Dom Maurício Grotto e Renato Simões a direita.
O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (CONDEPE) apresentou à imprensa nesta sexta-feira, 9 de março, na Alesp, o Relatório Preliminar sobre as violações aos direitos dos cidadãos da comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos. Os 634 depoimentos de moradores coletados pelos voluntários do Conselho constituem “o mais veemente conjunto de provas da barbárie cometida pelas forças de reintegração de posse realizada no Pinheirinho no dia 22 de janeiro de 2012”, como afirma o texto do documento.
Segundo Ivan Seixas, presidente do CONDEPE, a ação realizada no Pinheirinho nem pode ser considerada uma desocupação, mas sim uma invasão. “Foi um verdadeiro show de horrores que assustou a todos. A Polícia atacou e expulsou a população. Em nenhum momento houve ordem judicial determinando despejo e destruição das casas com os bens e imóveis dentro delas”. O relatório será entregue à Assembleia Legislativa, aos Governos Estadual e Federal, Ministério Público, entidades de direitos humanos e organizações internacionais como a Organização da Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Renato Simões, membro do Conselho e relator do documento, lembrou que a nota oficial da Secretaria Estadual de Segurança Pública e todas as declarações das autoridades estaduais responsáveis, inclusive do senador Aloysio Nunes (PSDB), afirmam que não houve nenhum tipo de violência contra os moradores. A nota diz que “a reintegração de posse, em São José dos Campos, foi pacífica. Não houve resistência. Os policiais militares usaram munição não letal. Os moradores concordaram em sair pacificamente do local”.
Segundo Simões, o relatório traz 634 depoimentos que provam o que aconteceu no bairro durante a invasão policial. “Crianças traumatizadas até hoje. Idosos maltratados. Pessoas espancadas. Famílias expulsas de suas casas sem ter direito a recolher seus bens. Uma total falta de respeito aos direitos humanos. Ataques com helicópteros, armas letais e com balas de borracha. Animais mortos com requintes de crueldade. Casas destruidas por tratores com tudo dentro. Depois da desocupação, as famílias ainda perderam as vagas nas creches, nas escolas, os programas sociais do município. 67% delas relataram que tiveram prejuízos financeiros no seu trabalho após perderem suas casas. A maioria perdeu cerca de R$ 35 mil em imóvel, bens e móveis”, explica.
O relatório final, que será aprovado em março, trará uma análise mais extensiva das atividades individuais e institucionais pelas violações de direitos humanos no Pinheirinho e as medidas de responsabilização criminal e civil dessas pessoas e instituições envolvidas. O objetivo agora é, de acordo com Simões, que o relatório seja a base para que o Ministério Público instaure processos contra o Governo Estadual. “Essa é também uma forma de evitar novas vítimas, não permitir que o mesmo aconteça em outras ocupações pelo Estado”.
Denúncias graves: estupro, balas letais, morte e um homem em coma por espancamento
O relatório traz depoimentos detalhados sobre denúncias graves como estupro e violência sexual, um morador ferido com bala letal na coluna, uma morte em decorrência de um acidente e o caso de um morador que ficou em coma após espancamento pela polícia.
O senador Eduardo Suplicy fez uma grave denúncia de violência sexual, estupro e abuso de autoridade praticados por policiais militares na noite do dia 22 de janeiro, início das operações policiais de reintegração de posse no Pinheirinho, no vizinho bairro Campo dos Alemães. A violência sexual teria durado 72 horas. “As denúncias feitas pelo Senador Eduardo Suplicy sobre estupro são verdadeiras. Os policiais acusados já foram, inclusive, reconhecidos”, afirmou Renato Simões.
David Washington Furtado, que levou o tiro na coluna, ficou com sequelas nas raízes dos nervos da perna esquerda. “O exame consta e fala que é bala letal. Não era bala de borracha, era bala de verdade que eu recebi e fiquei 17 dias passando sofrimento no hospital. Não desejo isso para ninguém, para nenhum ser humano”. Segundo David e sua esposa, Maria Laura da Silva de Souza, que também prestou depoimento, quem deu o tiro foi um guarda municipal.
Dias depois da desocupação, o aposentado Ivo Teles dos Santos, 69 anos, que estava “desaparecido”, foi encontrado em coma, entubado, na UTI do Hospital Municipal de São José dos Campos. Segundo várias testemunhas, que também prestaram depoimento, Ivo foi espancado por policiais militares no dia da reintegração de posse.
Em matéria publicada pelo Jornal O Vale (23/01), a jornalista Michele Mendes afirma tê-lo entrevistado após o espancamento. “Agressão. O aposentado Ivo Teles dos Santos, 70 anos, disse que foi ´espancado´por três policiais quando deixava o Pinheirinho. ´Eles vieram com muita violência para tirar a gente de casa. Eu reagi e eles partiram para cima. Caí no chão e os três policiais continuaram a bater com o cassetete em mim, olha só como estou agora? Não consigo nem andar´, disse. Santos morava sozinho no assentamento sem-teto e saiu de mãos vazias. Ele ficou com hematomas nas costas, braços e pernas e foi encaminhado à UPA do Campo dos Alemães”.
Internado no dia 23 de janeiro, em decorrência de um atropelamento ocorrido nas imediações do Pinheirinho, Antonio Dutra Santana faleceu no dia 4 de fevereiro. Segundo depoimentos, a polícia teria jogado uma bomba de efeito moral dentro de um carro, fazendo com que a motorista perdesse o controle do veículo e atingisse a bicicleta de Santana.
Situação das famílias
Após a desocupação, a Prefeitura ofereceu abrigos precários para os ex-moradores do bairro, que mais pareciam campos de concentração. Além de não ter nenhuma infra-estrutura, tinham problemas de falta de higiene e goteiras. Eram ginásios de esporte improvisados, onde todas as famílias dividiam um mesmo espaço físico, dormiam em colchões espalhados pelo chão, sem nenhuma dignidade. Algumas não conseguiram lugar no abrigo e improvisaram barracas de madeira e lona na rua.
Os quatro abrigos já não existem mais. As seis mil pessoas expulsas de suas casas, provisoriamente alojadas em abrigos precários, hoje estão por aí: em casas de parentes, amigos, nas ruas... “Na sexta-feira, fomos avisados de que teríamos de sair no sábado do Vale do Sol e ir para o Morumbi ou para o Albergue Municipal Monte Castelo. O pessoal está com tanto medo da polícia que teve família, com criança de colo, que foi para o Morumbi quase meia noite de sexta-feira”, contou um ex-morador, pai de várias crianças, ao Blog Vi o Mundo. “Nós não éramos moradores de rua, nós tínhamos a nossa casa, que fui destruída com tudo dentro. Pedimos então para discutir o assunto na manhã desse sábado. A dona Quitéria [assistente social ligada à Prefeitura] concordou, mas foi da boca pra fora.”
Fonte: site PT Estadual- Cecilia Mantovan- Portal Linha Direta
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