por Hernando Calvo Ospina-
A Comissão da Verdade mostra claramente que o
SIC-10 fora montado "no estilo paramilitar israelense" (montado para
combater a resistência palestina). Um antigo membro do SIC-10 conta igualmente
que antigos oficiais da Mossad haviam ensinado certas técnicas de tortura aos
oficiais equatorianos: "Estes cursos de treino transformaram o pessoal em
máquina para exterminar as pessoas". E ainda: "A crueldade [dos
israelenses] havia atingido um tal ponto que, para os exercícios práticos,
utilizavam como cobaias seres humanos que haviam sido presos,
Febres Cordero governou o Equador com mão de
ferro e revolver à cintura, como se se encontrasse numa das numerosas haciendas
de que era proprietário. Encorajado pelo seu grande amigo, o presidente
americano Ronald Reagan, ele impõe o programa neoliberal que o Fundo Monetário
Internacional (FMI) lhe sugeria desde a sua chegada ao governo. Consciente da
possibilidade de uma reacção popular, aproveitou-se do pretexto da emergência
de guerrilhas (pouco poderosas) no país para lançar os serviços de segurança
numa escalada repressiva sem precedente. Toda pessoa ou organização cujas
acções pudessem ser vagamente assimiladas às de oponentes políticos eram
visadas, na linha da estratégia de guerra contra "o inimigo interno"
ditada pela Doutrina da Segurança Nacional americana nos anos 1960. No Equador,
evoca-se muito rapidamente a receita dos três "B": bilhetes (de
dinheiro) para os amigos; bastões para os indecisos; balas para os inimigos.
Após três anos de inquéritos, a 7 de Maio de
2010 a Comissão entregou seu relatório ao Presidente Correa [1] . Ali se
encontrava o registo de 831 violações dos direitos humanos tendo afectado 456
vítimas, assim como os nomes dos principais oficiais responsáveis de torturas,
de violações, de execuções extra-judiciais, de desaparecimentos e de
assassinatos. Ainda que estas práticas tenham prosseguido nos governos
seguintes, 70% dos crimes mencionados foram cometidos durante o mandato de
Febres Cordero.
O relatório "revela" um segredo de
polichinelo: no decorrer deste período, um grupo clandestino foi encarregado
das "tarefas sujas". Ele estava instalado no próprio seio do Serviço
de Investigação Criminal, a polícia secreta, e usava o nome de SIC-10. Até
então, a sua existência sempre fora negada pelos serviços de segurança e pelos
responsáveis políticos de direita. A sra. Elsie Monge, presidente da Comissão
Ecuménica dos Direitos Humanos (CEDHU) e à testa da Comissão da Verdade,
entretanto declarou: "Ainda que alguns neguem a existência desta entidade,
a realidade demonstra que ela semeou o terror por toda parte. Era o sistema
mais repressivo que já se conhecera". [2]
Em nome do Estado, o presidente Correa pediu
perdão ao conjunto das vítimas. Quase três anos mais tarde, em Fevereiro de
2013, enquanto muitos duvidavam que os responsáveis fossem um dia punidos, o
procurador-geral Galo Chiriboa ordenou a apreensão de cerca de 150 mil páginas
conservadas nas caves da Polícia Judiciária. Depois, a 5 de Junho, ele anunciou
publicamente: "Temos os nomes dos membros originais do SIC-10". Ele
prometia além disso que as pessoas implicadas em 136 casos de violações dos
direitos humanos, além de 456 assassinatos políticos, seriam acusadas.
Graças ao testemunho isolado das vítimas –
inclusive a do autor deste artigo [3] – soube-se que, desde 1985, existia um
aparelho clandestino de repressão e que ele funcionava em coordenação com as
forças armadas e as forças de política, assim como com a Interpol e numerosos
governos estrangeiros (Colômbia, Chile, Peru, Costa Rica, Estados Unidos e
Espanha). Tratava-se portanto de uma cópia do que havia sido o Plano Condor
instaurado no Cone Sul do continente e dirigido pelo general chileno Augusto
Pinochet com o apoio de Washington. Contudo, até então, nenhuma autoridade
equatoriana havia efectuado o inquérito.
As investigações conduzidas pelo jornalista
Rolando Panchana, no fim dos anos 1990, confirmaram uma parte destas
informações. Elas permitiram concluir que o SIC-10 fora criado expressamente
por ordem do presidente Febres Cordero e que ele dependia directamente do
ministro do Interior da época, Luis Robles Plaza.
Ainda que a Comissão da Verdade não tenha tido
acesso a uma boa parte dos arquivos dos serviços de segurança e que nem todos
os oficiais implicados tenham aceite exprimir-se sobre o assunto, os resultados
obtidos confirmam o que alguns se obstinavam em negar. Mas se as declarações do
procurador-geral puseram fim à negação, a maior parte dos media equatorianos
contentou-se com uma informação superficial.
O procurador-geral teve de reconhecer que seus
pedidos de explicações às altas esferas da polícia nacional não tiveram
resultado: "A resposta foi o silêncio e no caso do SIC-10 o silêncio e a
negação dos factos". [4]
Alguns membros do SIC-10 estão mortos. Os
principais responsáveis políticos igualmente: Febres Cordero e Robles Plaza.
Numerosos deles estão na reforma, inclusive os principais chefes das operações,
mas continuam a dispor do apoio político da direita e de sectores das forças
armadas e dos serviços de polícia, pois conseguiram ascender nos escalões das
suas hierarquias. Por exemplo, Byron Paredes foi nomeado coronel (e aprisionado
por tráfico de droga); Fausto Flores é doravante coronel e chefe da luta contra
o tráfico de droga numa província do Equador; Enrique Amado Ojeda, chefe do
SIC-10 na província de Pichincha, atingiu a patente de general da polícia;
Mario Pazmiño foi nomeado director das informações do Exército, até a sua
demissão pelo presidente Correa, nomeadamente devido à sua proximidade com a
CIA [5] .
A Comissão da Verdade mostra claramente que o
SIC-10 fora montado "no estilo paramilitar israelense" (montado para
combater a resistência palestina). Um antigo membro do SIC-10 conta igualmente
que antigos oficiais da Mossad haviam ensinado certas técnicas de tortura aos
oficiais equatorianos: "Estes cursos de treino transformaram o pessoal em
máquina para exterminar as pessoas". E ainda: "A crueldade [dos
israelenses] havia atingido um tal ponto que, para os exercícios práticos,
utilizavam como cobaias seres humanos que haviam sido presos, (...)
ordenavam-nos criar pequenos animais domésticos (cães) e, depois de alguns
meses, obrigavam-nos a matá-los, como prova de lealdade; era preciso abrir-lhes
o estômago com um punhal e extrair-lhes do seu corpo não importa que órgão com
a nossa boca. (...) Utilizavam-se também silhuetas de madeira ou de papelão
portando os nomes das nossas mães e devíamos atirar-lhes em cima". [6]
De agora em diante a bola encontra-se no campo
dos tribunais. Aquando da entrega do relatório da Comissão da Verdade, o
presidente Correa afirmou: "Os actos violentos são imprescritíveis e não
são susceptíveis de serem objecto de reduções de pena nem de amnistias, para
construir uma sociedade cuja bandeira de luta contra a impunidade permitirá ao
Equador ser um território de paz. [7]
Notas
[1] "Sin verdad, no hay justicia",
Rapport de la Commission de la vérité, Quito, mai 2010.
[2] Elsie Monge, " En archivos de policia judicial constalistado de integrantes del SIC-10 ", Quito, 07 juin 2013.
[3] Ler seu testemunho: Tais-toi et respire. Torture, prison et bras d'honneur,
Bruno Leprince Editions, Paris, mars 2013.
[6] Hugo España Torres, El testigo, Ediciones
Abya-Yala, Quito, 1996.
[7] " Crímenes de lesa humanidad son imprescriptibles, advierte el Gobierno", ANDES, Quito, 08 mai 2010.
[*] Auteur de Tais-toi et respire. Torture, prison et brasd'honneur , Bruno Leprince Editions, Paris, Março/2013.
O original encontra-se em blog.mondediplo.net/...
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
foto: internet
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