"A ocupação territorial
deste país vem sendo feita por um esquema de desmatamento, queimada e capim que
atropela todas as precauções intrínsecas ao cuidado de se manter as APP. Se
passar o projeto da Câmara, essas terras terão imediato salto de valorização
patrimonial, apesar de todos os riscos de erosão dos solos e assoreamento de
rios", José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do
Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de
Pesquisas Ecológicas (IPÊ), em artigo publicado no jornal Valor, 15-05-2012.
Segundo ele, "a área
necessária para expandir a produção de grãos até 2022 não chega a 3% do espaço
coberto por capim".
Eis o artigo.
Qual será o limite de desfaçatez
dos que sonham com uma lei que legitime os desmatamentos criminosos dos últimos
12 anos e ainda torne desprotegidas as áreas úmidas, os manguezais, as margens
dos rios, as encostas e os topos de morro?
Agora se valem de reles blefe
para chantagear a presidente Dilma: aumento dos preços alimentares decorrente
de diminuição da área cultivada, caso não seja sancionado o projeto da Câmara
que revoga o Código Florestal. Essa é a síntese da ameaça publicada na
"Folha de São Paulo" de 12/05 pela presidente da Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (PSD/TO).
Bazófia cabalmente desmentida
pelas projeções do próprio agronegócio: o "Outlook Brasil 2022",
feito em parceria do Departamento de Agronegócio da Fiesp (Deagro) com o
Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone).
Até 2022 a produção de grãos terá crescido
quase 30%, com aumento da área plantada de quase 16%. Isso significa que será
necessário acrescentar uns 6,2 milhões de hectares aos atuais 39,2 milhões,
para que nos próximos dez anos a produção de grãos seja 30% maior que a atual.
Segundo a senadora, seria a
obtenção desses 6,2 milhões de hectares que impediria a observância de boas
normas de conservação. Como se por aqui houvesse um impasse que obrigaria a
nação a sacrificar seu meio ambiente em razão da incontornável necessidade de
produzir comida barata.
Falando sério: qualquer
vestibulando sabe que a expansão da agricultura se faz por incorporação de
terras antes destinadas a pastagens. E esses 6,2 milhões de hectares não chegam
a 3% da imensa área coberta por capim, que já ultrapassa 211 milhões de
hectares.
É intrigante que se recorra a tão
pífio estratagema para tentar defender o indefensável: o "maluco"
projeto aprovado na Câmara em 25 de abril. O que mais interessa, contudo, é a
real motivação da sanha da CNA contra as áreas de preservação permanente (APP),
já que em nada dificultam a expansão agrícola.
A ocupação territorial deste país
vem sendo feita por um esquema de desmatamento, queimada e capim que atropela
todas as precauções intrínsecas ao cuidado de se manter as APP. Se passar o
projeto da Câmara, essas terras terão imediato salto de valorização
patrimonial, apesar de todos os riscos de erosão dos solos e assoreamento de
rios. Se, ao contrário, a sociedade brasileira exigir a reversão de tão trágico
malfeito, os valores desses domínios terão que embutir os custos da
indispensável recomposição da vegetação nativa em APP. Principalmente no Centro-Oeste
e no Norte, mas também no oeste da Bahia e no sul do Maranhão e do Piauí.
Como esses grandes interesses
especulativos são menos confessáveis, foi montada uma campanha política para
tentar vender a ideia de que 'o grande prejudicado é quem se esforça para
produzir "alimentos melhores e mais baratos". E como também não
faltam exemplos de verdadeiros agricultores que, por outras razões, enfrentam
dificuldades com a legislação em vigor, são eles que servem de biombo para uma
gigantesca operação no mercado imobiliário rural.
É isso que permite entender a
geografia da votação de 25 de abril. Aprovado com 100% dos votos das bancadas
de Tocantins e de Mato Grosso, ou com mais de 85% dos votos das de Rondônia,
Goiás e Roraima, o relatório dos especuladores foi rejeitado pelas bancadas de
São Paulo (41 a 26) e do Rio de Janeiro (25 a 15).
Apesar de ter sido cavalo da
batalha intragovernamental do PMDB contra o PT, o projeto só obteve 274 votos
favoráveis, pouco mais de 50%. E menos de 50% pelo critério do número de
eleitores que botaram os atuais deputados na Câmara. Pior: essa é a casa com
maior déficit democrático, como demonstrou ontem (14/05) Renato Janine Ribeiro
em sua coluna no Valor (A10).
Caso típico, portanto, em que a
democracia requer veto presidencial. E como ele tende a ser integral (ou
quase), multiplicam-se as iniciativas para preencher o vazio. Algumas
certamente tentarão corrigir três sérios deslizes cometidos pelo Senado.
Não é possível ignorar que a Lei
de Crimes Ambientais (9.605, de 12/02/1998) está regulamentada desde 1999.
Posteriores desmatamentos de APP foram crimes dolosos que, se perdoados,
configurariam mais indulto que anistia. A escolha de julho de 2008 para demarcar
o passivo é uma mesquinha vingança contra a regulamentação específica do
governo Lula.
Se houver excepcionalidade para
os chamados "pequenos produtores", não se deve usar a figura do
imóvel rural (com área de até tantos módulos), porque não há qualquer
correspondência entre propriedade (imóvel) e empreendimento (estabelecimento).
Deve prevalecer a Lei da Agricultura Familiar (11.326, de 24/07/2006), cujos
critérios impedem que imóvel voltado à especulação fundiária seja tomado como
se fosse dedicado à agricultura de pequena escala.
Terceiro, mas não menos
importante: é preciso banir pastagem em APP, pois não há pior atentado ao beabá
do conhecimento agronômico.
fonte: site Instituto Humanitas Unisinos,
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