Campanha Banda Larga.- A história
nos prega peças. O Ministro das Comunicações do Governo Dilma, ligado ao
Partido dos Trabalhadores, cogita a possibilidade de doar bilhões em bens
considerados públicos às teles em troca de investimentos em redes de fibra óptica
das próprias empresas. A infraestrutura essencial para os serviços de
telecomunicações, minimamente preservada na privatização de FHC, será entregue
às mesmas operadoras para que estas façam aquilo que deveria ser obrigação da
prestação do serviço.
Quando o Sistema Telebras foi
vendido em 1998, a telefonia fixa passou a ser prestada por concessionárias.
Essas empresas receberam da estatal toda a infraestrutura necessária à operação
do serviço, a qual foi comprada por alguns bilhões de reais. Definiu-se um
prazo para as concessões e os bens a ela relacionados foram regulados como
reversíveis, isto é, devem voltar à União ao final dos contratos de concessão
para nova licitação. São bens submetidos ao interesse público, que retornam à
posse do Poder Público para que, terminada a concessão, a União defina com quem
e como deve se dar continuidade à prestação, já que é ela a responsável pelo
serviço de acordo com a Constituição Federal.
Esse modelo de concessão foi
adotado em razão de uma escolha crucial do Governo FHC, a aplicação de regime
jurídico ao serviço de telefonia fixa condizente com sua essencialidade – o
regime público. Ele permite ao Estado exigir metas de universalização e
modicidade tarifária das empresas concessionárias, além de regular as redes do
serviço como reversíveis.
Antes da privatização, de 1995 a
1998, foram investidos bilhões de recursos públicos para preparar as empresas
para os leilões. A planta da telefonia fixa quase dobrou. Posteriormente à
venda, as redes reversíveis se desenvolveram para cumprir metas de
universalização previstas nos contratos de concessão a serem concluídas até
2005. A ampliação da cobertura foi viabilizada pela tarifa da assinatura
básica, reajustada durante muitos anos acima da inflação e até hoje com valor
injustificadamente elevado.
Além desse incremento dos bens da
concessão, a infraestrutura da telefonia fixa se tornou suporte fundamental
para a oferta de acesso à banda larga no país. Mesmo as redes que eventualmente
não tenham relação direta com o telefone, apresentam ligação financeira com
ele. Afinal, também durante anos, e ainda hoje, houve subsídio cruzado ilegal
da concessão às redes privadas de acesso à Internet. A telefonia que deveria
ter tarifas menores passou a se constituir na garantidora da expansão da banda
larga conforme critérios de mercado e de interesse econômico das operadoras.
Assim, a medida cogitada pelo
Ministro Paulo Bernardo aponta ao menos dois graves problemas. Primeiro, ela
significa a transferência definitiva ao patrimônio das teles de bilhões em bens
que constitucional e legalmente deveriam retornar à União, pedindo em troca que
essas empresas invistam em si mesmas, ou seja, em redes que serão para sempre
delas. Segundo, a doação bilionária envolveria grande parte da espinha dorsal
das redes de banda larga no país, enfraquecendo ainda mais o Estado na condução
de políticas digitais. Como se não bastasse, essa medida significaria o suspiro
final do regime público nas telecomunicações, com a prestação da telefonia fixa
passando exclusivamente ao regime privado.
Diante do desafio de especificar
quanto das redes atuais de telecomunicações são ligadas à telefonia fixa ou
resultado de suas tarifas, o arranjo em avaliação sem dúvida simplifica o
processo em favor das operadoras. Não só isso, minimiza as vergonhosas
consequências de até agora já ter sido vendido um número considerável de bens
reversíveis sem autorização ou conhecimento da Anatel, que deveria tê-los
controlado desde as licitações, mas não o fez efetivamente.
Se aprovada tal proposta, o nosso
saldo será a privatização do que resta de público nas telecomunicações e o
profundo desprezo pelo caráter estratégico da infraestrutura de um serviço
essencial como a banda larga. Estaremos diante do desrespeito violento à determinação
constitucional de que a União é a responsável pelos serviços de
telecomunicações, na medida em que perderá o direito de interferir na gestão de
redes que passarão a ser exclusivamente privadas.
A justificativa ensaiada para
essa operação é a de que, por um lado, os bens da concessão estão se
desvalorizando e, por outro, de que é preciso disseminar fibra óptica pelo país
e não há como obrigar as empresas a investirem onde não existe interesse econômico.
Porém, o que o Governo quer é encontrar novo subterfúgio para não enfrentar sua
falha central nesse campo: o não reconhecimento da banda larga como serviço
essencial.
A necessária tarefa de levar
banda larga e redes de fibra óptica a todo o Brasil poderia ser realizada sem a
transferência de bens de interesse público à iniciativa privada se o Governo
garantisse a prestação da banda larga também em regime público. Como visto,
esse regime confere ao Estado maiores prerrogativas para exigir o cumprimento
de obrigações por parte das empresas. Paralelamente, o modelo regulatório
atualmente desenhado prevê mecanismos públicos de subsídio para parte dos
investimentos impostos.
O principal deles é o Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), com recursos
constantemente contingenciados pelo Governo Federal. De acordo com a lei que o
instituiu, o FUST só pode ser utilizado para o cumprimento de metas de
universalização, obrigação que se refere apenas a serviços prestados em regime
público. Nesse caso, o financiamento público para a ampliação das redes das
operadoras se justifica pelos seguintes motivos: (i) o dinheiro se destina
somente à parte dos investimentos que não pode ser recuperada com a exploração
do serviço; (ii) os valores das tarifas são controlados para que o serviço seja
acessível à população, contemplando-se também acessos gratuitos; e (iii) a rede
construída não é patrimônio definitivo das operadora, pois sua posse volta à
União ao final da concessão. Com tais garantias, outros subsídios poderiam ser
estudados e aplicados sem significar favorecimento das teles.
Entretanto, o Governo mantém a
prestação da banda larga exclusivamente em regime privado, criando alternativas
ilegais e bastante complicadas para lidar com a demanda de ampliar as conexões
à Internet no país e, ao mesmo tempo, evitar o enfrentamento com os poderosos
interesses privados. Ao invés de submeter as grandes empresas do setor às
obrigações do regime público, opta pela frouxa negociação da oferta de planos de
banda larga popular, por empréstimos pouco transparentes do BNDES, pela
desoneração de tributos na ordem de 6 bilhões de reais para a construção de
redes privadas, pela defesa da utilização do FUST também em regime privado e,
agora, considera admissível a doação às teles dos bens que restaram da
privatização para que elas invistam em redes próprias, não reversíveis.
Nunca antes na história desse
país se tratou com tamanha leviandade serviços essenciais e redes estratégicas!
Fonte : Desacato. Info e Campanha Banda Larga
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