por Martha Neiva Moreira
Há 20 anos, os professores do município do Rio
de Janeiro não faziam greve. Nos últimos dias, no entanto, os mais de 40 mil
professores da rede pública do Rio estão nas ruas com uma pauta que, até então,
não aparecia nas reivindicações da categoria. Além do aumento salarial, eles
estão lutando por uma política de educação que lhes dê autonomia e acabe com a
meritocracia. Depois dos acontecimentos desta terça-feira (1/10), eles
enfrentam também o novo plano de cargos e salários da Educação, que acaba de
ser aprovado pela Câmara de Vereadores por 32 votos a 11, e a repressão por
parte da Polícia Militar (PM). Reproduzindo o comportamento truculento que vem
sendo duramente criticado desde o início das manifestações de junho, a PM usou
um arsenal pesado de bombas de efeito moral para dispersar manifestantes que
protestavam contra a votação em andamento dentro da Câmara.
Professores e apoiadores da causa
da categoria passaram horas encurralados pela polícia nas imediações da
Cinelândia. O efeito do gás era tão forte que havia muita gente passando mal,
inclusive idosos e até crianças passando pelo local. O tempo todo, os profissionais
da educação tentavam voltar para a praça, onde está o acampamento do Ocupa
Câmara, movimento que se iniciou na instauração da comissão eleita para
investigar a CPI dos Ônibus. Na última quinta-feira, os professores ocuparam
salões da Câmara, até a noite de sábado, quando foram violentamente retirados
pelos policiais. A retirada causou revolta, especialmente porque foi feita sem
um mandado judicial de reintegração de posse. Desde então, eles se uniram aos
manifestantes do Ocupa Câmara. Segundo representantes da categoria, a
agressividade da polícia é tanta que tem estimulado o movimento, agregando cada
vez mais professores e atraindo simpatizantes de várias idades e profissões.
- A grande mídia e opositores da
classe dos professores têm dito que a maioria dos manifestantes nos últimos
protestos não é de professores, numa tentativa de desqualificar o movimento.
Saibam, no entanto, que é, sim, em professor que o Estado está batendo. O
Eduardo Paes (prefeito do Rio) foi o responsável por este plano votado hoje. A
educação está sendo precarizada no Rio. Não estamos falando apenas de salários,
falamos de projeto pedagógico.
Esse debate em torno do projeto
pedagógico das escolas é fato novo, segundo Regina de Assis, ex-secretária
municipal de Educação e consultora na área:
- Até então as graves eram
salariais. O inusitado desta é a ênfase na questão pedagógica, o que demonstra
a insatisfação dos docentes com a atual política da secretária de Educação,
Claudia Costin.
Nas 1064 escolas municipais do
Rio vigora, hoje, o sistema de meritocracia. Ou seja, os professores têm metas,
cujo resultado incide diretamente no salário. Para a professora Regina, que é
professora aposentada das faculdades de Educação da UERJ e PUC-Rio, o mecanismo
não é eficaz quando se aplica no universo escolar:
- Escola não é linha de produção.
Professor não é gerente com metas. Criança não é robô para dar resultado
esperado a partir de metas. O professor deve ganhar bem para se dedicar ao
trabalho de ensinar. Muitas vezes, eles têm que lidar com crianças com
problemas sérios em casa. Ele precisa ter tranquilidade para se dedicar ao
trabalho e, tendo que atingir metas, isso fica difícil. Nos Estados Unidos,
este mecanismo é implantando desde 1966 e não deu certo, pois acabou criando um
ambiente de corrupção nas escolas – disse Regina de Assis.
Os professores estão
reivindicando ainda autonomia. Isso porque, com a atual política, boa parte da
metodologia aplicada em sala de aula e do material pedagógico é oferecida por
terceiros. Regina lembra que a rede conta com várias equipes de professores
capacitados, muitos mestres e doutores, para desenvolver e atualizar materiais
de apoio. Além disso, o Rio de Janeiro conta com quatro universidades de peso –
PUC, UFRJ, UFF e Uerj – que, para Regina, não estão sendo consideradas.
- A atual gestão deixou de lado o
que era feito pelos professores da rede e deu lugar a materiais feitos por
entidades como Instituto Sangari, Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton
Sena e Instituto Alfa e Beta. O resultado são materiais de baixa qualidade, que
não se conectam com a realidade da rede municipal do Rio. Se fosse para
contratar terceiros, poderiam contratar as grandes universidades do Rio, que
têm profissionais de primeira linha produzindo material para a escola.
Só para citar um exemplo, a rede
municipal do Rio de Janeiro era a única em todo o país que contava com uma
revista de capacitação de professores – a Nós da Escola, distribuída
gratuitamente – produzida por uma equipe de educadores do município e
jornalistas. Quando a atual secretária Claudia Costin tomou posse, em 2008, ela
acabou com a revista e, no lugar, fez assinatura para cada um dos 40 mil
professores da Nova Escola, revista da editora Abril, do Instituto Victor
Civita, de onde Costin foi vice-presidente por dois anos.
[Colaboraram: Camila Nobrega e
Natasha Ísis].
Fonte: Diario Liberdade e Adital
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