Exploração de pessoas é agravada pela pobreza e desigualdade
social na Índia-Foto Verena Glass
Uma jovem de 15 anos e duas de 19 foram vítimas acabaram submetidas à
degradação e tiveram liberdade cerceada
Três modelos brasileiras que
saíram do Brasil com sonho de seguir carreira de modelo internacional viraram
escravas na Índia. As jovens, uma delas com apenas 15 anos, foram vítimas de
tráfico internacional de pessoas e acabaram submetidas a assédio moral e
sexual, além de cárcere privado e servidão por dívida, de acordo com acusação
feita pelo Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP). A denúncia foi
aceita pelo juiz federal João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Civil de São Paulo,
que determinou que as agências brasileiras Dom Agency Model´s e Raquel
Management parem imediatamente de enviar modelos ao exterior. Em entrevista à
Repórter Brasil, o proprietário da Dom, Benedito Aparecido Bastos, negou que
esteja envolvido com tráfico de pessoas. Já Raquel Felipe, proprietária da
Raquel Management, não quis se pronunciar sobre as acusações.
As três brasileiras, duas irmãs
de 15 anos e 19 anos de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, e uma
jovem de 19 anos de Passos, em Minas Gerais, deixaram o país com contratos para
fotografar em Mumbai, na Índia. As duas primeiras foram recrutadas pela Raquel
Management em 12 de novembro de 2010. A terceira assinou com a Dom Model´s em
dezembro do mesmo ano. Ao chegarem na Índia, as três jovens acabaram submetidas
a condições degradantes e tiveram a liberdade cerceada. De acordo com
depoimento que prestaram ao MPF, elas eram impedidas de deixar o apartamento em
que viviam, em um edifício localizado em uma zona de exploração sexual, e só
conseguiram escapar porque o pai das duas irmãs denunciou a situação ao
consulado brasileiro em Mumbai. As jovens foram então resgatadas e conseguiram
voltar ao Brasil em 26 de dezembro do mesmo ano graças ao auxílio do consulado,
que arcou com os custos da viagem.
O agente local da K Models
Management - parceira das agências brasileiras na Índia - chegou a ser preso
pela polícia indiana na ocasião. Às autoridades brasileiras, as jovens
relataram que ele pagou para que vigias do edifício as impedissem de deixar o
local. Uma delas chegou a machucar o joelho ao fugir do homem, que tentou
agarrá-la. Além da violência a que foram submetidas, as brasileiras não tinham
acesso à água quente para o banho. No apartamento, segundo contaram, só havia
água em algumas horas do dia. Uma das vítimas disse que não tinha tempo para se
alimentar e descansar por conta dos trabalhos seguidos que era obrigada a
cumprir.
Além da liminar para que as
agências parem imediatamente de enviar modelos ao exterior, Jefferson Aparecido
Dias, procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF-SP, responsável pela
ação, espera que os proprietários sejam condenados a indenizar as três.
"Além do prejuízo material, as jovens sofreram inequívocos danos morais,
com todo o abalo emocional e psicológico durante o tempo em que permaneceram na
Índia", afirma o procurador, que diz que todas as cláusulas do contrato
assinado no Brasil foram descumpridas, desde as acomodações até as condições de
trabalho.
O valor das indenizações para as
três deverá ser definido o curso da ação. Jefferson também pede ressarcimento à
União de US$ 2.116,18, valor gasto pelo consulado na Índia durante o processo
de resgate e recondução das modelos ao Brasil. Para o procurador, este é um
caso clássico de tráfico de pessoas e é um exemplo bem sucedido na repressão.
Rede de tráfico
Com base no episódio, a Divisão
Consular do Brasil na Índia enviou ao Ministério das Relações Exteriores
relatório sobre a possível existência de uma rede internacional de tráfico de
pessoas. As brasileiras resgatadas relataram ao
vice-cônsul que tiveram contato com outras vinte modelos brasileiras em
Mumbai, que também poderiam estar submetidas à escravidão. De acordo com o documento,
os representantes das agências brasileiras "aterrorizam as famílias no
Brasil por meio de coação, desaconselhando que busquem auxílio junto ao
consulado brasileiro".
As irmãs de São José do Rio Preto
relataram às autoridades que Raquel Felipe, da Raquel Management, disse à
família que, caso reclamassem da situação, elas teriam seus passaportes
"carimbados", e jamais poderiam fazer outras viagens internacionais.
Em depoimento, uma das modelos afirmou ter notícias de que, mesmo após o episódio,
a Raquel Management continuou trabalhando com a agência indiana.
Benedito Aparecido Bastos, dono
da Dom Agency Model´s, diz que foi responsável pelo envio de apenas uma das
modelos envolvidas no processo e alega que em nenhum momento ela relatou abusos
ou contou ter sido submetida a condições de exploração na Índia. Segundo
Benedito, as outras duas modelos teriam se desentendido com a agência local
pela falta de demanda de trabalho e fizeram a denúncia ao consulado para
conseguirem passagens de volta ao Brasil.
Ele confirma que tinha contato
com a Raquel Management e que ambas as agências enviaram modelos para o
exterior, mas diz que toda a documentação estava regularizada e nega que faça
parte de uma rede de tráfico e exploração de pessoas. Raquel Felipe, proprietária
da Raquel Management, por sua vez, não quis dar entrevistas sobre o caso.
Segundo empregados da sua agência, ela não pretende se pronunciar sobre as
acusações.
Fonte : site Brasil de Fato – e Bianca Pyl, da
Repórter Brasil-
Para ler a ação do MPF-SP clique aqui
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