O que é Black Bloc e o que
esperar dessa juventude que ganha as ruas
Após uma série de protestos e
passeatas contra o aumento da passagem em São Paulo, o governador Geraldo
Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciaram, no dia 19 de
junho, a redução das tarifas de ônibus e trem. A vitória dos manifestantes
provou a força da articulação virtual e abriu um novo caminho de se fazer
política.
“Estamos experimentando outra
maneira de expressão política, típica de uma geração fruto do período
democrático mais longo da história brasileira”, aponta Dennis de Oliveira,
professor da USP e pesquisador de Comunicação Popular, ao se referir sobre quem
são esses novos atores que surgem.
A maioria dos manifestantes tem
cerca de 20 anos, portanto, todos nascidos em regime político flexível, como
também fazem parte da “era da informação”, em que todos estão conectados em
rede pelas plataformas digitais.
“Por isso, surgem organizações
que se articulam em arranjos táticos pontuais para garantir determinadas
reivindicações”, explica Oliveira, sem deixar de ressaltar que apesar desses
jovens não estarem conectados com as grandes narrativas ideológicas, eles
reconheçam que elas ainda existem e têm a sua importância.
Após a redução da tarifa, as
manifestações assumiram outras pendências por conta da insatisfação geral do
brasileiro com o governo.
Quanto a essa guinada nas
manifestações, Oliveira aponta que esse fenômeno expressa a formação de uma
nova esfera pública, na qual múltiplas ideias e ideologias estão em disputa.
“Não se trata apenas de uma pauta
de reivindicações para ser negociada com os governantes, é preciso construir um
espaço para o diálogo entre sociedade civil e instituições.”
O professor afirma também que a
situação atual mostra uma população que quer se autorrepresentar no espaço
político, e não que seus representantes façam política por ela, e relembra:
“Essa população não tem uma ideologia definida. É um espaço em disputa, por
isso grupos de direita também saíram às ruas para expressar suas bandeiras”.
A desobediência civil e o Black Bloc
Não há dúvida que o Movimento
Passe Livre (MPL) e o Black Bloc saem dessas manifestações como dois dos seus
principais protagonistas.
O primeiro prioriza a ação direta
não-violenta; interditaram ruas e estradas e ocuparam prédios públicos.
Respondem como um grupo organizado com pautas objetivas e metas de conduta
dentro de uma manifestação.
Já o Black Bloc não é um grupo,
nem possui nenhum tipo de representação. Carregam semelhanças com o grupo
Anonymous, uma rede de troca de ideias e informação sem líderes e completamente
anônima.
O Black Bloc é definido no
momento da manifestação e formado por um grupo de pessoas que agem de maneira autônoma
com algumas afinidades - enfrentam a polícia, constroem barricadas nas ruas e
depredam empresas-símbolo do Capital.
De acordo com Pablo Ortellado,
professor de Políticas Públicas da USP, o Black Bloc não pode ser considerado
uma tática de ação violenta, já que seus adeptos destroem o patrimônio público
e não a integridade física das pessoas.
Com vandalismo
Para entender melhor como agem os
membros do Black Bloc, Yargo Gurjão, membro do coletivo Nigéria, acompanhou de
perto as manifestações de junho e julho em Fortaleza, registrando depoimentos
de manifestantes e as cenas de conflito.
O resultado é o documentário
"Com vandalismo", que mostra quem são e o que querem esses
mascarados. Gurjão explica que antes de qualquer julgamento ou contextualização
histórica, o importante é dialogar com eles, e de preferência com muitos.
“O Black Bloc deve ser visto de
maneira cuidadosa, a ideia é não haver unidade ou liderança, mas existe o
espírito de solidariedade entre eles”, alerta.
O integrante do coletivo Nigéria
também aponta que é preciso diferenciar o ato violento daquele que é feito como
resistência a uma violência.
“A grande mídia não se interessa
pela motivação de quem pratica a desobediência civil. Tachar manifestante de
‘vândalo’ esgota as chances de tentar compreender a complexidade de toda a
situação”, resume ele.
O documentário "Com
vandalismo" mostra que os manifestantes mudam a sua maneira de agir de
acordo com o calor do momento. O vídeo registra jovens pacifistas na linha de
frente dos conflitos com o batalhão de choque da Polícia Militar e mascarados
carregando outros manifestantes para longe do gás lacrimogêneo. Portanto, é
coerente afirmar que não há como definir quem são esses “vândalos”.
Solidariedade
“A linha de frente foi o lugar
onde mais vimos atos de solidariedade”, diz Yargo, ao argumentar que é preciso
entender o que leva esses jovens ao conflito direto com os policiais. Segundo
ele, a impotência das pessoas perante o aparato repressor da polícia também faz
com que aumente o espírito coletivo dos que se encontram nessa situação.
Apesar de não simpatizar com as
táticas do Black Bloc, Dennis de Oliveira, por sua vez, faz uma ressalva no
mesmo sentido. A de que ação é justificada pela “existência de uma polícia
contaminada com a ideologia militarista de combate ao inimigo interno, oriunda
da ditadura militar”.
“A brutal concentração de
riquezas, em especial pelos bancos e instituições financeiras, e a impunidade
desses segmentos sociais por parte das instituições do poder público é que
facilitam a geração dessa revolta expressa dos Black Blocs”,complementa.
O momento ainda é cedo para se
ter uma definição exata do que seja essa mobilização de jovens. A única coisa
que se pode afirmar sobre essas pessoas é que são muito mais do que “vândalos”
e que cabe à sociedade se perguntar de onde vieram e por quem lutam os Black
Blocs.
Fonte: Brasil de Fato
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