Venezuela - Igor Fuser- Nos
últimos dias a Venezuela voltou às manchetes dos jornais do mundo devido a uma
série de manifestações de rua. Abaixo, apresento uma série de mentiras
alardeadas pela chamada "grande mídia" e as suas respectivas
verdades.
Mentira: Os opositores saíram às ruas porque estão descontentes com os
rumos do país e querem melhorar a situação.
Verdade: O que está em curso na
Venezuela é o chamado "golpe em câmera lenta", que consiste em
debilitar gradualmente o governo até gerar as condições para o assalto direto
ao poder. O atual líder oposicionista, Leopoldo López, não esconde esse
objetivo, ao pregar aos seus partidários que permaneçam nas ruas até o que ele
chama de "La Salida", ou seja, a derrubada do governo. O roteiro
golpista, elaborado com a participação de agentes dos Estados Unidos, combina
as manifestações pacíficas com atos violentos, como a destruição de patrimônio
público, bloqueio de ruas e atentados à vida de militantes chavistas. A mídia
venezuelana e internacional tem um papel de destaque nesse plano, ao difundir
uma versão distorcida dos fatos. A aposta da direita é tornar o país
ingovernável. Trata-se de criar uma situação de caos até o ponto em que se
possa dizer que o país está "à beira da guerra civil" e pedir uma
intervenção militar de estrangeiros. Outro tópico desse plano é a tentativa de
atrair uma parcela das Forças Armadas para a via golpista. Mas isso, até agora,
tem se mostrado difícil.
Mentira: A Venezuela é um regime autoritário, que impõe sua vontade
sobre os cidadãos e reprime as manifestações opositoras.
Verdade: Existe ampla liberdade
política no país, que é regido por uma Constituição democrática, elaborada por
uma assembleia livremente eleita e aprovada em plebiscito. Nos 15 anos desde a
chegada de Hugo Chávez à presidência, já se realizaram 19 consultas à população
– entre eleições, referendos e plebiscitos – e o chavismo saiu vitorioso em 18
delas. Foram eleições limpas e transparentes, aprovadas por observadores
estrangeiros das mais diferentes tendências políticas, inclusive de direita. O
ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, que monitorou uma dessas eleições,
declarou que o sistema de votação venezuelano é "o melhor do mundo".
Esse mesmo sistema eleitoral viabilizou a conquista de inúmeros governos
estaduais e prefeituras pela oposição. Há no país plena liberdade de expressão,
sem qualquer tipo de censura.
Mentira: Quem está protestando contra o governo é porque "não
aguenta mais" os problemas do país.
Verdade: A tentativa golpista, na
qual se inserem as manifestações da direita, reflete o desespero da parcela
mais extremista da oposição, que não se conforma com o resultado das eleições
de 2013. Esse setor desistiu de esperar pelas próximas eleições presidenciais,
em 2019, ou mesmo pelas próximas eleições legislativas, em 2016, ou ainda pela
chance de convocar um referendo sobre o mandato do presidente Nicolás Maduro,
no mesmo ano. Essas são as regras estabelecidas pela Constituição – qualquer
coisa diferente disso é golpe de Estado. A direita esperava que, com a morte de
Chávez, o processo de transformações sociais conhecido como Revolução
Bolivariana, impulsionado pela sua liderança, entrasse em declínio. Apostava
também na divisão das fileiras chavistas, abrindo caminho para seus inimigos. A
vitória de Maduro – o candidato indicado por Chávez – nas eleições de abril de
2013, ainda que por margem pequena (1,7% de diferença), frustrou essa
expectativa. Uma última cartada da oposição foi lançada nas eleições municipais
de dezembro do ano passado. Seu líder, Henrique Capriles (duas vezes derrotado
em eleições presidenciais), disse que elas significariam um
"plebiscito" sobre a aprovação popular do governo federal. Mas os
votos nos candidatos chavistas superaram os dos opositores em mais de 10%, e o
governo ganhou em quase 75% dos municípios. Na época, a economia do país já
apresentava os problemas que agora servem de pretexto para os protestos, e
ainda assim a maioria dos venezuelanos manifestou sua confiança no governo de
Maduro. Diante disso, um setor expressivo da oposição resolveu apelar para o
caminho golpista.
Mentira: O governo está usando violência para reprimir os protestos.
Verdade: Nenhuma manifestação foi
reprimida. O único confronto entre policiais e opositores ocorreu no dia 17 de
fevereiro, quando, ao final de um protesto, grupos de choque da direita
atacaram edifícios públicos no centro de Caracas, incendiando a sede da
Procuradoria- Geral da República e ferindo dezenas de pessoas. Nestas últimas
semanas, as ações violentas da oposição têm se multiplicado pelo país. A casa
do governador (chavista) do Estado de Táchira foi invadida e depredada.
Caminhões oficiais e postos de abastecimento têm sido destruídos. Recentemente,
duas pessoas, que transitavam de motocicleta, morreram devido aos fios de arame
farpado que opositores estendem a fim de bloquear as ruas.
Mentira: O governo controla a mídia.
Verdade: Cerca de 80% dos meios
de comunicação pertencem a empresas privadas, quase todas de orientação
opositora. Mas o governo recebe o apoio das emissoras estatais e também de
centenas de rádios e TVs comunitárias, ligadas aos movimentos sociais e às
organizações de esquerda. Isso garante a pluralidade política e ideológica na
mídia venezuelana – algo que, infelizmente, não existe no Brasil, onde a
direita controla quase totalmente os meios de comunicação.
Mentira: Os Estados Unidos acompanham a situação à distância,
preocupados com os direitos humanos e os valores democráticos, para que não
sejam violados.
Verdade: Desde a primeira posse
de Chávez, em 1999, o governo estadunidense tem se esforçado para derrubar o
governo venezuelano e devolver o poder aos políticos de direita. Está
amplamente comprovado o envolvimento dos Estados Unidos no golpe de 2002,
quando Chávez foi deposto por uma aliança entre empresários, setores militares
e emissoras de televisão. Desde então, a oposição tem recebido dinheiro e
orientação de Washington.
Mentira: Os problemas no abastecimento transformaram a vida cotidiana
num inferno.
Verdade: Existe, de fato, a falta
constante de certos bens de consumo, como roupas, produtos de higiene e limpeza
e peças para automóveis, mas o acesso aos produtos essenciais (principalmente
alimentos e medicamentos) está garantido para o conjunto da população. Isso
ocorre graças à existência de uma rede de 23 mil pontos de venda estatais,
espalhados por todo o país, sobretudo nos bairros pobres. Lá, os preços são pelo
menos 50% menores do que os valores de mercado, devido aos subsídios oficiais.
É importante ressaltar que o principal motivo da escassez não é nem a
inexistência de dinheiro para realizar importações nem a incapacidade do
governo na distribuição dos produtos. Grande parte das mercadorias em falta são
contrabandeadas para a Colômbia por meio de uma rede clandestina à qual estão
ligados empresários de oposição.
Mentira: A atual onda de protestos é protagonizada pela juventude, que
está em rebelião contra o governo.
Verdade: Os jovens que participam
dos protestos pertencem, na sua quase totalidade, a famílias das classes alta e
média-alta, que constituem a quarta parte da população. Isso pode facilmente
ser constatado pela imagem dos estudantes que aparecem na mídia. São, quase
todos, brancos – grupo étnico que não ultrapassa 20% da população venezuelana,
cuja marca é a mistura racial. E não é por acaso que os redutos dos jovens
oposicionistas sejam as faculdades particulares e as universidades públicas de
elite. Os jovens opositores são minoria. Do contrário, como se explica que o
chavismo ganhe as eleições em um país onde 60% da população têm menos de 30
anos? Uma pesquisa recente, com base em 10 mil entrevistas com jovens entre 14
e 29 anos, revelou que 61% deles consideram o socialismo como a melhor forma de
organização da sociedade, contra 13% que preferem o capitalismo.
Mentira: A economia venezuelana está em colapso.
Verdade: O país enfrenta
problemas econômicos, alguns deles graves, como a inflação de mais de 56% nos
últimos 12 meses. Mas não se trata de uma situação de falência, como ocorre na
Europa. A Venezuela tem superávit comercial, ou seja, exporta mais do que
importa, e possui reservas monetárias para bancar ao menos sete meses de
compras no exterior. É um país sem dívidas. A principal dificuldade econômica é
a falta de crédito, causada pelo boicote dos bancos internacionais.
Mentira: A insegurança pública está cada vez pior.
Verdade: A Venezuela enfrenta
altos níveis de criminalidade, assim como outros países latino-americanos,
inclusive o Brasil. Esse tema é uma das prioridades do governo Maduro, que
chegou a mobilizar tropas do Exército no policiamento de certas áreas urbanas,
com bons resultados. A melhoria da segurança pública foi justamente o tema do
diálogo entre o governo e a oposição, iniciado no final do ano passado, por
iniciativa do presidente. O próprio Chávez, em seu último mandato, criou a
Polícia Nacional Bolivariana, a fim de compensar as deficiências do aparato de
segurança tradicional, famoso pela corrupção. Outra estratégia é o diálogo com
as "gangues" juvenis a fim de afastá-las do narcotráfico e atraí-las
para atividades úteis, como o trabalho na comunidade e a produção cultural. A
grande diferença entre a Venezuela e o Brasil, nesse ponto, é que lá o combate
à criminalidade ocorre num marco de respeito aos direitos humanos. A política
de segurança pública venezuelana descarta o extermínio de jovens nas regiões
pobres, como ocorre no Brasil.
Igor Fuser é brasileiro, é professor do curso de
Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), é doutor em
Ciência Políica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. Tem Mestrado em Relações Internacionais pelo
Programa de Pós-Graduação Santiago Dantas (Unesp, Unicamp, PUC-SP) (2005).
Também Graduação em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo
(1982). Reuter Fellow pelo Green College, University of Oxford (1993). Autor
dos livros "Energia e Relações Internacionais" (a ser lançado em
2012), "Petróleo e Poder - O Envolvimento Militar dos Estados Unidos no
Golfo Pérsico" (Ed.Unesp, 2008), "Geopolítica - O Mundo em
Conflito" (Ed.Salesiana, 2006), "A Arte da Reportagem" (org.
Ed.Scritta, 1996) e "México em Transe" (Ed.Scritta, 1995).
Fonte: Diario Liberdade e Brasil de Fato
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