por Wladmir Coelho
A avalanche publicitária
neoliberal ocultou da população aspectos históricos da exploração petrolífera
no subcontinente, entregue – desde o final do século XIX – às empresas privadas
internacionais, cuja prática jamais englobou de forma concreta a chamada livre
concorrência.
A razão desta atitude verifica-se
na constituição do modelo de organização da indústria petrolífera,
apresentando-se, este, sem o menor constrangimento, na forma de trustes que
dividem as áreas com potencial produtivo, a partir de acordos nos gabinetes
empresariais consubstanciados em governamentais.
A criação das empresas mistas –
cujo controle acionário foi entregue ao Estado – constituiu a resposta dos
países da América do Sul ao modelo de exploração petrolífera predatório, aplicado
a partir dos interesses dos oligopólios internacionais.
O discurso ideológico –
devidamente sustentado por milhões de dólares dos oligopólios petrolíferos –
acusava o modelo de controle estatal de ineficiente e retomava a defesa da
“concorrência”, aspecto jamais observado no setor.
Durante a década de 1990, Brasil,
Argentina, Colômbia e Bolívia iniciaram o processo de privatização do setor
petrolífero. O modelo apresentou diferenças pontuais, mas o teor se constituía,
basicamente, em desregulamentar a exploração petrolífera, permitindo ao setor
privado internacional livre atuação.
Assim observado, verifica-se a
entrega da comercialização plena do petróleo descoberto, das pesquisas
efetivadas pelas antigas empresas mistas, apontando as áreas com potencial
produtivo aos interessados privados – vejam que o famoso discurso da espionagem
precisa de aprofundamento –, somados à criação de um órgão “independente” para
regular o setor petrolífero, considerando-se os princípios do mercado.
Em alguns países, a exemplo da
Bolívia, a empresa mista assumiu a função de órgão regulador, enquanto no
Brasil foi criada a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Após a descoberta do
chamado pré-sal e a promulgação da Lei 12351/10, o Estado brasileiro cria uma
empresa para comercializar o petróleo, extraído de águas profundas, entregue
como pagamento pelo direito de exploração.
Neste caso específico, devemos
observar a submissão da Petrobras às regras mercadológicas e a transformação
desta em elemento financiador do processo de exploração, arcando, a empresa
nacional, com os maiores custos, tendo em vista a sua condição de operadora
assumindo, todavia, o controle de 30% dos blocos do pré-sal.
A primeira reação contrária ao
processo de entrega do petróleo aos oligopólios internacionais –
pós-privatização dos anos 90 – ocorreu na Venezuela, seguindo-se de reações na
Bolívia e Equador.
Estes países estabeleceram, via
de regra, empresas estatais, permitindo a participação minoritária do setor
privado. Observa-se neste aspecto como objetivo o efetivo controle do bem
petróleo em sua dimensão natural – aspecto garantido nas constituições da
maioria dos países da América do Sul, incluindo o Brasil –, ampliado à dimensão
econômica do mineral.
Neste ponto, no controle do bem
econômico petróleo encontra-se a garantia da elaboração de uma efetiva política
para o desenvolvimento nacional, incluindo os meios de controle do preço dos
combustíveis e demais derivados.
No Brasil, por exemplo, a criação
da tarifa zero necessita de uma política petrolífera em condições de garantir o
abastecimento e preços estáveis distantes das práticas especulativas dos
oligopólios. Quem vai garantir este modelo? A Shell? A CNOOC?
Citei a CNOOC e faço uma
observação. Esta empresa é controlada pelo governo da China. Sua missão é
garantir a exploração petrolífera em águas profundas e admite, em seu país, a
presença de grupos estrangeiros, utilizando para este fim o chamado contrato de
partilha da produção.
Uma análise superficial poderia
simplesmente igualar a Lei 12351/10 ao modelo chinês. Todavia, os tipos de
partilha brasileira e chinesa apresentam profundas diferenças. Em seu país, a
CNOOC detém o controle total da exploração em águas profundas e sua associação
com empresas estrangeiras realiza-se sem custos, assumindo a estatal, via de
regra, 51% após qualquer descoberta.
O Estado chinês recebe os demais
recursos decorrentes do imposto de renda, royalties e outras taxações, elevando
o seu controle para aproximados 70% do total do petróleo extraído. Observa-se,
neste caso, exatamente o oposto do modelo aplicado no Brasil.
Ao adquirir novas áreas de
exploração fora de seu território, a CNOOC aplica a política econômica chinesa
que necessariamente não se encontra de acordo com os interesses brasileiros. O
mesmo ocorrendo com a Shell, que representa interesses privados, mas igualmente
responsáveis pela elaboração de uma política econômica.
O poder econômico decorrente da
exploração petrolífera é utilizado para promover guerras, derrubar governos
populares, silenciar os opositores. O Brasil, desde o século XIX, foi impedido
de elaborar uma política econômica do petróleo em bases sólidas, tendo em vista
a falta de controle de suas áreas com potencial produtivo, tornando-se apenas
um comprador de combustíveis.
O povo brasileiro, ao apoiar em
1953 a fundação da Petrobras, pretendia proporcionar ao país exatamente o
controle do bem econômico petróleo, entendendo seu emprego como fundamental
para o desenvolvimento nacional.
A propaganda oficial, em apoio ao
leilão do petróleo, oferece um mundo de conquistas; todavia, não passa de
ilusões habilmente construídas a partir da manipulação da história, confundindo
a população com promessas de royalties para este ou aquele setor.
O ato de leiloar o petróleo
implica no rompimento desta determinação popular. Fica evidente o elevado prejuízo
resultante da entrega deste mineral aos grupos internacionais, tornando
imperativo, no mínimo, uma nova análise do processo e legislação.
Wladmir Coelho é mestre em Direito, historiador e membro do Conselho
Curador da Fundação Brasileira de Direito Econômico.
Blog do autor: Política Econômica
do Petróleo.
Fonte: Correio da Cidadania
Nenhum comentário:
Postar um comentário