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terça-feira, 4 de março de 2014

Bósnia: UE apoia governo corrupto e dispõe-se a enviar tropas para ajudá-lo – Lá a UE não apoia manifestantes anti-governo, como na Ucrânia

por AC * 
Discurso duplo, jogo duplo. Enquanto a União Europeia apoia os manifestantes contra o governo da Ucrânia – inclusive os mais violentos, os grupos fascistas – ao mesmo tempo apoia o governo corrupto da Bósnia apesar das manifestações populares.

O foco dos nossos media é selectivo. A 1700 km de Paris, o povo bósnio diz "Não" a um governo corrompido que privatizou tudo, arruinou o seu país e esgotou todas as manhas do nacionalismo étnico e do fundamentalismo religioso.

Alguns falam mesmo em "Primavera bósnia": duas semanas de manifestações populares, despedimentos de centenas de trabalhadores em empresas de Tuzla que acabam de ser privatizadas e já estão em falência. Doravante em todas as cidades, de Sarajevo a Mostar, bósnios, sérvios, croatas reclamam simplesmente "trabalho e pão".

Bósnia: da miragem da independência à realidade da dependência

A situação já é conhecida. Um país em que 44% da população está no desemprego (57% para o que têm menos de 25 anos), um terço abaixo do limiar de pobreza, um país totalmente dependente onde o défice comercial roça os 30 (4% na Grécia, 2% em França).

A miragem da independência dá lugar à realidade da dependência agravada face ao capital alemão, aos bancos austríacos, às tropas europeias. A Jugoslávia socialista, multicultural, pacífica não senão uma lembrança longínqua, mantida com nostalgia.

A Europa tem uma responsabilidade pesada nesta situação. Foi ela, em particular a Alemanha, que precipitou o estilhaçamento da Jugoslávia em 1992 ao reconhecer os secessionistas, a fim de recuperar a fatia grande do bolo.

Foi ela que impôs, em ligação com o FMI, "planos de ajustamento estrutural" que contribuíram para destruir a pequena agricultura do país, a indústria pesada herdada da ex-Jugoslávia socialista, o sector bancário, com tudo privatizado e passado à dependência dos capitais estrangeiros.

Bósnia, um país sob tutela europeia: o Alto representante, um pró-consul

Hoje, a Bósnia é não só um país dependente mas sob tutela. Como herança dos Acordos de Dayton (1995), o "Alto representante para a Bósnia" é o verdadeiro mestre do país.

Este alto dignitário internacional é sempre membro de um país da UE. Ele tem direito de impor decisões obrigatórios, inclusive contra o parecer dos eleitos locais ou nacionais, de anular medidas tomadas por estes últimos e até de mesmo de revogar o mandato destes eleitos.

Foi assim que o Alto representante impôs a adopção do Marco como moeda nacional, de uma bandeira nacional (como no Kosovo) muito semelhante à da União Europeia e, naturalmente, pressionou pela adopção das "reformas estruturais" em vista da adesão à UE: cortes nas ajudas sociais, baixa de salários, privatizações dos sectores chave.


A revolta popular que decorre há várias semanas na Bósnia é uma reacção de cólera contra esta agenda europeia. Uma agenda que reduziu o país – outrora a região mais próspera da Jugoslávia – à miséria.

Para o Alto representante: "há que pensar no envio de tropas europeias"

A primeira reacção foi do pró-consul, o actual Alto representante para a Bósnia, o austríaco Valentin Inzko.

Numa entrevista a jornal vienense Kurier, em 9/Fevereiro/2014, ele advertiu que a situação é "a pior" desde a guerra civil e lançou um apelo: "Se a situação se degradar, deveremos pensar no envio de tropas das União Europeia à Bósnia".

O ardente Paddy Ashdown, que foi Alto representante de 2002 a 2006 e que revogou o mandato de centenas de eleitos locais bósnios, lança um grito por ajuda: "É preciso que a comunidade internacional aja agora, ou do contrário receio que a ameaça da secessão se torne irresistível", declarou à cadeia americana CNN.

Qual foi a resposta dos dirigentes da União Europeia? Bem diferente daquela dada à Ucrânia. Um apoio prudente ao governo, uma necessidade urgente de acelerar a integração europeia ... assim como encarar a utilização da força para cobrir a infâmia de um governo corrompido.

"Que estes dirigentes mostrem sua liderança, nos os apoiaremos" (Catherine Ashton)

Assim, a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, aconselhou os desacreditados dirigentes bósnios a dar uma solução aos problemas da população, pela adopção de reformas económicas, e deu o apoio da UE ao governo sob esta óptica.

"Há muitos dirigentes na Bósnia-Herzegovina, e já é tempo de demonstrarem sua liderança, nos os apoiaremos nesta tarefa".

Este não é o mesmo discurso que teve na Ucrânia face ao governo de Ianukovithch!

Ela acrescentou, em conferência de imprensa a 11 de Fevereiro: "é preciso que os manifestantes exprimam suas reivindicações de modo pacífico, sem recurso à violência, que nós condenamos".

Mais uma vez, pode-se comparar os apelo diferentes na Ucrânia, onde a repressão governamental foi a primeira a ser condenada, ao passo que a violência dos manifestantes – frequentemente organizada por milícias de extrema direita – foi minimizada.

O comissário europeu Stefan Füle em Sarajevo...
no palácio do governo!

O Comissário europeu para a integração e o alargamento da UE, o alemão Stefan Füle, foi enviado a Sarajevo para encontrar ... os líderes dos diferentes partidos bósnios repudiados pelos manifestantes a fim de encontrar uma saída da crise.

Ele contudo discutiu com eles, não para exigir-lhes demissão, para impor reformas sociais mas ... o Julgamento do Tribunal Europeu dos direitos humanos, acabar na Bósnia com as discriminações que impedem judeus e ciganos de aceder à Presidência e à Assembleia.

Fule partiu furioso de Sarajevo, pois os diferentes partidos nacionalistas nada cederam sobre esta questão central para o seu fundo racista. Ele não deu o menor apoio aos manifestantes, tentou apenas fazer pressão sobre o governo.

"Pode-se dar-lhes uma ajuda, como fazemos o tempo todo"

Recorda-se que em Kiev, Catherine Ashton e também os ministros dos Negócios Estrangeiros alemão e polaco vieram dar apoio aos manifestantes pró europeus, até na praça Maidan, levando laranjas aos "indignados" de cabeças raspadas.

Nada de muito diferente de Doris Pack, adida do Parlamento Europeu para a Bósnia, para quem "a situação actual pode aproximar a Bósnia da UE (...) se os dirigentes actuais fizerem esforços para resolver os problemas.

Pode-se dar-lhes uma ajuda, como fazemos o tempo todo, e mostrar-lhes que estamos sempre interessados no futuro deste país. Uma forte representação da UE pode convencer as pessoas a juntar-se novamente à União Europeia".

Junto aos diplomatas dos principais países europeus, indignados com a situação da Ucrânia, há um silêncio ensurdecedor. É o que se passa com o ministro dos Negócios Estrangeiros francês (Fabius) e o alemão (Steinmaier).

Só o ministro dos Negócios Estrangeiros inglês, William Hague, qualificou a situação na Bósnia como "advertência à UE", apelando à União Europeia para que acelere a integração do país no bloco europeu.

Tropas de ocupação europeias na Bósnia? Mas elas já estão lá!

Sabe-se que a Bósnia ainda abriga sobre o seu solo tropas europeias. Recorda-se que as forças de interposição da ONU haviam cedido o lugar, desde 1995, àquelas da NATO (o IFOR depois a SFOR), elas próprias ultrapassadas em 2004 pelas EUFOR: as forças armadas europeias.

A EUFOR não visava apenas garantir uma paz desinteressada mas assegurar oficialmente um ambiente pacificado, inclusive no plano social, para assegurar a transição rumo à integração europeia.

A partir de 2004, as tropas europeias passaram de 6500 em 2004, para 2500 em 2007 e hoje a pouco menos de 1000.

Entretanto, a Áustria – ao mesmo tempo primeiro fornecedor de tropas, potência dominante no sector bancário e financeiro bósnio e país de origem do Alto representante na Bósnia – reforçou o seu contingente local, com o envio em Janeiro de 2014 de 130 homens suplementares.

Pouco importa se a União Europeia ousará mobilizar tropas na Bósnia – ou antes, reforçar o contingente já presente. Em qualquer caso, o que revelam as crises paralelas da Bósnia e da Ucrânia é realmente a hipocrisia dos nossos dirigentes.

Que a mão direita que ajuda manifestantes duvidosos (nacionalistas mas pró europeus) na Ucrânia não veja que ela ajuda um governo ainda mais duvidoso (nacionalista mas pró europeu) na Bósnia.

O original encontra-se em solidarite-internationale-pcf.over-blog.net/...          

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .



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