Thierry Meyssan
A parte esquerda desta
fotografia foi repetidamente publicada pela imprensa atlantista. A vítima, uma
criança síria curda, Aylan Kurdi, é suposta ter sido devolvida pelo mar. No
entanto, o seu cadáver está perpendicular às ondas em vez de lhes ser paralela.
A presença, sobre a parte direita da imagem, de um fotógrafo turco oficial
confirma a ideia de uma encenação. Ao longe, distinguem-se alguns banhistas.
Uma onda de emoção submergiu,
brutalmente, as populações vivendo no espaço da Otan. De repente, elas tomaram
consciência do drama dos refugiados no Mediterrâneo; uma tragédia que dura há
vários anos perante a indiferença geral permanente.
Esta reviravolta é devida à
publicação de uma fotografia mostrando uma criança afogada, atirada a uma praia
turca. Pouco importa que esta imagem seja uma grosseira montagem: o mar rejeita
os cadáveres paralelamente às ondas, nunca de forma perpendicular. Pouco
importa que ela tenha sido, instantaneamente, reproduzida nas «atualidades» de
quase todos os jornais da zona da Otan, em menos de dois dias. Afinal estão
sempre a a dizer que a imprensa ocidental é livre e pluralista.
Prosseguindo no mesmo registo, as
televisões multiplicaram as reportagens sobre o êxodo de milhares de Sírios, a
pé, através dos Balcãs. Uma atenção especial foi dada à travessia da Hungria,
que, primeiro, construiu até uma inútil barreira em arame farpado, depois
multiplicou as decisões contraditórias de modo a que se pudesse filmar
multidões caminhando ao longo de vias férreas, e tomando comboios(trens-br) de
assalto.
«Reagindo» à emoção que
provocaram nos seus concidadãos, os dirigentes europeus «surpresos» e
entristecidos desfizeram-se sobre a maneira como irão levar socorro a estes
refugiados. António Guterres, antigo presidente da Internacional Socialista e atual
Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, convida-se para tal
debate, defendendo : «a participação obrigatória de todos os Estados membros da
UE. Segundo as estimativas preliminares, os países europeus têm uma necessidade
potencial de aumentar as oportunidades de reinstalação em 200 000 lugares»,
declara ele.
Qual é afinal o real problema,
quem o instrumentaliza e com que finalidade ?
Os refugiados do Mediterrâneo
Desde as «Primaveras árabes», em
2011, o número de pessoas tentando atravessar o Mediterrâneo e entrar na União
Europeia aumentou consideravelmente. Mais do que dobrou e elevou-se em 2014 a
626 000.
Fonte : Eurostat
No entanto, contrariamente a uma
ideia espalhada, não se trata aqui de uma vaga nova e ingerível. Em 1992,
quando a União era composta por apenas 15 dos 28 estados actuais ela albergou
ainda mais: 672 000 para um total de 380 milhões de habitantes. Existe, pois,
uma margem considerável antes que os migrantes desestabilizem a economia
europeia e os seus 508 milhões de habitantes atuais.
Em mais de dois terços estes
migrantes são homens. Segundo as suas declarações, mais da metade de entre eles
têm entre 18 e 34 anos. Em geral, não se trata portanto de famílias.
Fonte : Eurostat
Contrariamente à ideia atualmente
martelada pelos média(mídia-br), apenas menos de um terço são refugiados,
fugindo de zonas de guerra: 20% são Sírios, 7% Afegãos e 3% Iraquianos.
Os outros dois terços não vêem de
países em guerra e são sobretudo migrantes económicos.
Por outras palavras, o fenómeno
das migrações só marginalmente está ligado ás «Primaveras Árabes» e ás guerras.
Os pobres deixam os seus países, e tentam a sua sorte nos países ricos, em
virtude da ordem pós-colonial e da globalização. Este fenómeno, depois de ter
regredido de 1992-2006, recomeçou e amplifica-se progressivamente. Representa atualmente
apenas 0,12% anual da população da UE, ou seja – se for corretamente gerido—
não apresenta nenhum perigo a curto prazo para a União.
O presidente da Federação da
indústria alemã, Ulrich Grillo, pretende 800. 000 trabalhadores estrangeiros
suplementares na Alemanha. Uma vez que os acordos europeus o interditam, e a
opinião pública é hostil a isso , ele participa na encenação da «crise dos
refugiados» afim de fazer evoluir a regulamentação.
Colocam os migrantes algum problema ?
Este fluxo de migrantes inquieta
as populações europeias, mas é aplaudido pelo patronato alemão. Em dezembro de
2014, o «patrão dos patrões» alemães, Ulrich Grillo, declarou à DPA, mascarando
hipocritamente os seus interesses por trás de bons sentimentos: «Nós somos
desde há muito um país de imigração, e devemos continuar a ser». «Enquanto país
próspero, e também por amor cristão ao próximo, o nosso país deverá permitir-se
acolher mais refugiados». E, ainda mais : «Eu distancio-me, muito claramente,
de neo-nazis e de racistas que se reúnem em Dresden e em outros lados». Mais a
sério: «Devido à nossa evolução demográfica, nós garantimos o crescimento
económico e a prosperidade com a imigração» [1].
Este discurso retoma os mesmos
argumentos que os do patronato francês dos anos 70. Mais ainda hoje que as
populações europeias são relativamente instruídas e qualificadas, enquanto a
grande maioria dos migrantes não o são e podem facilmente realizar certos tipos
de trabalho. Progressivamente a chegada de uma mão de obra não-qualificada,
aceitando condições de vida inferiores ás dos Europeus, suscitou tensões no
mercado de trabalho. O patronato francês pressionou, então, para o
reagrupamento familiar. A lei de 1976, a sua interpretação pelo Conselho de
Estado em 1977 e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
desestabilizaram imenso a sociedade. O mesmo fenómeno é observável na Alemanha,
após a adopção das mesmas disposições com a inscrição, em 2007, do
reagrupamento familiar na lei sobre a imigração.
Contrariamente a uma ideia feita,
os migrantes económicos não colocam problema de identidade à Europa, fazem é
falta nos seus países de origem. Mas, ao contrário, colocam um problema social
na Alemanha, onde, devido à política inspirada, nomeadamente, por Ulrich
Grillo, a classe operária é já vítima de uma exploração brutal.
Por todo o lado, aliás, não são
os migrantes económicos, mas, sim, o subsequente reagrupamento familiar que
levanta problemas.
Quem fabrica a atual imagem da «crise de refugiados» ?
Desde o início do ano a passagem
da Turquia para a Hungria que custava 10.000 dólares baixou para 2.000 dólares,
por pessoa. É claro que alguns passadores são esclavagistas, mas muitos buscam,
simplesmente, fornecer um serviço a pessoas em aflição. Seja como for, quem
paga a diferença?
Além disso, se no início da
guerra contra a Síria o Catar imprimia e distribuía aos jiadistas da al-Qaida
falsos passaportes sírios, para que eles pudessem convencer os jornalistas
atlantistas que eram «rebeldes» e não mercenários, passaportes sírios falsos
são agora distribuídos por certos passadores a migrantes não-sírios. Os
migrantes que os aceitam pensam, muito justamente, que estes documentos falsos
facilitarão o seu acolhimento na União. Com efeito, tendo os Estados membros da
União fechado as suas embaixadas na Síria – salvo a República Checa e a
Roménia—, não lhes é mais possível verificar a autenticidade destes
passaportes.
Há seis meses atrás, eu
espantava-me com a cegueira dos dirigentes da União que não viam a vontade dos
Estados Unidos em enfraquecer os seus países, e nomeadamente com uma «crise de
refugiados» [2]. No mês passado, o magazine Info Direkt afirmou que, segundo os
serviços de Inteligência austríacos, a passagem para a Europa de refugiados
sírios era organizada pelos Estados Unidos [3]. Esta imputação ainda precisa
ser verificada, mas constitui, desde logo, uma hipótese a levar a sério.
No entanto, todos estes
acontecimentos, e estas manipulações, não teriam qualquer gravidade se os
Estados membros da União colocassem um fim ao reagrupamento familiar. O único
real problema não seria então a entrada dos migrantes, mas a sorte dos que
morressem na passagem, ao atravessar o Mediterrâneo. Ou seja, a única realidade
que não mobiliza nenhum dirigente europeu.
Que prepara a Otan ?
De momento a Otan, quer dizer o
braço armado internacional dos Estados Unidos, não se mexeu. Mas, segundo as
suas novas missões, a Aliança Atlântica reserva-se a possibilidade de intervir
militarmente logo que surjam migrações importantes.
Sabendo nós, que apenas a Otan é
conhecida por dispor da capacidade de espalhar uma intoxicação de "atualidades"
em todos os quotidianos dos seus Estados membros, é altamente provável que ela
esteja por trás da campanha atual. Por outro lado, a assimilação de todos os
migrantes à qualidade de refugiados fugindo de zonas de guerra, e a insistência
sobre a suposta origem síria destes migrantes, leva a pensar que a Otan prepara
uma ação pública ligada à guerra que ela secretamente conduz contra a Síria.
Thierry Meyssan- Intelectual
francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace.
As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe,
latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome
2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra
publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
fonte: red Voltaire
Thierry Meyssan
Tradução
Alva
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