Lei foi criticada pelo movimento de mulheres pelas restrições e atacada pelos conservadores que não querem nenhuma concessão aos direitos e liberdades femininas
O presidente José Pepe Mujica
sancionou lei aprovada pelo parlamento uruguaio descriminalizando o aborto até
a 12ª semana de gestação.
A decisão faz do Uruguai o
segundo país da América Latina a mudar a legislação nesse sentido. O primeiro
foi Cuba, após a Revolução de 1959.
Em alguns países como o México,
uma verdadeira batalha judicial resultou em decisão semelhante, mas válida
apenas para a capital, Cidade do México. Buenos Aires, na Argentina, neste
momento enfrenta uma onda conservadora, após o legislativo ter seguido o Supremo
Tribunal e aprovado a regulamentação para casos de aborto legal, como gravidez
resultante de estupro, já reconhecido na lei.
O Uruguai foi o primeiro país da
região a liberar divórcio e garantir o direito de voto para mulheres.
A lei uruguaia para o aborto, no
entanto, enfrenta críticas do movimento de mulheres. Para ser aprovado na
Câmara dos Deputados, o projeto sofreu mudanças forçadas por setores
conservadores. Entre os problemas, está o fato de ser uma legalização parcial,
apenas para os primeiros meses da gestação, que cria uma série de
condicionantes e tira a autonomia das mulheres para decidir.
Lei de Prazos
A chamada Lei sobre Interrupção
da Gravidez foi sancionada no dia 22 de outubro pelo presidente Pepe Mujica,
após ser aprovada pela Câmara dos Deputados por 50 votos contra 49; e no Senado
em 17 de outubro, com 17 votos de um total de 31 senadores. A Frente Ampla,
partido do governo, tem maioria na Casa, com 16 membros.
Essa não foi a primeira vez que o
Congresso uruguaio aprovou a descriminalização do aborto. Desde 1978, o
movimento de mulheres realiza intensa luta por esse direito e dezenas de
projetos foram debatidos no Parlamento. Em 2008, uma legislação ainda mais
completa que a atual chegou a ser aprovada, mas foi vetada pelo então
presidente Tabaré Vázquez, também da Frente Ampla.
Apesar de descriminalizar o
aborto até a 12ª semana, três meses, a lei estabelece que para ter acesso ao
procedimento a mulher terá de apresentar e justificar suas intenções, passar
por entrevista com três profissionais, que a “conscientizarão dos riscos, dos
programas nacionais de apoio à maternidade e da possibilidade de adoção”; e
ainda passar por um período de 5 dias de “reflexão” até poder de fato ter
acesso à interrupção da gestação.
Essas condicionantes devem ser
dispensadas quando a gravidez for resultado de estupro, gerar grave risco para
a saúde da mulher ou quando houver má-formação do feto incompatível com a vida
fora do útero. Nestes casos, fica estabelecido o prazo de prazo de 14 semanas de
gestação.
As regras valem para o sistema
público e privado de saúde.
Reação do movimento de mulheres
Desde que foi aprovada na Câmara
dos Deputados, em setembro, o movimento de mulheres tem procurado esclarecer
que, desta forma, a lei não resolve integralmente o problema do aborto ilegal,
clandestino e de risco.
Para Télam Alejandra López,
codiretora da ONG uruguaia Mulher e Saúde, o problema é que a lei “não
despenaliza o aborto, porque o mantém como delito no Código Penal”.
“O Uruguai optou por aprovar uma
lei confusa e retrógrada que mantém o crime e, portanto, a sanção jurídica e
moral sobre as mulheres que abortam. A aplicação da pena só é suspensa se a
mulher que quer abortar cumprir com uma série de requisitos”, declarou Lilian
Abracisnkas, também da Mulher e Saúde (sigla MYSU). As mulheres que forem
denunciadas por abortos fora dos prazos continuarão cometendo crime e podem ser
denunciadas.
Vale lembrar que o período para
reflexão e a tal “conscientização dos riscos”, são iniciativas de cunho
puramente moral que, na prática, servem para questionar a decisão da mulher,
pressioná-la e atormentá-la. Para mudar sua decisão. Medidas nesse sentido são
defendidas por setores religiosos, contrários aos direitos das mulheres, em
diversos países onde o aborto já é legalizado, como os EUA.
Reação conservadora
Mesmo com todas essas
características, os setores conservadores se levantaram contra a lei.
A hierarquia da Igreja Católica
chegou a anunciar publicamente, no dia seguinte da aprovação pelo Senado, que
“vai excomungar todos os uruguaios que fizeram campanha em favor da
descriminalização do aborto, medida aprovada nesta semana pelo Congresso do país”
(Opera Mundi).
O mesmo foi feito em 2008 e
acabou fazendo com que o presidente Tabaré Vazquez vetasse o direito das
mulheres. Dessa vez, o presidente Pepe Mujica declarou que autorizar uma lei
que legaliza o aborto “é mais inteligente que proibi-lo”.
A Igreja defende a excomunhão
para manter em vigor o Código Penal de 1938, que prevê pena de prisão para a
mulher que fizer um aborto e a quem colaborar com ela.
Um avanço, mesmo que restrito
Apesar das críticas e dos
problemas evidentes que existem na lei, para as mulheres dos demais países da
América Latina, fica a expectativa de uma luta que resulte numa efetivação de
seus direitos em toda a região.
Inclusive porque na maioria
deles, como no Brasil, a luta e o debate sobre a legalização do aborto não
avança, justamente pela pressão dos setores religiosos, principalmente, a
hierarquia da Igreja Católica.
Prevalece uma nuvem de fumaça
moral que impede enxergar a realidade do aborto, um problema de saúde pública e
não de moral, que atinge milhões de mulheres e não pode ser resolvido através
da criminalização.
Afinal, como destacou a
professora e pesquisadora da UnB e do Instituto Anis de Bioética, Débora Diniz,
“Mulheres que, por razões filosóficas ou religiosas, se creem contrárias ao
aborto serão livres para professar suas crenças. O que o Estado uruguaio agora
protegerá é o direito das outras mulheres a fazerem suas escolhas livremente”.
A visão religiosa desse problema,
que leva a hierarquia católica a defender que um pecado diante da Igreja, seja
também crime diante do Estado, é absurda para um Estado que se denomina laico e
uma afronta permanente aos direitos democráticos das mulheres.
No Uruguai, uma pesquisa da
consultoria Cifra indica que 52% dos uruguaios apoiam a lei de despenalização
do aborto, enquanto 34% se manifestaram contrários.
fonte: site PCO
Nenhum comentário:
Postar um comentário