Heitor Scalambrini Costa
Há quase 20 anos vemos uma
disputa política entre dois partidos pelo poder. Natural disputa, já que se
constitui a própria razão da existência dos partidos políticos. Um dos temas
que tornou frequente nesta peleja é a questão energética.
As criticas eram com relação à
visão dos idealizadores da reforma no setor elétrico que com a promulgação da
Lei 8987/95, conhecida como a Lei de Concessões de Serviços Públicos, e da Lei
Setorial 9047/95, foram estabelecidos os fundamentos básicos do novo modelo
elétrico, iniciando assim a abertura do setor à participação dos capitais
privados. A partir daí, a energia tornou-se uma mera mercadoria sujeita as leis
de mercado. A reestruturação acabou resultando num grande descompromisso do
Estado Brasileiro em planejar e investir neste bem estratégico. O resultado foi
o fiasco, e a barbeiragem do governo federal em 2001/2002 que ficou conhecido
como “apagão”. Na realidade ocorreu o desabastecimento de energia, o
racionamento. O partido então no poder, foi criticado severamente (e com toda
razão) pelo partido que almejava o poder. Este evento, sem dúvida, contribuiu
em muito para a derrota e a alternância no governo federal.
Os antigos críticos do modelo
mercantil, que levou a privatização de 100% das distribuidoras energéticas
estaduais, uns 40% da transmissão e quase 30% da geração; chegaram ao poder,
mas não cumpriram as promessas de campanha, e simplesmente não alteraram sua
essência, vigente até os dias de hoje. Realizaram apenas modificações e
adequações do antigo modelo.
Muitas das promessas que
justificaram entregar ao setor privado componentes fundamentais do setor
elétrico (geração, transmissão, distribuição); como a eficiência na gestão, a
melhoria da qualidade dos serviços, a inexistência de novos “apagões”, e a modicidade
tarifária, acabaram não se concretizando. Pelo contrário, os serviços prestados
tiveram uma queda vertiginosa na qualidade, e ocorreu uma explosão tarifária.
Equívocos sucessivos cometidos
nesta área estratégica estão levando ao descrédito o sistema elétrico nacional.
A frequência e a duração das interrupções de energia levaram as autoridades do
setor a afirmarem, que as ocorrências destes episódios são “mera coincidência”,
“fatalidade”, provocadas por “perturbações atmosféricas”. Enfim, culpabilizam
alguém que não pode se defender, o santo São Pedro. E outras baboseiras sem
igual. A população não aceita mais esta “conversa para boi dormir”.
Necessário reconhecer que há
problemas, e deixar de lado a auto complacência das autoridades que tentam
minimizar as causas e os efeitos da extensa série de interrupções do
fornecimento de energia, que tem afetado a vida de milhões de brasileiros.
É bom não esquecer que a péssima
tradição da política tupiniquim não mudou. Continua o “loteamento” dos
ministérios para os grupos alinhados da base governista, através de critérios
meramente político. Por exemplo, o Ministério de Minas e Energia, que faz parte
desta partilha, é um feudo que já perdura anos e anos. Como consequência, este
ministério estratégico e de caráter eminentemente técnico, está “infiltrado” de
neófitos. Seus “especialistas” tomam medidas no mínimo equivocadas, com
consequências dramáticas para a nação. Além do setor, continuar “hermeticamente
fechado” aos ares salutares da democracia. Quem decide a política energética é
o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), órgão de assessoramento da
presidência da republica, composto atualmente de 10 membros.
Tendo como ingredientes, o modelo
mercantil, a privatização, dirigentes incompetentes, decisões autoritárias e
antidemocráticas, falta da falta de transparência; o resultado não poderia ser
diferente do que encontramos hoje.
Enquanto os “apagões” e
“apaguinhos” se sucedem com uma frequência irritante, se trava uma luta pelo
poder, sem nenhum compromisso em resolver a atual situação, deixando a
população refém dos interesses dos partidos políticos. O que importa é
designar: “apagão de FHC”, “apagão do PSDB”, “apagão do Lula”, “apagão da
Dilma”, “apagão do PT”, etc, etc. Enquanto isso a situação se agrava, a
desconfiança e a falta de credibilidade do setor aumenta, e é a população quem
“paga o pato”.
Sem dúvida não há sistema de
geração, transmissão e distribuição de energia totalmente imune a acidentes e
falhas. No entanto, o que ouvimos das autoridades como explicações das
frequentes interrupções no fornecimento, atingindo extensas áreas e
prejudicando milhões de brasileiros, é totalmente inaceitável. As falhas
apresentadas no sistema indicam problemas de manutenção e de projeto.
Traduzindo, investimentos estão
sendo subtraídos, e falta mais engenharia, pessoal qualificado (menos
apadrinhados). Também o que se verifica nos balanços contábeis das empresas são
lucros exorbitantes, em particular das distribuidoras, completamente fora da
realidade nacional.
Devemos deixar de lado o
oportunismo político que assola o país, e resgatar a dignidade de se fazer
política. As urnas de outubro de 2012 mostraram o quanto à população rejeita a
politicagem. Quase 1/3 dos eleitores se recusaram a depositar seu voto em
qualquer político. Optaram por impugná-lo, não ir votar, deixá-lo em branco.
Daqui a aproximadamente 18 meses, novas eleições serão realizadas, inclusive a
disputa pelo cargo de presidente. Esta na hora da classe política respeitar
mais os desejos e reclamos da população. Ela merece respeito.
Heitor Scalambrini Costa - Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
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