José Coutinho Júnior- MST
O Pará é o estado brasileiro com
maior índice de trabalho escravo, crimes ambientais e assassinato de
trabalhadores no campo que lutam pela terra.
Segundo Mercedes Zuliani, da Direção
Nacional do MST no Pará, essa situação ocorre porque a atuação do agronegócio e
das grandes empresas, com conivência do Estado, espoliam os recursos naturais e
as terras da região, expulsando violentamente os trabalhadores que contestam
essa lógica de desenvolvimento.
“A impunidade gera mais
violência, outros casos e outros assassinatos. Quem faz uma, duas vezes, vê que
não acontece nada, que os crimes continuam impunes e a sociedade permite isso,
causa cada vez mais violência”.
Confira a entrevista de Mercedes
para a Página do MST sobre a violência no estado do Pará:
Quantos acampamentos e assentamentos do MST existem no estado? Eles são
alvo de violência?
Temos seis acampamentos e seis
assentamentos.
Há um conflito permanente em
todos os acampamnetos, porque além das empresas, temos uma situação de compra e
utilização das terras para especulação e lavagem de dinheiro.
Tem situações no sul do Pará em
que o grupo do Fernandinho Beira-Mar compra terras para lavar dinheiro.
Temos no sudeste do estado a ação
do Grupo Santa Bárbara, ligado ao Banco Opportunity, do Daniel Dantas, que tem
usado de trabalho escravo e invadido terras públicas para a especulação.
Utiliza de muita violência por meio das escoltas armadas.
A violência contra os trabalhadores
por meio das escoltas armadas é constante, assim como o trabalho escravo. Há um
conflito permanente nessa região, nos acampamentos principalmente, pois estes
estão em terra pública, e vem denunciando a questão do crime ambiental, do
trabalho escravo e da violência por essas escoltas armadas, que são os
seguranças dessas grandes fazendas.
Os assentamentos tem disputado um
pouco mais com os projetos da Vale, então temos assentamentos atingidos
diretamente, onde passa o trilho da empresa por exemplo tem ocorrido muitas
mortes, há a questão da retirada de famílias de alguns territórios para se
duplicar a ferrovia, além de outros danos ao meio ambiente e vida dos
trabalhadores que são atingidos por esse impacto da mineração.
Como agem as escoltas armadas?
As escoltas armadas agem nos
acampamentos, tendo feito ameaças permanentes às famílias que vivem lá. É uma
ameaça tanto psicológica, que deixa as pessoas assustadas até de sair do
acampamento para ir na rua, como física, de emboscada aos trabalhadores. Uma
ação da escolta armada do grupo Santa Bárbara assassinou um jovem, que era de
uma comunidade vizinha a um acampamento nosso.
Em alguns momentos, as escoltas
fazem tiroteios, para tentar desmobilizar e espantar as famílias para que elas
desistam da luta pela terra. E em qualquer mobilização que fazemos denunciando
os danos do agronegócio para a população do estado, as escoltas atuam com
violência. Elas tem sido esse instrumento repressor das próprias empresas e
fazendas para continuar ameaçando e causando essa violência no estado.
Como atuam as grandes empresas no Pará, e qual o impacto delas no
aumento da violência?
Há uma disputa muito grande dos
recursos naturais da região do Pará e da região amazônica. Os minérios, a terra
e água têm sido disputados por essas empresas. Nesse momento do capitalismo, a
apropriação desses recursos é uma necessidade estratégica para as empresas
capitalistas.
Uma das empresas com essa
presença é a Vale, que tem sua ação na região e vai até o Maranhão, atingindo
diretamente as famílias e comunidades por onde passa.
Uma outra questão da exploração
do capital dos recursos naturais é a água. Temos um potencial hídrico nessa
região, por conta da vegetação amazônica, capaz de produzir muita energia, mas
que ainda é insuficiente para esse modelo instaurado.
O Estado brasileiro, através do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem melhorado a infraestrutura para
que essas empresas continuem funcionando.
A construção de hidrelétricas,
por exemplo, em Altamira, Marabá e em outras regiões, serve para produzir
energia que não vai beneficiar as pessoas, mas para garantir o funcionamento das
grandes empresas e das siderúrgicas.
Por esse motivo, a Amazônia está
sendo espoliada de seus recursos naturais. Comunidades indígenas, tradicionais,
ribeirinhas e da luta pela terra tem sido expulsas por onde passa o projeto do
capital.
Isso tem causado muita violência,
porque a disputa do território, da vida e da produção gera violência em todos
os aspectos, tanto física, de ameaça às principais lideranças, quanto de
insegurança social para o povo nessas regiões.
O que faz do Pará o Estado com maior trabalho escravo, crimes
ambientais e assassinatos de trabalhadores no campo?
Tanto por essa disputa dos
recursos naturais como por uma omissão do próprio Estado nesses casos de
violência. A Justiça não tem funcionado para garantir que de fato se faça justiça
em casos de assassinatos. A impunidade gera mais violência, outros casos e
outros assassinatos. Quem faz uma, duas vezes, vê que não acontece nada, que os
crimes continuam impunes e a sociedade permite isso, causa cada vez mais
violência.
Como os latifundiários e empresas reagem aos movimentos sociais que
lutam pela terra?
Uma das ações tem sido de ameaças
contra lideranças. Já ocorreram várias mortes nessa região por causa da luta
pela terra, pela Reforma Agrária e em defesa dos territórios, como o
assassinato da Irmã Dorothy, do José Cláudio e da Maria do Espírito Santo, do
João Canuto, o próprio massacre de Eldorado dos Carajás... Enfim, temos um
histórico grande de violência no Pará.
O latifúndio e empresas atuam no
campo da ameaça, na judicialização dos conflitos e criminalização dos
movimentos. Qualquer ato que se faça para trazer para a sociedade a importância
da luta pela terra é sempre criminalizado.
O Estado age mais numa
perspectiva de sempre tentar tratar os conflitos que surgem dessa disputa de
projetos como se fossem casos isolados, que não têm relação entre si. Além
disso, a polícia reprime os movimentos em qualquer mobilização.
A criminalização dos movimentos
sociais é forte, e ao mesmo tempo em que o Judiciário não consegue garantir que
a justiça seja feita.
Como o Incra se posiciona diante dos conflitos?
O Incra deveria pelo menos
garantir que as terras que são públicas cumpram sua função social.
Cumprir a função social implica
não ter desmatamento e trabalho escravo. Deve ser feita a desapropriação de
terras que têm ilegalidades e crimes que ameaçam a vida das pessoas na região.
As terras públicas devem ser destinadas para fins de Reforma Agrária.
A dificuldade do Incra é que o
processo é muito devagar. Não consegue encaminhar, não consegue criar projeto
de assentamento, garantir infraestrutura necessária para o desenvolvimento dos
assentamentos na região.Com isso, se exime de sua responsabilidade enquanto
instituição pública que deveria garantir às famílias o acesso e posse da terra.
Quando não consegue criar
assentamentos e garantir que a terra cumpra sua função social, os conflitos vão
eclodir cada dia mais, gerando essa situação de violência.
Que ações os movimentos que lutam pela terra no estado pretendem fazer
para denunciar a violência?
É importante considerar que tem
vários movimentos de luta pela terra e pela Reforma Agrária, que tem construído
essa perspectiva de defesa da Reforma e dos recursos naturais para e com o
povo. Muitos movimentos, inclusive os da cidade, estão envolvidos nessa luta
para construir um projeto popular.
As ações dos vários movimentos
que lutam pela terra, Reforma Agrária e justiça social são a de garantir com que
os sujeitos da região consigam viver, produzir e reproduzir na terra e pela
terra. As ocupações, acampamentos e mobilizações que fazemos tem o intuito de
garantir que a terra cumpra sua função social e questionar esse desenvolvimento
que o campo paraense tem adotados. Abril é um período de importante lutas e
mobilizações, no qual lembramos do massacre de Eldorado dos Carajás, cujos
assassinos continuam impunes, e o estado brasileiro tem sua responsabilidade
nisso.
A mobilização e a denúncia são
permanentes aqui no estado do Pará. Vamos fazer ações que denunciem a
impunidade dos assassinatos que ocorreram, em abril vai a júri popular o
assassinato do Zé Cláudio e da Maria do Espírito Santo, e por outro lado além
das denúncias a gente constrói permanentemente a Reforma Agrária popular, com
produção de alimentos saudáveis e também o desenvolvimento dos assentamentos
como espaços que geram vida.
Vamos continuar a organizar
nossas escolas, nossa formação crítica, que crie pessoas críticas na região,
capazes de entender essa realidade; vemos também a cultura e a arte como
processos emancipatórios, trazendo a identidade amazônica como elemento da
construção social desse povo e de seus territórios.
Como a agroecologia se liga ao processo de construção de um novo modo
de produção no Pará?
A agroecologia é um meio de
produção e de respeito à vida. Temos várias experiências em produção
agroecológica, de relação com esse ambiente, com esse bioma amazônico como
forma de continuidade na terra, na região. Garantir a permanência na terra e a
produção já é uma forma de resistência e de denúncia também.
Desde os acampamentos temos
construído o plantio diversificado, a construção de novas relações com a
natureza e experiências em educação, como forma de mostrar que a Reforma
Agrária é possível, necessária, e traz outros elementos constitutivos da vida e
da sociabilidade das pessoas que são importantes nesse momento e nessa região.
FONTE: site MST
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