Slavoy Zizeki é filósofo, sociólogo, pensador e crítico marxista. nascido na ex Iugoslávia, hoje, Eslovênia.
Em um determinado momento da Primeira Guerra Mundial, em uma trincheira, um soldado alemão envia uma mensagem informando que a situação por lá “era catastrófica, mas não era grave”. Em seguida, recebeu a resposta dos aliados austríacos afirmando que a situação deles era “grave, mas não catastrófica”.
Essa anedota é representada pelo filósofo Slavoj Zizek para explicar a atual falta de equilíbrio nas discussões sobre as crises mundiais e nas possíveis alternativas para solucioná-las. “Uns acham que vivemos uma situação catastrófica, mas que não é grave. Outros que a situação é grave, mas não catastrófica”, expôs o professor nascido na Eslovênia.
Neste fim de semana, Zizek participou da conferência “Revoluções, uma política do sensível”, promovida pelo Instituto de Tecnologia Social, pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, pelo SESC-SP e pela Boitempo Editorial. Com bom humor e comentários ácidos e perspicazes, ele defendeu a importância de um debate alternativo à imposição do capitalismo como única lógica possível de organização. Também criticou a forma como as mídias e os governos pautam a discussão ambiental.
Durante o encontro, o professor explicou que a importância do trabalho filosófico está na prática de “destruição do pensamento dominante”. Ele alertou que é preciso colocar um fim à predominância da ideologia capitalista, já que a maioria das pessoas age como se não houvesse outra alternativa.
Comunismo como opção
“Os problemas que enfrentamos são comuns a todos nós, por isso o comunismo é uma alternativa. A utopia que temos hoje é acreditar que soluções isoladas é que vão resolver os problemas mundiais”, argumenta Zizek.
Para o filósofo, devemos pensar em uma forma de organização política que “esteja fora da lógica e das regras do mercado”. A República Democrática do Congo, segundo o professor, é um sintoma do capitalismo global. “É um Estado que simplesmente não funciona como Estado. Trata-se de uma série de áreas controladas por generais locais que mantêm contratos com grandes empresas internacionais”.
Ele afirma que, a todo momento, dizem que comunismo é algo impossível. “Cientistas discutem aperfeiçoamentos genéticos que podem nos dar a imortalidade. Outros falam do uso da telepatia para operar aparelhos. Não podemos deixar que nos digam que o queremos é impossível!”, diz.
Zizek cita o exemplo da China onde, segundo ele, foram proibidos livros, filmes, gibis e qualquer outra produção artística e cultural que sugira ou faça referência a realidades alternativas. “No Ocidente, não é preciso que nenhum governo proíba isso, nós encaramos a realidade como se ela só pudesse ser dessa forma”, analisa.
Capitalismo ético-social?
O capitalismo tem um enorme poder de absolver as críticas que recebe e de transformá-las em novas fontes de lucro, explica Zizek. “Hoje há uma espécie de capitalismo ‘ético-social’. Para você ficar com a consciência mais tranqüila, as grandes marcas dizem que 1% do valor do produto vai para crianças que passam fome ou para plantar mudas de árvores”, diz.
Ele esclarece que essa lógica é própria da filosofia norte-americana, que vende a ideia de que, assim, “estamos salvando o mundo”. E nos sentimos bem com isso.
Os problemas capitalistas estão sendo vistos como problemas morais, esclarece Zizek. Para ele, o problema disso é que, a partir desta visão, as pessoas comecem a acreditar que punições ou soluções morais são suficientes para resolver os problemas provocados pelo capitalismo.
“Vejam como o presidente (dos EUA, Barack) Obama tratou a questão do vazamento de petróleo no México. Um problema ambiental foi transformado em um problema legal. Discutiu-se o se a empresa teria de recompensar e de quanto seria essa multa. É ridículo tratar um caso desses como uma simples questão legal”, exemplifica.
A crise ambiental
Quando a preocupação com a degradação ambiental ganhou força, a mídia dizia que isso era coisa de comunista que estava arrumando uma desculpa para criticar o capitalismo, conta o filósofo. “Agora há um discurso mais ambíguo, os canais de comunicação dizem, por exemplo, que quando as camadas de gelo derreterem, vai ficar mais barato comprar os produtos chineses”, ironiza Zizek.
Para ele, há um “mecanismo de negação” em torno da questão ambiental. “Fala-se tanto da gravidade da natureza, de que o mundo pode acabar em um, dois anos, que isso amortiza a consciências das pessoas. Elas pensam: ‘Se eu falar muito nisso, talvez nada aconteça!’” ilustra o professor.
De acordo com Zizek, a ideia de sustentabilidade é um mito e não há “equilíbrio ideal com a natureza para o qual podemos retornar”. Uma das ideia mais difundidas é que devemos buscar pequenas soluções para o meio ambiente. “Vocês gostam de torcer no futebol, não? Quando vão ao estádio e ficam gritando e pulando, acham que isso faz o seu time vencer. A reciclagem é igual a essa torcida”, brinca Zizek.
Oriente Médio e África
Zizek aponta que as recentes manifestações no Oriente Médio e na África mostram, ao contrário do que o Ocidente afirmava, que eles são capazes de se organizar por questões que vão além do fundamentalismo ou do anti-ceticismo.
Para os padrões ocidentais, a liberdade em um país é medida, principalmente, na existência ou não de mecanismos eleitorais e no respeito aos direitos humanos. “A liberdade, como já dizia Marx, deve ser vista em como se dão as relações sociais. É preciso ver se as pessoas possuem liberdade dentro dos mecanismos sociais”.
Segundo o filósofo, o momento mais importante destas revoluções é o “dia seguinte”. “Estamos muito animados com estes recentes acontecimentos. Mas a verdadeira revolução precisa acontecer agora”.
Garantia Acme
Slavoj Zizek concluiu a palestra com a previsão de que, ainda que demore mais um tempo, o sistema global vai revelar como é frágil, apesar de aparentar ser invencível. “O capitalismo está na mesma situação do Coiote perseguindo o Papa-léguas. Ela já passou a linha do abismo, só falta ele olhar para baixo e ver que não está mais pisando no chão!”.
Fonte: Opera Mundi
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