Para além de crianças com rostos
pintados ou com cocar na cabeça, no “Dia do Índio”, comunidades propõem
reflexão. Povos tradicionais lutam pela demarcação de territórios e contra
interesses econômicos.
Lembrado mais como uma data
folclórica, o “Dia do Índio” – celebrado em 19 de abril – perdeu a reflexão e o
debate necessários sobre as questões enfrentadas por esses povos no Brasil.
Para além de crianças com rostos pintados ou com cocar na cabeça, nesta data
povos indígenas propõem uma verdadeira discussão sobre as dificuldades
enfrentadas. Entre os desafios estão a demarcação de terras tradicionais, falta
de acesso a serviços públicos, preconceitos e casos de desrespeito aos direitos
humanos.
Atualmente, existem mais de 230 povos
indígenas vivendo no Brasil. A população total dessas comunidades chega a quase
900 mil pessoas, segundo o último Censo Demográfico. Número muito abaixo dos
estimados 5 milhões que existiam antes da chegada dos europeus por aqui.
Para o indígena e integrante do
Tribunal Popular, Sassá Tupinambá, não há o que comemorar no dia 19 de abril.
Diante da situação de descaso do Estado brasileiro quanto à garantia e defesa
dos direitos dos povos indígenas, ele defende maior comprometimento.
“Não faz sentido ter esse dia e
esse dia ser ratificado pelo Estado brasileiro, sendo que o Estado brasileiro
não cumpre as próprias regras criadas pelo Estado, que é a Constituição Federal
e as leis internacionais que o Brasil é signatário em relação aos direitos dos
povos indígenas.”
A garantia das terras
originalmente ocupadas continua a ser o principal problema enfrentado pelos
indígenas. Com o modelo econômico adotado no país, que se baseia no agronegócio
e na exportação de commodities, essa população tem direitos violados.
Assédio econômico
A principal resistência está nos
setores políticos e econômicos. O procurador da República no Amazonas, Júlio
Araújo, considera o direito à terra o ponto central da questão indígena.
“A gente tem problemas de terras
que não foram devidamente demarcadas – não consideraram efetivamente a ocupação
tradicional dos índios –, e terras já demarcadas, mas que sofrem muitas
pressões porque possuem riquezas, como minérios e madeira.”
Um estudo da Comissão Pró-Índio
de São Paulo divulgado no dia 18 de abril alertou que a mineração é a principal
ameaça na maioria das terras indígenas analisadas.
A pesquisa ainda apontou além da
extração de recursos naturais, obras de infraestrutura, expansão do turismo e
especulação imobiliária como outras ações que ameaçam as comunidades.
Araújo destaca que os indígenas
não têm como resistir às pressões econômicas.
“Há um assédio muito forte do
interesse econômico sobre essas terras, gerando violência. Esse é um grande
problema e um ponto central, porque a terra para os povos indígenas assume um
caráter de pertencimento. Uma relação muito mais forte do que a nossa relação
de posse física”.
Entraves jurídicos
De acordo com um levantamento
realizado pelo MPF em 2009, somente no Mato Grosso do Sul havia 87 processos
judiciais envolvendo disputa de terras indígenas.
O povo Xavante, da terra
Marãiwatsédé, no nordeste do Mato Grosso, é um exemplo dessa realidade. Somente
após vinte anos o processo de regularização chegou ao fim.
Sem o reconhecimento oficial das
comunidades, não há acesso aos serviços públicos. O MPF já registrou vários
casos em que povos indígenas não recebem atendimento. O procurador Júlio Araújo
ressalta a garantia dos serviços públicos como dever do Estado independente do
reconhecimento formal dos territórios.
“A comunidade acaba ficando meio
que em um limbo. Embora a autoidentificação seja o critério realmente
relevante, muitas vezes o atendimento de uma comunidade depende de critérios
formais, embora a gente considere equivocado esse entendimento.”
Entre os exemplos verificados
pelo MPF está o da população Tembé, das aldeias Jeju e Areal, da cidade de
Santa Maria do Pará (PA). A comunidade não pode usar os serviços do Distrito
Sanitário Especial de Saúde Indígena.
Contra os estereótipos
Sobre o “Dia do índio”, Sassá
Tupinambá ainda reforça que não deseja ver crianças saindo das escolas pintadas
de verde e amarelo ou com cocares feitos de papel, reforçando estereótipos
sobre a cultura indígena. Para ele, o momento é de denúncia das violências
vividas pelas comunidades no país.
“É preciso mostrar qual é a
realidade que os povos indígenas estão vivendo, sendo atacados nas suas terras
por pistoleiros, tendo suas terras invadidas por latifundiários, a morosidade
do Estado brasileiro e do governo na demarcação, ampliação e desintrusão de
terras.”
Levantamento do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi) registra 503 assassinatos de indígenas no Brasil
entre 2003 e 2011. O número corresponde a uma média de 55,8 mortes por ano.
Fonte: site: Radioagência NP, Daniele Silveira.
Foto: Egon Heck - Cimi
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