por Osvaldo Coggiola.
Os movimentos de rua continuam
ditando cada passo da política do país, apesar do seu retrocesso em julho. O
Rio de Janeiro assiste diariamente a manifestações contra o governador Sergio
Cabral (PMDB), eleito em 2010 (com apoio do PT) e que agora conta com um
(superestimado) apoio de 12% do eleitorado. Cabral foi cercado pela população
em Campo Grande, onde ocorreu um acidente trágico, e teve que fugir: sua
própria casa sofre um cerco diário. O governo de São Paulo, histórica e
atualmente nas mãos do PSDB (oposição), sofre a explosão de uma bomba no seu
próprio terreno: a empresa Siemens auto-denunciou sua participação em um
esquema de superfaturamento nas obras de construção do metrô (280 milhões de
dólares), com a cumplicidade do governo do estado. As manifestações em São
Paulo, ainda que muito minoritárias em relação às da luta contra o aumento da
tarifa dos transportes, também continuam diariamente.
Sob essas condições, o governo
federal (PT), depois de um novo corte orçamentário (10 bilhões de reais), que
se somam aos 28 bilhões já cortados no primeiro semestre, para alcançar as
metas de superávit primário impostas pelo FMI (garantindo o pagamento em dia da
dívida pública), liberou 6 bilhões em “emendas parlamentares” (corrupção
disfarçada), com o objetivo de manter o apoio da base aliada, que poderia
devastar a governabilidade petista. O superávit primário de 2013, ainda assim,
é o pior desde 2001. A perda de capitais (que invocam os perigos de um país no
qual as ruas são ocupadas cotidianamente) se soma agora ao déficit comercial, o
primeiro em toda a década petista: 5 bilhões de dólares nos primeiros sete
meses do ano (contra um superávit de mais de 25 bilhões de dólares no mesmo
período em 2006). O boom exportador foi reduzido em 30 bilhões de dólares.
Somente o capital financeiro continua ganhando, beneficiado pela elevação das
taxas de juros: Itaú Unibanco (maior banco privado) lucrou 3,6 bilhões de reais
no segundo semestre, recorde histórico. O país se funde ao compasso do
parasitismo capitalista-financeiro. O parasitismo estatal está a seu serviço.
Frentes às mobilizações, a presidente Dilma Rousseff anunciou estudar a fusão
de alguns dos 39 ministérios (13 em 1990), que empregam 984.330 funcionários,
ou seja, demissões nas estatais à vista. Mas nada de trocar os 22.417 “cargos
de confiança” dos ministros, um verdadeiro exército de parasitas sociais.
A única notícia “positiva” é a
desaceleração do ritmo inflacionário (0,26% em julho) devido à queda... do
preço dos transportes (a grande vitória dos manifestantes). Como a população
sabe que isto não se deve em nada ao governo, o índice de popularidade de Dilma
Rousseff segue caindo (já foi de quase 70% para pouco mais de 30%): o único
consolo dos petistas oficiais e oficiosos é que o índice dos opositores
eleitorais (declarados) também caiu. Isto nos leva à conclusão de que, com as
devidas correções, o PT poderá “navegar” na atual crise. A grande contribuição
da Direção Nacional (DN) do PT (olimpicamente ignorada por Dilma) foi a
produção de um parco documento (depois de dez dias de negociações entre todas
as suas correntes) onde afirma que “a condução de uma nova etapa do projeto
exige ratificações na linha política do PT e o governo que reflita sobre a
atualização do programa e consolidação da estratégia que expressa a
radicalização da democracia”. Ou seja, nada. Sobre a perda de capitais, dívida
pública (interna e externa), salários, demissões (o desemprego cresceu 0,6%
este ano, e as empresas anunciam novos cortes) e, sobretudo, repressão
(assassinatos nas favelas e um desaparecido no Rio, Amarildo de Souza), nem uma
palavra.
A esquerda petista e a não-petista
Enquanto a esquerda petista se
limita a reclamar (literalmente) seu direito à existência (remunerada, claro) –
sua participação nas atuais manifestações é nula – a esquerda do PT busca
aproveitar a crise para subir no aparelho, usando a política do avestruz até a
esquizofrenia. “A reação pública da DN do PT, da presidenta Dilma e de Lula
foram na mesma direção: enfatizar a coincidência entre as reivindicações das
ruas e os nossos objetivos estratégicos”, reza o documento da Articulação de
Esquerda, AE (Página 13, agosto). Dilma, recordemos, mandou inicialmente
reprimir com tudo as manifestações, enquanto Lula estava de viagem na África.
Para a AE, o problema seria que “as forças de direita, incluindo a que se
abriga no governo e controla o Congresso Nacional, não querem nenhuma reforma política”;
“os acontecimentos confirmaram”, continua, “que se o PT não mudar de
estratégia, será atropelado”, o que não impediu a AE de assinar o documento da
DN (“consolidação e ratificação da estratégia” incluída).
A questão da reforma política é a
mais saborosa. Pois a “força de direita governamental que o controla o
Congresso” (o PMDB) instituiu uma comissão parlamentar de reforma política, com
um projeto que “flexibiliza” (sic) o financiamento partidário, elimina
praticamente as multas aos doadores privados (pessoas ou empresas), suprime
qualquer limite à propaganda eleitoral por qualquer meio e libera os partidos e
candidatos da comprovação dos gastos, além de incrementar os recursos públicos
de campanha; ou seja, a farra completa, pra não usar outra palavra. O saboroso
é que a comissão é presidida, por indicação do PMDB... pelo próprio PT (Cândido
Vaccarezza).
Os gurus ideológicos e políticos
da esquerda apontaram unanimemente o perigo do surgimento de uma direita
fascistóide, como o sujeito que grita “pega ladrão!”, a fim de encobrir uma
ação dos verdadeiros ladrões. A esquerda brasileira surgida no calor da fase
final da luta contra a ditadura militar e da pseudo-democratização da década de
80 esgotou seu ciclo histórico e político. Em meio ao colapso comercial e
financeiro do país, e ao colapso de seu regime político, uma nova esquerda
classista poderá ver a luz sobre a base do balanço político da esquerda atual,
que não será, mas está sendo, “atropelada”.
Osvaldo Coggiola é historiador.
Tradução de Raphael Sanz fonte: Correio da Cidadania.
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