Por joão Peres, Rede Brasil Atual-
São Paulo – O governo sofreu uma derrota nesta terça-feira (24) no plenário da Câmara dos Deputados durante a votação do Código Florestal. Foi a primeira da gestão da presidenta Dilma Rousseff. Boa parte da base aliada e a maioria da oposição aprovaram o Projeto de Lei (PL) 1.876, de 1999, que altera o Código Florestal. Em breve, será votada e, provavelmente aprovada, a Emenda 164, que dá aos estados o poder de legislar sobre Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Às 21h10 desta terça, a votação foi encerrada com o anúncio do resultado. Foram 410 votos a favor da emenda, 63 contra e uma abstenção. A presidenta Dilma Rousseff aposta agora no Senado para conseguir eventuais mudanças. Não será fácil: o senador Luiz Henrique (PMDB-SC), relator do Código Florestal na Comissão de Constituição e Justiça, é favorável às causas dos representantes do agronegócio. Caso seja novamente vencida, Dilma não descarta usar o direito de vetar partes do texto, que neste caso voltaria ao Congresso, correndo o risco de testar mais uma vez a força dos ruralistas. Não permitir a anistia a desmatadores é, inclusive, um dos compromissos assumidos durante a campanha eleitoral do ano passado.
A dificuldade em avançar nas negociações nas últimas semanas levou o Palácio do Planalto a apoiar a votação. Meses de discussão entre ambientalistas e ruralistas culminaram, em plenário, numa sessão cheia de tensões e na qual parte da bancada do PT, formada por defensores da agricultura familiar e da causa ambiental, viu-se contrariada. O deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (SP), havia manifestado pelo Twitter não ver condições de aprovar o texto de Rebelo. Na reunião da bancada, no entanto, foi derrotado pelo apertado placar de 26 a 23. Em plenário, Vicentinho seguiu a decisão partidária, mas 34 de seus colegas preferiram manter a posição contra o PL 1.876.
O líder da bancada, Paulo Teixeira (SP), fez em plenário um discurso que demonstrava críticas ao relatório de Rebelo, ao mesmo tempo em que pontuava a necessidade de votar o tema. "Entendemos que muito foi construído e parte dessa construção continuamos divergindo. São divergências que não são pequenas." Ele afirmou que tinha esperança de apresentação de emendas supressivas para o que ele considera retrocessos no texto – além de frisar a possibilidade de veto pela presidenta Dilma.
Com a adesão da bancada petista, a aprovação do projeto em si era dada como certa. Os representantes do agronegócio, que dominam ao menos um terço das vagas no Congresso, tampouco tiveram dificuldade para derrubar os requerimentos que visavam a retirar da pauta do dia o texto de Aldo Rebelo (PCdoB-SP).
A dúvida gira ainda em torno da Emenda 164, apresentada pelo PMDB, que visa a dar aos estados o poder de regularização de áreas desmatadas. O texto deve ser aprovado na sequência. “O problema da emenda não é só conceder aos estados poder para legislar sobre meio ambiente, ela também abre brecha para consolidar todas as áreas desmatadas irregularmente, o que significa anistia para os desmatadores”, ponderava o líder do governo, Cândido Vaccarezza.
Vaccarezza foi além ao manifestar a posição do governo. "Não vamos permitir anistia a desmatadores. E queremos garantir que os reincidentes deverão ter pena maior do que a primeira agressão", disse. "Queremos resolver problema dos pequenos agriculturas, que são milhões neste país, em APPs de rio, sem abrir mão das matas ciliares. Esses temas vão ser rediscutidos no Senado", insistiu.
Causa própria
Em visita à Câmara, a presidente Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), deu o tom dos discursos que vêm sendo mantidos nos últimos anos. “O que está em jogo é a produção de alimentos neste País, atividade que praticamente segura a economia nacional”, defendeu a senadora Kátia Abreu, cuja entidade enviou manifestantes às tribunas da Casa.
Ela é uma das beneficiadas diretas pela aprovação do texto de Rebelo. Segundo levantamento feito pelo jornal Correio Braziliense, ao menos 15 deputados e três senadores serão absolvidos do pagamento de autos de infração graças ao texto em tramitação no Congresso. O artigo 180 do regimento interno da Câmara dispõe que parlamentares se declarem impedidos em casos claros de conflito de interesses. Não foi o que se viu. “Não adianta estrebuchar, não adianta continuar com essa conversa mole de que estamos incentivando o desmatamento porque isso é mentira”, bradava Moreira Mendes (PPS-RO), outro beneficiado direto.
Chico Alencar (PSOL-RJ) rebateu as críticas de ruralistas – encampadas por Rebelo – de que os contrários à alteração do Código Florestal são representantes de interesses de organizações não governamentais estrangeiras. "A Monsanto e outras grandes empresas podem ter financiado alguns aqui. Vamos ver quem é quem. Diz-me quem te financias e te direi que interesses você vai defender em seu mandato.”
Ambientalistas
Saem contrariados da votação setores acadêmicos que analisaram o tema. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC) realizaram estudo mostrando que as alterações propostas por Rebelo não têm qualquer base científica. Para as duas entidades, seria necessário debater o tema a fundo por pelo menos mais dois anos antes de uma eventual votação.
Alfredo Sirkis (PV-RJ) classificou o relatório como “criminoso” e lembrou que há inúmeras alternativas para produzir sem precisar desmatar. “Esse relatório é de uma desonestidade intelectual abissal. Não precisaria ser assim. Teria sido possível, mediante uma discussão séria, se chegar a um consenso nessa Casa.”
Oposição
A votação do Código Florestal teve efeitos também sobre a bancada da oposição. Não houve unanimidade dentro do PSDB a favor do projeto. Mais profundo foi o efeito sobre o bloco PV-PPS, que reunia 26 deputados e agora chegou ao fim. Os verdes queriam a rejeição das mudanças propostas por Rebelo, mas o PPS se posicionou a favor do relatório.
“Nem todos aqui são reféns dos ruralistas. A grande maioria não foi eleita pelos ruralistas, não tem compromisso com o desmatamento, não tem o compromisso de defender os interesses pessoais em detrimento da sociedade”, lamentou o líder do PV, Sarney Filho (PV-MA).
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