Brizola substitui Irineu Marinho em nome de rua após manifestação pacífica e surpreendente.
por Gilberto de Souza.
Manifestante, amparado para
chegar até a altura da placa, cola o adesivo com o nome de Leonel Brizola sobre
a placa da Rua Irineu Marinho
O alerta na redação do diário
conservador carioca O Globo soou por volta das 14h da sexta-feira. As pesadas
portas de ferro na saída para a Rua Irineu Marinho, Centro do Rio, seriam
fechadas, pontualmente, às 15h, como avisava o boletim interno distribuído aos
funcionários. Ninguém mais entrou ou saiu das garagens após às 15h30. Estava
decretado o pavor na sede de uma das organizações mais visadas desde o início
das manifestações que tomaram conta das ruas, nas principais cidades
brasileiras. Entre os repórteres, redatores e editores do jornal, uma ponta de
apreensão, pois imaginavam – diante das cenas de pura revolta, no Leblon, noite
passada – que uma turba mascarada, saída das marchas contra o governador do
Estado do Rio, Sérgio Cabral Filho, adentraria o ambiente refrigerado da
redação, pronta a quebrar terminais de computadores, aquários de blindex e até
as preciosas máquinas de café. Estas, com certeza, produzem um resultado menos
amargo do que as denúncias, do site O Cafezinho, do jornalista Miguel do Rosário,
sobre uma fraude bilionária de seus patrões ao fisco.
A direção precaveu-se. Mandou
blindar as vidraças com tapumes, lacrar as entradas e usou do costumeiro
prestígio com as forças estatais de repressão para convocar o Batalhão de
Choque da Polícia Militar. No final da tarde, um contingente de mais de 100
homens posicionou-se, estrategicamente, nos pontos de acesso às preciosas
placas da rua que, horas depois, passaram a homenagear a memória do governador
gaúcho e carioca, Leonel de Moura Brizola.
Munidos de cacetetes longos, escudos
blindados, capacetes e couraças; armados de bombas de efeito moral, gás de
pimenta e muita bala de borracha, os PMs estavam prontos a proteger a
propriedade da terceira geração do titular daquele logradouro público de apenas
cento e poucos metros de extensão, mas longo o suficiente para para cruzar
décadas de colaboração com o regime militar que o tornou o maior império de
comunicação da América Latina. Um dos maiores do mundo.
Àquela altura, no meio da tarde,
o adiantamento da edição de domingo já estava tumultuado. A manifestação fora
confirmada pelas redes sociais e no Correio do Brasil, primeiro diário apublicar que a Rua Irineu Marinho, a partir da noite passada, passaria a se
chamar Rua Leonel Brizola, por força das redes sociais e dos manifestantes.
Ainda que por um breve momento, tão curto quanto a rua que seu nome batizou, o
velho Briza novamente desafiaria o poderio das Organizações Globo e as
colocaria, mais uma vez, em xeque perante a opinião pública brasileira.
A bandinha do Sindicato dos
Petroleiros, engalanada, estava a postos em frente ao edifício Balança mas não
cai, na esquina da Rua de Santana com a Avenida Presidente Vargas. Um sistema
de projeção passava imagens do governador do Rio, na década de 80, nas paredes
que encontrava disponíveis, em tamanho gigante, como se fluíssem da memoria dos
manifestantes que, aos poucos, chegavam ao ponto de encontro. A retreta estava
animada, mas o público tardava a chegar. Os organizadores do ato público, a
começar por Alexandre Cesar Costa Teixeira, editor do blog Megacidadania;
Theófilo Rodrigues, cientista social e dirigente do Centro de Estudos da Mídia
Alternativa Barão de Itararé; e coordenadores do movimento Frente Ampla pela
Liberdade de Expressão (FALE-Rio), resolveram partir assim mesmo. O grupo era
pequeno, mas animado.
Manifestantes carregam a faixa de
protesto do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
No início da marcha, pela
contramão da Rua de Santana, havia perto de três PMs para cada manifestante e,
naquele momento, o comandante do grupamento começara a perceber o fiasco a que
o setor de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública o obrigara a passar.
Ainda assim, coordenaram o trânsito e postaram meia-dúzia de batedores no final
do séquito até a chegada ao primeiro alvo: a placa afixada no prédio ganhou o
adesivo com o nome de Brizola e o aplauso, agora, por uma multidão um pouco
maior, ecoou para os edifícios em volta, de onde surgiram moradores acenando
com panos na janela, em sinal de apoio. Mas havia outras surpresas guardadas
para os policiais do Choque, ainda incrédulos diante daquele pequeno e
organizado grupo de manifestantes.
Possibilidade zero de haver confrontos,
quebra-quebras e cenas de violência generalizada contra a sede do império
midiático. O ato seguinte do protesto, então, seria ainda mais surrealista,
tanto para o aparato truculento convocado pelas Organizações Globo, quanto para
as dezenas de funcionários da casa, que se amontoavam na passarela que liga a
redação às antigas oficinas do jornal.
Dez, nove, oito, sete, seis,
cinco, quatro, três, dois e bolas de papel gigantes voaram na direção do
logotipo do Globo, para lembrar a armação desvendada pela blogosfera na
campanha de 2010, quando o então candidato José Serra (PSDB) foi atingido por
um objeto na cabeça, durante caminhada no subúrbio carioca. Não passava de uma
bolinha de papel, mas o representante tucano chegou a gastar uma ressonância
magnética e horas de trabalho de um perito contratado para provar que o
incidente seria quase que um atentado à vida do representante das forças da
direita. A fraude, uma vez desvendada, custou-lhe preciosos votos e a memória
eterna de seus adversários acerca da patifaria.
Jogadas as bolinhas de papel,
colados os adesivos sobre as placas da “antiga” Rua Irineu Marinho, teve início
a leitura dramática do mais mais célebre direito de resposta já imposto à Rede
Globo:
“Todo sabem que eu, Leonel
Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Aqui,
citam o meu nome para ser intrigado, desmerecido e achincalhado perante o povo
brasileiro. Ontem, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar o editorial
de O Globo, fui acusado na minha honra e, pior, chamado de senil.
Tenho 70 anos, 16 a menos que o
meu difamador, Roberto Marinho. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de
cabelos brancos, que use para si. Não reconheço na Globo autoridade em matéria
de liberdade de imprensa, e, basta, para isso, olhar a sua longa e cordial
convivência com os regimes autoritários e com a ditadura que por 20 anos
dominou o nosso país.
Todos sabem que critico, há muito
tempo, a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo,
que se manifestou ontem, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de
princípio. É apenas o temor de perder negócio bilionário que para ela
representa a transmissão do carnaval. Dinheiro, acima de tudo.
Em 83, quando construí a
Passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou
inviabilizar, de todas as forma, o ponto alto do carnaval carioca. Também aí,
não tem autoridade moral para questionar-me. E mais: reagi contra a Globo em
defesa do Estado e do povo do Rio de Janeiro que, por duas vezes, contra a
vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior. E isto é o que não
perdoarão nunca.
Até mesmo a pesquisa mostrada
ontem revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado.
Ninguém questiona o direito da
Globo mostrar os problemas da cidade. Seria, antes, um dever para qualquer
órgão de imprensa. Dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no
Palácio Guanabara governantes de sua predileção. Quando ela diz que denuncia os
maus administradores, deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os
homens públicos que não se vergam diante de seu poder. Se eu tivesse pretensões
eleitoreiras de que tentam me acusar não estaria, aqui, lutando contra um
gigante como a Rede Globo. Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para
ser um acomodado.
Quando me insultam por minhas
relações administrativas com o Governo Federal, ao qual faço oposição política,
a Globo vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível. Quem sempre viveu de
concessões e favores do poder público não é capaz de ver nos outros senão os
vícios que carrega em si mesmo.
Que o povo brasileiro faça seu
julgamento, e, na sua consciência lúcida e honrada, separe os que são dignos e
coerentes daqueles que sempre foram servis e gananciosos”.
Diante do término iminente do ato
público, sem nenhuma confirmação das previsões catastróficas, discretamente, o
aparato militar começava a ser desfeito e o sorriso nos semblantes dos
soldados, armados até os dentes, demonstrava a incredulidade diante do ato
público que, de acordo com os organizadores, foi “a mais bem sucedida ação
pública contra o gigante midiático que lidera a concentração dos meios de comunicação
do país”, segundo o jornalista Marcos Pereira, também coordenador do Barão de
Itararé.
– Mais importante do que o número
de pessoas na manifestação foi o seu peso simbólico. Hoje, as Organizações
Globo temem a população. Mais do que nunca, sabem que já não são mais capazes
de manipular as notícias, na tentativa de enganar os brasileiros. Hoje, vamos
às ruas para mostrar que os tempos mudaram e é preciso acabar com o cartel que
tenta impedir a democratização da comunicação no país – afirmou, enquanto um
grupo puxava slogans como “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e “a verdade
é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”.
“E ainda apoia”.
Gilberto de Souza é editor-chefe
do Correio do Brasil.
Fonte: Desacato e http://www.advivo.com.br/node/1447644
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