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domingo, 13 de setembro de 2015

A falsa «crise dos refugiados»

        Thierry Meyssan

A parte esquerda desta fotografia foi repetidamente publicada pela imprensa atlantista. A vítima, uma criança síria curda, Aylan Kurdi, é suposta ter sido devolvida pelo mar. No entanto, o seu cadáver está perpendicular às ondas em vez de lhes ser paralela. A presença, sobre a parte direita da imagem, de um fotógrafo turco oficial confirma a ideia de uma encenação. Ao longe, distinguem-se alguns banhistas.


Uma onda de emoção submergiu, brutalmente, as populações vivendo no espaço da Otan. De repente, elas tomaram consciência do drama dos refugiados no Mediterrâneo; uma tragédia que dura há vários anos perante a indiferença geral permanente.

Esta reviravolta é devida à publicação de uma fotografia mostrando uma criança afogada, atirada a uma praia turca. Pouco importa que esta imagem seja uma grosseira montagem: o mar rejeita os cadáveres paralelamente às ondas, nunca de forma perpendicular. Pouco importa que ela tenha sido, instantaneamente, reproduzida nas «atualidades» de quase todos os jornais da zona da Otan, em menos de dois dias. Afinal estão sempre a a dizer que a imprensa ocidental é livre e pluralista.

Prosseguindo no mesmo registo, as televisões multiplicaram as reportagens sobre o êxodo de milhares de Sírios, a pé, através dos Balcãs. Uma atenção especial foi dada à travessia da Hungria, que, primeiro, construiu até uma inútil barreira em arame farpado, depois multiplicou as decisões contraditórias de modo a que se pudesse filmar multidões caminhando ao longo de vias férreas, e tomando comboios(trens-br) de assalto.

«Reagindo» à emoção que provocaram nos seus concidadãos, os dirigentes europeus «surpresos» e entristecidos desfizeram-se sobre a maneira como irão levar socorro a estes refugiados. António Guterres, antigo presidente da Internacional Socialista e atual Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, convida-se para tal debate, defendendo : «a participação obrigatória de todos os Estados membros da UE. Segundo as estimativas preliminares, os países europeus têm uma necessidade potencial de aumentar as oportunidades de reinstalação em 200 000 lugares», declara ele.

Qual é afinal o real problema, quem o instrumentaliza e com que finalidade ?

Os refugiados do Mediterrâneo

Desde as «Primaveras árabes», em 2011, o número de pessoas tentando atravessar o Mediterrâneo e entrar na União Europeia aumentou consideravelmente. Mais do que dobrou e elevou-se em 2014 a 626 000.



Fluxo de migrantes para União Europeia (em centenas de milhares)


    Fonte : Eurostat

No entanto, contrariamente a uma ideia espalhada, não se trata aqui de uma vaga nova e ingerível. Em 1992, quando a União era composta por apenas 15 dos 28 estados actuais ela albergou ainda mais: 672 000 para um total de 380 milhões de habitantes. Existe, pois, uma margem considerável antes que os migrantes desestabilizem a economia europeia e os seus 508 milhões de habitantes atuais.


Em mais de dois terços estes migrantes são homens. Segundo as suas declarações, mais da metade de entre eles têm entre 18 e 34 anos. Em geral, não se trata portanto de famílias.




Proporção de homensentre os migrantes entrados na União em 2014.

Fonte : Eurostat


Contrariamente à ideia atualmente martelada pelos média(mídia-br), apenas menos de um terço são refugiados, fugindo de zonas de guerra: 20% são Sírios, 7% Afegãos e 3% Iraquianos.

Os outros dois terços não vêem de países em guerra e são sobretudo migrantes económicos.

Por outras palavras, o fenómeno das migrações só marginalmente está ligado ás «Primaveras Árabes» e ás guerras. Os pobres deixam os seus países, e tentam a sua sorte nos países ricos, em virtude da ordem pós-colonial e da globalização. Este fenómeno, depois de ter regredido de 1992-2006, recomeçou e amplifica-se progressivamente. Representa atualmente apenas 0,12% anual da população da UE, ou seja – se for corretamente gerido— não apresenta nenhum perigo a curto prazo para a União.

O presidente da Federação da indústria alemã, Ulrich Grillo, pretende 800. 000 trabalhadores estrangeiros suplementares na Alemanha. Uma vez que os acordos europeus o interditam, e a opinião pública é hostil a isso , ele participa na encenação da «crise dos refugiados» afim de fazer evoluir a regulamentação.

Colocam os migrantes algum problema ?

Este fluxo de migrantes inquieta as populações europeias, mas é aplaudido pelo patronato alemão. Em dezembro de 2014, o «patrão dos patrões» alemães, Ulrich Grillo, declarou à DPA, mascarando hipocritamente os seus interesses por trás de bons sentimentos: «Nós somos desde há muito um país de imigração, e devemos continuar a ser». «Enquanto país próspero, e também por amor cristão ao próximo, o nosso país deverá permitir-se acolher mais refugiados». E, ainda mais : «Eu distancio-me, muito claramente, de neo-nazis e de racistas que se reúnem em Dresden e em outros lados». Mais a sério: «Devido à nossa evolução demográfica, nós garantimos o crescimento económico e a prosperidade com a imigração» [1].

Este discurso retoma os mesmos argumentos que os do patronato francês dos anos 70. Mais ainda hoje que as populações europeias são relativamente instruídas e qualificadas, enquanto a grande maioria dos migrantes não o são e podem facilmente realizar certos tipos de trabalho. Progressivamente a chegada de uma mão de obra não-qualificada, aceitando condições de vida inferiores ás dos Europeus, suscitou tensões no mercado de trabalho. O patronato francês pressionou, então, para o reagrupamento familiar. A lei de 1976, a sua interpretação pelo Conselho de Estado em 1977 e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desestabilizaram imenso a sociedade. O mesmo fenómeno é observável na Alemanha, após a adopção das mesmas disposições com a inscrição, em 2007, do reagrupamento familiar na lei sobre a imigração.

Contrariamente a uma ideia feita, os migrantes económicos não colocam problema de identidade à Europa, fazem é falta nos seus países de origem. Mas, ao contrário, colocam um problema social na Alemanha, onde, devido à política inspirada, nomeadamente, por Ulrich Grillo, a classe operária é já vítima de uma exploração brutal.

Por todo o lado, aliás, não são os migrantes económicos, mas, sim, o subsequente reagrupamento familiar que levanta problemas.

Quem fabrica a atual imagem da «crise de refugiados» ?

Desde o início do ano a passagem da Turquia para a Hungria que custava 10.000 dólares baixou para 2.000 dólares, por pessoa. É claro que alguns passadores são esclavagistas, mas muitos buscam, simplesmente, fornecer um serviço a pessoas em aflição. Seja como for, quem paga a diferença?

Além disso, se no início da guerra contra a Síria o Catar imprimia e distribuía aos jiadistas da al-Qaida falsos passaportes sírios, para que eles pudessem convencer os jornalistas atlantistas que eram «rebeldes» e não mercenários, passaportes sírios falsos são agora distribuídos por certos passadores a migrantes não-sírios. Os migrantes que os aceitam pensam, muito justamente, que estes documentos falsos facilitarão o seu acolhimento na União. Com efeito, tendo os Estados membros da União fechado as suas embaixadas na Síria – salvo a República Checa e a Roménia—, não lhes é mais possível verificar a autenticidade destes passaportes.

Há seis meses atrás, eu espantava-me com a cegueira dos dirigentes da União que não viam a vontade dos Estados Unidos em enfraquecer os seus países, e nomeadamente com uma «crise de refugiados» [2]. No mês passado, o magazine Info Direkt afirmou que, segundo os serviços de Inteligência austríacos, a passagem para a Europa de refugiados sírios era organizada pelos Estados Unidos [3]. Esta imputação ainda precisa ser verificada, mas constitui, desde logo, uma hipótese a levar a sério.

No entanto, todos estes acontecimentos, e estas manipulações, não teriam qualquer gravidade se os Estados membros da União colocassem um fim ao reagrupamento familiar. O único real problema não seria então a entrada dos migrantes, mas a sorte dos que morressem na passagem, ao atravessar o Mediterrâneo. Ou seja, a única realidade que não mobiliza nenhum dirigente europeu.

Que prepara a Otan ?

De momento a Otan, quer dizer o braço armado internacional dos Estados Unidos, não se mexeu. Mas, segundo as suas novas missões, a Aliança Atlântica reserva-se a possibilidade de intervir militarmente logo que surjam migrações importantes.

Sabendo nós, que apenas a Otan é conhecida por dispor da capacidade de espalhar uma intoxicação de "atualidades" em todos os quotidianos dos seus Estados membros, é altamente provável que ela esteja por trás da campanha atual. Por outro lado, a assimilação de todos os migrantes à qualidade de refugiados fugindo de zonas de guerra, e a insistência sobre a suposta origem síria destes migrantes, leva a pensar que a Otan prepara uma ação pública ligada à guerra que ela secretamente conduz contra a Síria.

Thierry Meyssan- Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).

fonte: red Voltaire

Thierry Meyssan
Tradução
Alva


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