial Natural desde 1986. Hidrelétricas na Amazônia, reforma do
Código Florestal e conflitos agrários: a população brasileira se acostumou nas
últimas décadas a várias crises que colocam em extremos opostos a organizações
ambientalistas e autoridades.
Um desses casos é o do Caminho do
Colono, uma estrada fechada há mais de uma década no Estado do Paraná, que pode
ser reaberta se for aprovado um projeto de lei em estudo no Senado, após
parecer favorável de apenas uma comissão da Câmara dos Deputados. A estrada de
18 quilômetros existe desde 1925, quando as comunidades locais a utilizavam
como caminho informal e para o transporte da erva-mate extraída da região.
Tempos depois foi integrada à
rede viária nacional, fazendo parte da rodovia PR-495, que une Serranópolis do
Iguaçu, no limite norte do Parque, à localidade de Iguiporã, no município de
Marechal Cândido Rondon. Em 1986, foi fechada pela primeira vez, com a
implantação do plano de manejo elaborado para o Parque, uma unidade de
conservação criada em 1939, que se estende por toda a região atravessada pela
estrada e que abriga a maior porção do bioma Mata Atlântica do sul do país.
No mesmo ano, foi designado
Patrimônio Mundial Natural pela Unesco. Posteriormente, o caminho foi reaberto
ilegalmente e, em 2001, o governo determinou seu fechamento definitivo. O
Parque fica no extremo oeste do Paraná, a 17 quilômetros do centro da cidade de
Foz do Iguaçu e perto da tríplice fronteira, com Argentina e Paraguai. O lugar
abriga as Cataratas do Iguaçu, cuja beleza lhe valeu a inclusão na lista das
Sete Maravilhas da Natureza, elaborada pela fundação suíça New7Wonders.
Legisladores da região
apresentaram vários projetos de lei para a reabertura do Caminho do Colono. Um
deles, o PL 7.123/2010, redigido pelo deputado federal Assis do Couto, do
Partido dos Trabalhadores, pode ser aprovado este mês no Senado. O objetivo é
estimular o turismo e a educação ambiental e evitar que os turistas tenham que
passar pela Argentina para chegar às cataratas, explicou Couto ao Terramérica.
A iminência legislativa levou
cerca de mil entidades brasileiras a solicitarem por carta a intervenção da
Unesco para evitar que a estrada seja reaberta. “O autor do projeto e seus
defensores dizem que a estrada promoverá a preservação, a educação ambiental e
o desenvolvimento sustentável regional, enquanto estão amplamente registrados e
compreendidos os impactos das estradas em áreas protegidas. Os dados históricos
não mostram nenhum efeito positivo do Caminho do Colono na economia local,
regional, estadual ou nacional”, diz a carta.
O deputado garante que seu
projeto prevê o controle do tráfego pelo lugar e proíbe a passagem de
caminhões. “A via não poderá ser asfaltada nem pavimentada para evitar a
impermeabilização do solo. Os automóveis não poderão circular à noite. Além
disso, a abertura da estrada representa uma presença maior do Estado, o que
inibirá a atual extração ilegal de palmito. A polícia encontrou até acampamento
de palmiteiros na área”, destacou Couto.
Segundo o legislador, o caminho
beneficiará as comunidades locais, mas esse argumento não convence o chefe da
área de conservação e manejo do Parque, o biólogo Apolônio Rodrigues. “A
estrada não é relevante considerando o fluxo de produção e a rede viária da
região. Só é vista como um atalho que reduz a distância para as pessoas que vão
de sul a norte, e para as que gostariam de cortar caminho por dentro do
Parque”, afirmou Rodrigues ao Terramérica.
“Se considerarmos a importância
do Parque para a humanidade, não se justifica a abertura da estrada para
favorecer um pequeno grupo de pessoas”, acrescentou Rodrigues. A estrada
fragmentaria o ecossistema, pontuou, lembrando que, “além do mais, pode ser uma
porta de entrada para espécies de fora e seu uso pode degradar com sedimentos
os cursos de água”.
Outro problema destacado pelas
organizações contrárias à estrada é o perigo que haveria para a onça-pintada
(Panthera onca), espécie cuja população já diminuiu em 90%. Estima-se que
existam apenas 18 exemplares vivos em uma região onde estavam registrados até
180 desses animais. É possível que nos próximos 80 anos a espécie desapareça
completamente da região, disse ao Terramérica o coordenador do Centro Nacional
de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros, Ronaldo Morato.
O Centro pertence ao Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, responsável pela gestão do
Parque Nacional do Iguaçu. A área “já sofre com a caça. São necessárias ações
urgentes e a abertura da estrada não contribui para a preservação”, destacou
Morato. Os críticos do projeto afirmam que a insistência se deve ao interesse
de produtores locais de soja, que teriam um caminho mais curto para transportar
sua mercadoria. Contudo, Couto rebate tais argumentos, pois o tráfego de
caminhões estaria proibido. “Os produtores já têm outras rotas estabelecidas”,
afirmou.
A reabertura da estrada requer a
alteração da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, para incluir o
conceito de estrada-parque, um precedente para a abertura de indiscriminadas
rotas em áreas protegidas, alertaram os signatários da carta à Unesco, que
ainda não se pronunciou a respeito. Para o deputado Couto, isso eliminaria o
vazio da legislação ambiental, pois outras unidades de conservação já possuem
estradas em seu interior. “Um exemplo é a Paraty-Cunha, no Parque Nacional da
Serra da Bocaina”, enfatizou. Envolverde/Terramérica
* A autora é colaboradora da
Envolverde.
Fonte: Envolverde
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