A Publica- por Alceu Luís Castilho
Em votação no Congresso, novo
marco alavanca negócios bilionários, defendidos pela bancada da mineração; em
risco, o futuro das reservas, do ambiente e de comunidades tradicionais
As veias do Brasil continuam
abertas. De olho nelas, os políticos. Diferentemente da bancada ruralista, os
parlamentares ligados à mineração orbitam em torno do poder do PMDB no setor.
Mas um PMDB ampliado, com parceiros em outros partidos. A Frente Parlamentar da
Mineração Brasileira, com 196 membros, é uma pista falsa sobre o tema. Traz até
políticos que criticam abertamente o loteamento no setor. Fomos atrás da
história real. E bem mais intrincada.
Dono de uma empresa de mineração,
a Vale do Sol, um dos senadores da real bancada da mineração atende pelo nome
de Edison Lobão Filho (PMDB-MA). Ele é filho do ministro das Minas e Energia.
Outro senador, autor de projeto de lei que autoriza a mineração em terras
indígenas, é investigado pela Procuradoria Geral da República, acusado de
beneficiar a Vale S/A, a maior mineradora do Brasil, segunda do mundo. Chama-se
Romero Jucá (PMDB-RR). O caso foi parar, no fim de agosto, no gabinete do
ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Deputados responsáveis pela
discussão do novo Código da Mineração indicam políticos para as
superintendências do Departamento Nacional de Produção Mineral. O DNPM é um
órgão responsável pelas autorizações e fiscalizações no setor. Gera royalties
que ultrapassam R$ 1 bilhão por ano. Alguns destes superintendentes são alvos
de investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. Sob a acusação de
beneficiarem empresas mineradoras e até políticos.
O conflito de interesses no
Congresso não para por aí. Os mesmos parlamentares que participam de Comissão
Especial para discutir o tema na Câmara têm suas campanhas financiadas por
algumas das maiores corporações do setor mineral. Com valores significativos em
relação aos gastos totais. Muitos desses políticos são do PMDB, partido que
controla o Ministério das Minas e Energia, o DNPM e as emendas para o Código da
Mineração.
Boa parte dos nomes mencionados
nesta reportagem pertence à elite dos caciques do partido. Ou por eles foram
indicados. Do poder no Senado, como o de José Sarney (AP), até o da Câmara,
como o de Eduardo Cunha (RJ).
Enquanto isso, os parlamentares
mais influentes enriquecem durante o exercício dos seus cargos. Um desses
deputados, Leonardo Quintão (PMDB), relator do novo Código, é um exemplo de
parlamentar bem-sucedido. Entre 2002 e 2010, o advogado e economista teve seu
patrimônio multiplicado de R$ 314 mil para R$ 2,6 milhões. Enriqueceu 8 vezes
em oito anos. É ligado a Eduardo Cunha, o líder do PMDB.
A Agência Pública faz aqui um
resumo dessa ópera. Primeiro, traz um levantamento inédito dos nomes de
políticos que indicaram superintendentes para o DNPM. Depois, resume um estudo
do Ibase sobre as doações de campanha para os parlamentares que tratam do tema.
Em meio aos levantamentos, faz um resumo das investigações em curso envolvendo
políticos. Entre elas uma bem recente: um diretor do DNPM acusado por
funcionários do órgão no Maranhão de beneficiar um ex-deputado, secretário no
governo de Roseana Sarney.
Quem manda é o PMDB
O Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) é um órgão ligado ao Ministério das Minas e Energia (MME). Cabe
a ele autorizar lavras, e fiscalizar as atividades mineradoras. Após ter ficado
anos nas mãos do PT, quem tem controlado o órgão, desde o fim do governo Lula,
é o PMDB, que detém as indicações da maior parte das superintendências do DNPM.
Com algumas concessões para outros partidos da base governista, como o PP, o
PSB e o próprio PT.
Deve-se observar que o ministro
Edison Lobão, desde a Constituinte ligado a cargos poderosos no Congresso (ele
presidiu na ocasião a Subcomissão de Reforma Agrária), é um cacique discreto do
PMDB, diretamente ligado ao ex-presidente José Sarney. Mas outros nomes
importantes do partido emergem das listas, como o líder na Câmara, Eduardo
Cunha – um dos mais influentes do país e a principal dor-de-cabeça do governo
Dilma Rousseff.
A seguir publicamos um quadro com
os políticos e partidos que indicaram os dois principais diretores do DNPM e a
maior parte dos 25 superintendentes. Note-se que muitos atuam em comissões
importantes do Congresso, como a Comissão de Minas e Energia, permanente na
Câmara, e a Comissão Especial de Mineração, específica para discutir a reforma
do Código:
Leonardo Quintão, João Magalhães,
José Priante e Rose de Freitas fazem parte da Comissão Especial que discute o
novo Código da Mineração. Rose e Camilo Cola estão na Comissão de Minas e
Energia.
O superintendente no Amapá,
Antônio da Justa Feijão, já foi deputado federal, pelo PSDB. É do PTC. Ele
possui R$ 6 milhões, boa parte por causa de um imóvel em Macapá no valor de R$
5,63 milhões. Isto conforme a declaração de bens de 2010. Em 2000, ele possuía
um valor 270 vezes menor: R$ 22 mil.
O líder do PMDB, Eduardo Cunha,
conseguiu emplacar até um fisioterapeuta à frente do DNPM fluminense. Cunha é o
líder em emendas apresentadas para o novo Código da Mineração: nada menos que
90 emendas. O segundo colocado, Bernardo Vasconcellos (PR-MG), apresentou bem
menos: 24 emendas. Juntos, os deputados do PMDB apresentaram 114 emendas,
diante de 373 apresentadas por parlamentares de outros partidos.
“A maioria dessas emendas do
Eduardo Cunha é ruim”, diz Carlos Bittencourt, pesquisador do Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). “Elas tentam enfraquecer
as iniciativas de maior controle. O que o novo código tem de positivo ele tenta
piorar”. O deputado Padre Ton (PT-RO), que defende os povos indígenas no
Congresso, também não vê um quadro político positivo: “80% dos deputados na
Comissão Especial são a favor das mineradoras”.
Interesse direto
A teia da Bancada da Mineração no
Congresso – e no Executivo – inclui relações de parentesco e amizade. Ou a
propriedade de empresas de mineração pelos próprios parlamentares.
O deputado federal Camilo Cola
(PMDB-ES), um dos mais ricos do Congresso, possui duas marmorarias. Ele faz
parte da Comissão de Minas e Energia e apresentou dez emendas ao Código da
Mineração. O chefe do DNPM no Piauí é irmão do deputado licenciado Átila Lira (PSB-PI),
secretário de Estado da Educação e possível candidato ao governo estadual. O
superintendente na Bahia, Danilo Behrens Correia, tem um filho dono de uma
empresa de consultoria no setor de mineração. Quem indicou Behrens foi o
deputado Arthur Maia (PMDB-BA), ligado ao empresário João Carlos de Castro
Cavalcanti, ex-sócio de Eike Batista e um dos gigantes do setor no Brasil. Com
um patrimônio de R$ 2,34 bilhões, Cavalcanti quer transformar sua empresa, a
World Mineral Resources Participações S.A. (WMR), em uma nova líder do setor.
Já teve mais de R$ 150 milhões bloqueados por decisão judicial.
Maia conseguiu a indicação em
2011, após disputa com o PT. Em 2003, os royalties na Bahia movimentavam R$ 3
milhões. Oito anos depois, ultrapassavam R$ 33 milhões. É um dos mais
estratégicos no setor, ao lado do Pará e de Minas Gerais. Os petistas
reclamaram, na ocasião, que os peemedebistas ameaçavam abrir uma CPI para
apurar as finanças do DNPM. Assinaturas foram recolhidas por Lúcio Vieira Lima
(PMDB-BA), irmão do candidato ao governo Geddel Vieira Lima, José Priante
(PMDB-PA) e Leonardo Quintão (PMDB-MG). Maia e Priante ganharam o direito de
indicar superintendentes; Quintão, o diretor-geral. A CPI não foi aberta.
O superintendente de Alagoas,
José Antonio Alves dos Santos, tem entre suas tarefas fiscalizar o trabalho de
empresas de mineração como a do deputado estadual Olavo Calheiros Filho
(PMDB-AL). Ele é irmão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), outro
dos principais líderes do PMDB. Em 2006, Olavo foi multado pelo DNPM, por não
ter autorização para pesquisa no subsolo de suas terras. Caberá a Santos também
fiscalizar a Portobello, líder no setor de cerâmicas, que está entrando em
Alagoas com a bênção do senador. O suplente de Renan, Fábio Farias (PMDB-AL), é
conselheiro da Portobello.(Olavo Calheiros é outro político que teve salto
extraordinário em seus bens. Em 1996, possuía R$ 38 mil. Em 2010, o valor
saltou para R$ 4,1 milhões.)
Em Santa Catarina, o
superintendente Ricardo Peçanha chegou a viajar para a China com o deputado
estadual Valmir Comin (PP-SC), em missão internacional. Comin faz parte do
grupo do deputado federal João Pizzolatti, que indicou Peçanha ao cargo no
DNPM. É proprietário da empresa de mineração Comin & Cia Ltda.
A lógica é a da aproximação. Em
2010, os senadores Garibaldi Alves (PMDB-RN), que indicou o superintendente
Roger Garibaldi, e Valdir Raupp (PMDB-RO), membro de uma subcomissão de
Mineração e Terras Raras no Senado, pediram ao ministro Edison Lobão
gratificações para funcionários do DNPM. O órgão admite atender especificamente
pedidos de deputados e senadores. Mas diz que esses pedidos são para
“terceiros”, e não para benefício dos próprios políticos.
Financiamento de campanha
O Ibase lançou em agosto um
documento que mostra a influência política das empresas mineradoras junto aos
parlamentares que decidem sobre o tema. O estudo feito pela pesquisadora
Clarissa Reis Oliveira se chama “Quem é Quem nas Discussões do Novo Código da
Mineração”.
O trabalho traz detalhes sobre as
doações de campanha feitas pelas seguintes empresas, em 2010: Vale, Votorantim,
AngloGold, Usiminas, Kinross e MMX (Eike Batista).
A Vale só doou para os comitês
nacionais de campanha, ou diretórios nacionais. E não para candidatos
individuais. Ao todo, foram R$ 29,96 milhões. A maior parte foi para o PT (R$
10,38 milhões) e PSDB (R$ 6,95 milhões). Note-se que esses dois partidos
tiveram os dois principais candidatos à Presidência da República. Em seguida,
porém, vem o PMDB, com R$ 5,76 milhões.
A Vale informa que não financia
parlamentares, não financia partidos. E que as empresas vinculadas a ela
financiaram12 partidos, e não três. (Os valores são mais tímidos para outros
partidos.) A empresa diz que o financiamento de campanha no Brasil é feito por
empresas privadas, de forma legal, e, portanto, não há conflito de interesses.
Se houvesse, informa a assessoria da empresa, seria de “todas as empresas com
todos os partidos”.
O relator do novo Código da
Mineração, Leonardo Quintão (PMDB-MG), pré-candidato ao governo mineiro,
recebeu R$ 70 mil da Usiminas. O deputado federal Bernardo Santana de
Vasconcellos (PR-MG), o segundo em número de emendas apresentadas (24), atrás
apenas do líder de seu partido, Eduardo Cunha, teve 70% de sua campanha
financiada por empresas ligadas ao setor de mineração.
O responsável no Ibase pelo acompanhamento da
política em Brasília, Carlos Bittencourt, considera um dos casos mais gritantes
o de Quintão: 20% de sua campanha foi financiada pelas mineradoras. “Como
coincidência, ele é relator, mais importante, portanto, que o presidente da
comissão”, diz o pesquisador. “Se um juiz fosse julgar, teria de ser impedido.
No caso da nossa República, infelizmente não”.
Em 2006, o senador Delcídio
Amaral (PT-MS), que indicou o superintendente do DNPM no Mato Grosso do Sul,
recebeu R$ 300 mil da Vale, por meio da Urucum Mineração, como financiamento de
campanha. Naquele ano um dos que mais tiveram a campanha financiada por
empresas ligadas à Vale (Urucum, MBR, Caemi) foi o senador Aécio Neves
(PSDB-MG), com R$ 1,05 milhão. José Sarney (PMDB-AP), padrinho do ministro
Edison Lobão, recebeu R$ 400 mil. Sua filha Roseana, R$ 1,3 milhão.
O jornal Valor Econômico informou
no dia 25 de setembro que Quintão, definido como um político “jovem e cheio de
fôlego”, cogita mudanças importantes no texto enviado pelo governo para o
Código da Mineração. Pretende garantir, segundo o jornal, “algum direito de
prioridade” na exploração de minérios por empresas que se dedicaram às
atividades prévias de pesquisa.
Investigações
À indicação política dos cargos
de direção e superintendências do DNPM soma-se o fato de que muitas
autorizações são suspeitas. No Maranhão, os servidores do DNPM protocolaram em
novembro do ano passado uma denúncia contra o diretor de Gestão de Títulos
Minerários, Jomar da Silva Feitosa. Contra o responsável, portanto, pela
administração da concessão de títulos. Segundo os servidores e empresários
mineradores, ele estaria cobrando propina para liberar processos pendentes.
O esquema funcionaria desde 2009.
Alguns denunciantes estariam sem poder trabalhar por se recusarem a pagar até
R$ 250 mil para receberem as licenças. Os servidores apresentaram documentos
que comprovariam a história. Multas ligadas a políticos maranhenses, dizem os
funcionários, foram pagas pelo próprio diretor, com desconto direto do valor do
boleto em sua conta bancária.
Isso teria acontecido em outubro
de 2010, com o ex-deputado estadual Ricardo Archer, desde o dia 17 de setembro
secretário de Articulação Política do governo de Roseana Sarney (PMDB-MA). Ele
protocolou o processo nº 48422-906332/2010 solicitando o parcelamento de uma
multa em oito vezes. Conforme a denúncia, as parcelas de R$ 301,63 foram
descontadas diretamente da conta de Feitosa.
Tanto Archer como o filho,
homônimo, declararam à Justiça Eleitoral serem sócios da Gessomar Indústria de
Gesso. Na declaração do pai, com 90% das cotas, ela vale R$ 225 mil. As cotas
do filho somam R$ 100 mil. O filho, suplente de deputado federal, possui ainda
cotas numa empresa mineradora, a Gipsita. Todas as empresas ficam em Codó, onde
Archer foi prefeito.
A Procuradoria da República no
Maranhão informa que a denúncia foi encaminhada ao Departamento da Polícia
Federal no Maranhão (DPF/MA) em dezembro de 2012 e que, desde então, não chegou
ao MPF nenhuma outra movimentação a respeito. A Polícia Federal disse que não
pode fornecer informações sobre o caso.
Segundo o Associação Nacional dos
Servidores do Departamento Nacional de Produção Mineral, o DNPM enviou no dia
20 de setembro (três dias após ser procurado pela reportagem da Pública), um
informe sobre o caso. Esse documento, assinado pelo diretor-geral, diz que o
caso foi encaminhado à Corregedoria, para providências.
O DNPM não falou sobre o caso.
Ricardo Archer, sim. “A única coisa que eu fiz foi indicar o Jomar para o DPNM
do Maranhão”, conta. “Indiquei o nome dele, porque ele já trabalhava comigo,
nas minhas empresas. Era despachante, cuidava das formalidades junto a meio
ambiente, DNPM”.
Feitosa ficou dez anos nas
empresas de Archer, hoje em nome de Archer Filho e de outro filho. “Logo depois
que entrou conquistou a confiança do ministro Lobão e do senador Lobão Filho”,
relata Archer. “Então eles o levaram para Brasília, para essa diretoria. Aí eu
fiquei de fora”.
Segundo Archer, a denúncia dos
servidores surgiu por causa de uma briga dele com o gerente que o substituiu no
DNPM em São Luís. Indagado sobre o pagamento de sua multa por Feitosa, afirmou
que não. Mas admitiu a hipótese. “Mesmo que tenha pago, deve ter recebido
dinheiro para fazer isso”, diz o secretário. “Não sei a verdade”.
Archer variou a versão durante o
telefonema. Chegou a dizer que não recebeu multa, mas depois declarou que o
DNPM “sai jogando multa para cima de todo mundo, em tudo”. E diz que nunca foi
notificado por ninguém – seja Ministério Público, Polícia Federal ou o próprio Ministério
das Minas e Energia.
Outros casos
Não se trata de um caso isolado.
A extensão das investigações envolvendo o DNPM atinge casos famosos. Um deles
cita a construtora Delta que também atua no setor de mineração. Durante a
Operação Monte Carlo, a Polícia Federal detectou que o bicheiro Carlinhos
Cachoeira pedia intervenção do então senador Demóstenes Torres (DEM-GO) junto
ao DNPM para acelerar processos relativos à Delta. A empreiteira e o
ex-superintendente em Goiás (indicado pelo ex-governador Maguito Vilela)
negaram a história.
E tem mais. Pelo menos dois
prefeitos do PMDB foram denunciados pelo Ministério Público, em 2011 e 2012,
por extração ilegal de recursos minerais. Salvador Alves de Brito, de Potiraguá
(BA), por extrair um volume de granito sete vezes mais do que era autorizado.
Ele declarou uma jazida de granito à Justiça Eleitoral por R$ 500 mil. O
prefeito de Rolante (RS), Pedro Luiz Rippel, foi denunciado também por
usurpação de bem da União e por não recuperar áreas degradadas, ao extrair
saibro de 22 áreas públicas e privadas.
O próprio ministro Edison Lobão
motivou, em 2011, uma investigação pela Procuradoria da República em Brasília,
por suposto auxílio à Vale. Isto pelo adiamento de uma dívida de quase R$ 4
bilhões da empresa com o DNPM (que cresceria para mais de R$ 5 bilhões), pelos
royalties da exploração de minério de ferro. A assessoria de Lobão disse na
época que o ministro não tomou decisão sobre o assunto nem tinha ingerência
sobre os atos do DNPM.
Edison Lobão é mais um político
que enriqueceu nos últimos anos. Em 2002, declarou R$ 1,66 milhão em bens. Em
2010, R$ 5,09 milhões.
A Vale começou a pagar no ano
passado parte dessa dívida com o DNPM. Após um ano e meio de negociação, a
empresa reconheceu uma dívida de R$ 1,4 bilhão.
O caso Jucá
A Vale volta à cena em caso
envolvendo o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Ex-presidente da Fundação Nacional
do Índio (Funai), quando autorizou a exploração madeireira em terras indígenas,
autor de projeto de lei que autoriza a mineração em terras indígenas, líder do
governo Lula, líder do governo Fernando Henrique, o senador também está sendo
investigado.
No dia 26 de agosto o ministro
Dias Toffoli avaliou um caso encaminhado pela então subprocuradora-geral
Cláudia Sampaio Marques, em parecer aprovado pelo procurador-geral (à época),
Roberto Gurgel, onde ela aponta um esquema envolvendo a Diagonal Consultoria
S/C Ltda, cujos “verdadeiros donos são Álvaro e Romero Jucá”.
Segundo a denúncia acolhida pela
procuradora, quando alguma propina precisa ser paga, por empreiteiras que
realizam obras públicas, a Diagonal Urbana é “contratada”. Isto pela influência
do senador nas verbas do orçamento. O denunciante dá como exemplo um serviço em
Carajás com a Vale. Ele coloca a palavra “serviço” entre aspas. Esse serviço
“liberou mais de 5 milhões de reais para a Diagonal”, conforme o resumo feito
por Cláudia. Vejamos mais um trecho:
“Esse trabalho foi fruto de uma atuação do
Senador Romero Jucá em favor de uma pendenga da Vale que ele resolveu. Com o
dinheiro em conta a Diagonal retorna aos seus donos pagando campanha (…), ou
pagando as contas do falido Shopping Paço Alfândega em Recife, ou ainda
comprando casas em Brasília para a mãe da filha do Senador”.
Diante da inexistência inicial de
elementos que indicassem o envolvimento de Jucá nos fatos, foram feitas
diligências em São Paulo e outros estados. A Procuradoria da República em São
Paulo, então, “constatou, uma vez mais, o possível envolvimento de Romero Jucá
nos fatos investigados”, o que levou ao encaminhamento dos autos, “novamente”,
ao STF.
Álvaro Jucá, irmão do senador,
declarou, então, que fundou a Diagonal e esteve ligado a ela entre 1990 e 2001.
Depois ficou apenas como diretor-executivo e retornou a ela em 2010, como
sócio. Ele contou que a Diagonal fez doações de campanha, em 2010, para o
Diretório Estadual do PMDB em Roraima. Que comprou um imóvel em 2004, no Setor
de Mansões Dom Bosco, em Brasília, onde mora a filha de Jucá, sua sobrinha. E
que a aquisição desse imóvel “ocorreu por ocasião de um possível serviço que
seria feito pela Diagonal em Brasília, mas que acabou não dando certo”.
A denúncia entregue pelo Ministério
Público ao STF informa que, no caso dos documentos encaminhados pela Vale, a
empresa informou a existência de apenas dois contratos. Mas foram enviadas
notas fiscais relativas a diversos outros firmados com a Diagonal. A Vale
apresentou notas fiscais no valor de R$ 28 mil, em relação a um contrato de R$
259,5 mil.
Dias Toffoli analisou as provas
complementares e não viu qualquer alteração que indique o envolvimento de Jucá
na prática de qualquer ato ilícito. “A realização de doações em favor de agremiações
partidárias por empresa em que o irmão de político figure como quotista, em
princípio, não importa em qualquer ilegalidade”, escreveu o ministro. A falta
de registro de propriedade e utilização do imóvel pela filha de Jucá, também
não.
Como não viu indício de tráfico
de influência de Jucá em benefício da Vale, o ministro devolveu o caso à
Procuradoria-Geral da República para nova manifestação, que justifiquem o
aprofundamento das investigações no STF.
A PGR informa que o caso está em
segredo de justiça e não pode se pronunciar a respeito.
A gerente de imprensa da Vale
ligou para a reportagem, tentando convencê-la de que não havia um caso para
publicação. “Trata-se de uma denúncia anônima, a investigação é em relação à
Diagonal, e não à Vale, e o ministro já disse que não há qualquer ilegalidade”.
As leis e seus efeitos
O coordenador geral da
organização indigenista Operação Amazônia Nativa (Opan), Ivar Busatto, lembra
que foi Romero Jucá quem autorizou contrato de indígenas com madeireiras, nos
anos 80, quando era presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). “Ele
abriu a porteira para um processo de degradação ambiental, social, cultural,
favorecendo o crime organizado em terras indígenas”, afirma.
Agora é a vez do PL 1610, de
1996, de autoria de Romero Jucá, que autoriza a exploração de minérios em
terras indígenas. Em discussão no Congresso, pode ser aprovado em 2013. “Quer
abrir outra porteira”, diz Busatto. O deputado Padre Ton diz que o relator do
PL é o deputado Édio Lopes (PMDB-RO), “ligado a Jucá”.
A inexistência ou desatualização
de leis também tem suas implicações. Um documento do Ministério Público Federal
em Roraima, assinado no ano passado pelo procurador Fernando Machiavelli
Pacheco, informa que há procedimentos em trâmite no DNPM por mais de vinte
anos, sem qualquer decisão, “aguardando eventual lei nova que venha a
beneficiar determinados particulares”.
“Se você for ao DNPM em Rondônia
é uma desorganização só”, conta o deputado Padre Ton. “Os processos estão todos
comidos por cupim. É a coisa mais escabrosa que possa existir”. O que mais
preocupa o deputado é a configuração do parlamento brasileiro, “que acaba
aprovando projetos a toque de caixa, ou na calada da noite”.
Na discussão do novo Código da
Mineração, mais problemas. Carlos Bittencourt, do Ibase, conta que as médias e
pequenas empresas fazem pressão para manter o mecanismo atual de prioridades na
exploração: quem chega primeiro. Ele defende o mecanismo de licitações previsto
no novo marco regulatório. Mas critica o debate político “subterrâneo”, como os
próprios minérios.
“É muito invisibilizado, talvez
mais nefasto que o Código Florestal, pois as florestas se renovam”, diz
Bittencourt. “Os minérios se esgotam. Isso pode significar a extinção, em 40
anos, de uma série de recursos de alta qualidade. O novo Código melhora em
alguns aspectos o controle, mas é expansivo, para viabilizar o Plano de
Mineração 2030. Este diz que se poderá até quintuplicar a extração de alguns
minérios. Isso significa que você diminui pela metade o tempo de duração de
algumas reservas. Sobrariam só algumas minas marginais”.
E os políticos não parecem
interessados em agregar qualquer transparência à discussão. Salvo o ex-deputado
Ricardo Archer, os políticos procurados pela reportagem não deram retorno aos
pedidos de entrevista. Entre eles o ministro Edison Lobão, o senador Romero
Jucá, os deputados Eduardo Cunha e Leonardo Quintão. O Ministério das Minas e
Energia recebeu pedidos de esclarecimentos sobre os diversos temas da
reportagem, além da solicitação de entrevista com o ministro, mas não deu
retorno.
A assessoria do diretor-geral do
DNPM, Sérgio Dâmaso, informou que enviaria um email com esclarecimentos sobre
indicações políticas e as denúncias envolvendo servidores. Mas, até o
fechamento desta edição, não houve retorno. Em um dos telefonemas, o assessor
disse que as indicações políticas saem diretamente do Ministério das Minas e
Energia, e não do DNPM. Este apenas as acata.
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