por
Thierry Deronne
Enfiemo-nos na pele de uma pessoa
que apenas dispusesse dos meios de comunicação diário para se informar sobre a
Venezuela e que dia após dia se falasse de ‘manifestantes’ e “repressão”. Como
não entender que essa pessoa acreditasse que a população está na rua e que o
governo a reprime?
Porém, não há nenhuma revolta
popular na Venezuela. Apesar da guerra econômica a grande maioria da população
vai para as suas ocupações, trabalha, estuda, sobrevive. É por isso que a
direita organiza as suas marchas com início nos bairros ricos. É por isso que
recorre à violência, ao terrorismo e se localiza nos municípios de direita. Os
bairros venezuelanos são em 90%, bairros populares. Compreende-se a enorme
lacuna: os media transformam as ilhas sociológicas das camadas ricas (alguns %
do território) em “Venezuela”. E 2% da população em “população”. [1]
A ex-presidente argentina
Cristina Fernandez, depois de Evo Morales, denunciou: “a violência é utilizada
na Venezuela como metodologia para alcançar o poder e derrubar um governo” [2].
Do Equador, o ex-presidente Rafael Correa recordou que “a Venezuela é uma
democracia. É através do diálogo, com eleições, que devem ser resolvidas as
diferenças. Muitos casos de violência vêm claramente dos partidos da oposição
[3]. Esta também é a posição do Caricom, que inclui os países do Caribe [4]. O
papa Francisco teve que incitar os bispos da Venezuela que, como no Chile em
1973, arrastavam os pés face ao diálogo nacional proposto pelo Presidente
Maduro [5]. Este lançou o processo participativo para a Assembleia
Constituinte, e confirmou a eleição presidencial legalmente prevista para 2018.
Assembleia Popular. Desde o
desaparecimento de Hugo Chávez, em 2013, a Venezuela é vítima de uma guerra
económica que visa privar a população de bens essenciais, principalmente
alimentos e medicamentos. A direita local reúne certos elementos da estratégia
implementada no Chile pela dupla Nixon-Pinochet, claramente para causar a
exasperação dos setores populares e legitimar a própria violência. De acordo
com o relatório do orçamento 2017 colocado no site do Departamento de Estado
[6]. Foram entregues 5,5 milhões de dólares à “sociedade civil” da Venezuela. O
jornalista venezuelano Eleazar Diaz Rangel, editor do diário Últimas Notícias
(centro-direita) revelou trechos do relatório que o Almirante Kurt Tidd, chefe
do comando Sul, enviou para o Senado dos EUA: “com a política do MUD (coligação
da oposição venezuelana) estabelecemos uma agenda comum, que inclui um cenário
duro, combinando ações de rua e dosificando o emprego da violência a partir da
perspectiva de cerco e asfixia.” [7]
A fase insurrecional implica
atacar os serviços públicos, escolas, maternidades (El Valle, El Carrizal),
instituições de saúde, bloquear ruas e artérias principais para bloquear a
distribuição de alimentos e paralisar a economia. Através da mídia privada, a
direita apela abertamente aos militares para realizarem um golpe de Estado
contra o Presidente eleito [8]. Mais recentemente os bandos paramilitares
colombianos passaram do papel de formadores para um papel mais ativo: o corpo
sem vida de Pedro Josué Carrillo, militante chavista, acaba de ser encontrado
no Estado de Lara, com marcas de tortura típicas do país de Uribe [9] .
Apesar dos morteiros, armas,
granadas ou coquetéis Molotov usados por manifestantes “pacíficos”; (sem
esquecer as efígies de chavistas enforcadas em pontes, assinatura dos
paramilitares colombianos), a lei proíbe a polícia ou a guarda nacional de usar
as armas de fogo. Manifestantes da direita aproveitam a oportunidade para
forçar a sua vantagem e evidenciam o seu ódio sobre guardas ou polícia,
provocá-los com jactos de urina, excrementos e disparos com balas reais, observando
a reação das câmaras da CNN.
Elementos das forças de segurança
que desobedeceram e foram culpados de ferimentos ou mortes de manifestantes
foram presos e processados [10]. O fato é que a grande maioria das vítimas são
trabalhadores que iam para o trabalho ou voltavam, ativistas chavistas ou
elementos das forças da ordem [11] . É por isso que os media falam de mortes em
geral – para que se acredite que se trata de “mortos pelo regime.” A lista dos
“mortos” serve para aumentar o apoio global à desestabilização: há nestes
assassinatos, é terrível constatá-lo, o efeito de uma encomenda para os media.
Qualquer manifestante que mata,
destrói, agride, tortura, sabota sabe que será santificado pela mídia
internacional. Estes tornaram-se um incentivo para perseguir o terrorismo.
Todos os mortos, todas as sabotagens econômicas serão atribuídas ao “regime”,
incluindo dentro da Venezuela, onde a mídia, como a economia, é na sua maioria
privada. Que a democracia participativa que é a da Venezuela tente defender-se
como compete a todo o Estado de direito, vai ser imediatamente denunciada como
“repressiva”. Quem ouse punir um terrorista, e isto o tornará de imediato um
“preso político”. Para o jornalista e sociólogo argentino Marco Teruggi “; uma
intervenção na Venezuela, o governo dos Estados Unidos tem condições mais
favoráveis do que tinha para bombardear a Líbia, tendo em conta o fato de que a
União Africana tinha condenado essa intervenção quase por unanimidade. (..)
Tudo depende da capacidade da direita manter mais tempo o braço de ferro na rua
como espaço político. Donde a importância de manter a caixa de ressonância
mediática”. [12]
Exemplo sórdido desta ligação: em
5 de Maio de 2017, usando uma foto digna de um fotograma de Hollywood (mas que
não é a da vítima) Le Monde denuncia “a morte de um líder estudantil morto
durante os protestos contra o projeto do Presidente Maduro convocar uma
Assembleia Constituinte”. Ora a vítima, Juan (e não José como escreveu Le
Monde) Bautista Lopez Manjarres é um jovem líder estudantil revolucionário,
assassinado por um comando da direita quando participava numa reunião em apoio
do processo da Assembleia Constituinte.
Le Monde menciona também a reação
do maestro Gustavo Dudamel, em digressão no estrangeiro, pedindo para que
“cesse a repressão” após a morte do jovem violista Armando Canizales. No
entanto, este músico não foi vítima da repressão, mas também ele de um projétil
disparado das fileiras da direita.
O jornal espanhol La Vanguardia,
virulentamente oposicionista da Revolução Bolivariana, admite excepcionalmente
pelo texto do seu enviado especial Andy Robinson: “Tal como em outros momentos
da crise, a narrativa de uma juventude heroica, morta pela ditadura Bolivariana
não cola no caso de Armando Canizales. (..) É quase certo que o projétil não
foi disparado pela polícia, mas pelos próprios manifestantes. É sabido que
alguns deles fizeram armas artesanais para os choques diários a polícia.” [13]
.
A reação rápida do Sr. Dudamel é
representativa das numerosas personalidades artísticas submetidos a forte
pressão mediática nos seus países, obrigados a fazer declarações para
satisfazer a opinião pública, 99% convencida pelos media, para denunciarem a
“repressão na Venezuela”.
A 16 de Maio, o Le Monde
denunciou “; a morte de um jovem de 17 anos, baleado num comício contra o
Presidente Maduro”. Não é verdade. A pesquisa mostra que Yeison Natanael Mora
Castillo foi morto por um projétil idêntico ao usado para assassinar o violista
Canizales. Ele não participava numa reunião anti-Maduro. Seus pais são membros
de uma cooperativa em luta para recuperar um latifúndio de sete mil hectares,
suportando desde há muito ataques do grande proprietário. Eles apresentaram uma
queixa contra os organizadores da marcha da oposição, e numa entrevista ao
jornal local Ciudad Barinas denunciaram a manipulação que falsamente atribuía
ao governo Maduro o assassinato de seu filho. [14]
Imputar sistematicamente ao
governo bolivariano os assassinatos cometidos pela direita, é todo o
“jornalismo” de Paulo Paranaguá no Le Monde. Em 21 de Abril, atribui aos
coletivos chavistas a morte de um estudante de 17 anos, Carlos Moreno, morto
por uma bala na cabeça, bem como de Paola Ramírez Gómez, de 23. Dupla mentira.
De acordo com a família de Carlos Moreno, o adolescente não participava em
qualquer manifestação e dirigia-se para um torneio de desportivo. O assassino
foi preso: é um membro da polícia de Oscar Oscariz, presidente da Câmara
Municipal de Sucre. O jornal da oposição Tal qual assim relata. [15] . Quanto à segunda vítima
referida por Paranaguá, Paola Rodríguez, o seu assassino foi preso pelas
autoridades: é Ivan Aleisis Pernia, um militante da direita.
O “diário dos mercados”; não é o
único a mentir de forma assim tão sórdida nesta ‘luta pela liberdade’. O La
Libre Belgique, New York Times, France-Culture, El Pais, Le Figaro, ou mesmo
Mediapart são robôs da vulgata global. Esta invenção da “repressão” é tanto
mais fácil quanto a imagem típica do manifestante maltratado por um polícia tem
vantagem quando se é privado do contexto relativo à imagem. Longe da Venezuela,
apenas alguns poderão dispor dos cenários onde jovens são treinados, armados,
pagos para provocar as forças de segurança e produzir a ” ;imagem” ;
necessária. A concentração global dos meios de comunicação e a crescente
convergência de redes sociais com os grandes media fazem o resto, fixando o
imaginário tanto à esquerda como à direita. Veem-se assim os politicamente”;
insubmissos”; submeterem-se aos media e acrescentarem sem dar por isso a sua
pedrinha para a campanha global:
Os que retransmitem na internet
este poster provavelmente não imaginam a falsidade que se esconde por trás do”.
Anonymous Venezuela”. A capacidade da extrema-direita de se servir de alguns
símbolos do movimento alternativo global e capitalizar apoios é revelada aqui:
Quando cai a máscara de Guy Fawkes da oposição venezuelana”. [15]
Em suma, como se da história da
propaganda e das guerras nada se tivesse aprendido, caímos sem cessar na
armadilha. Malcolm X tinha prevenido: “se não tivermos cuidado, os media vão
fazer que as vítimas sejam consideradas os torturadores e os carrascos as
vítimas”. Transformando a violência da extrema-direita em “revolta popular”,
travestindo de “combatentes da liberdade” assassinos nostálgicos do apartheid
dos anos 90, é em primeiro lugar contra os cidadãos da Europa, que a
uniformização midiática se volta: a maioria dos telespectadores, leitores e
ouvintes apoiam sem saber uma agressão para derrubar um governo democraticamente
eleito. Sem a democratização em profundidade da propriedade dos media, a
profecia de Orwell acaba por ser tímida. A Venezuela é suficientemente forte
para evitar um golpe como aquele que acabou com a unidade popular de Salvador
Allende, mas a crescente desconexão da população de ocidente com o mundo
voltar-se-á contra ela própria.
Micromanual de autodefesa perante
a vaga mediática
“A Venezuela é um “regime
ditatorial”. Falso. Desde 1999, a Venezuela bolivariana organizou um número
recorde de votos (25), reconhecidos como transparentes por observadores
internacionais. De acordo com o antigo presidente do Brasil Lula da Silva, é um
“excesso de democracia”. Por Jimmy Carter, que observou 98 eleições em todo o
mundo, a Venezuela tem o melhor sistema eleitoral no mundo. Em Maio de 2011, o
relatório da canadiana Fondation pour l’Avancée de la Démocratie (FDA) colocou
o sistema eleitoral da Venezuela no primeiro lugar do mundo pelo respeito das
normas de base da democracia. A ONG chilena Latinobarómetro estabeleceu no seu
relatório de 2013 que a Venezuela bate registos da confiança dos cidadãos na
democracia na América Latina (87%), seguidos por Equador (62%) e México (21%).
O Presidente Nicolás Maduro acaba de lançar um processo participativo para a Assembleia
Constituinte que permite que todos os setores sociais façam as suas propostas,
o que vai resultar num novo escrutínio, tendo também reafirmado que as eleições
presidenciais terão lugar em 2018, conforme estipulado na lei.
“Não há liberdade de expressão
para a Venezuela” Falso. Das mais de 1000 estações de rádio e televisão, a que
o Estado concedeu permissão para emitir, 67% são privadas (a grande maioria
opostas à Revolução Bolivariana), 28% estão nas mãos das comunidades, mas
transmitem apenas a um nível estritamente local e 5% são Propriedade do Estado.
Em 108 jornais que existem, 97 são privados, 11 públicos; 67% da população
venezuelana tem acesso à internet. Esta plataforma é dominada pelos media
privados, reforçada pela rede das transnacionais desempenha um papel crucial na
desinformação e no serviço de desestabilização. Para um dossier pormenorizado e
quantificado desta paisagem mediática ver “François Cluzel ou l’interdiction
d’informer sur France-Culture”. [17]
“Existem prisioneiros políticos
na Venezuela”. Falso. A menos que se considere “presos políticos” assassinos de
extrema-direita do partido Aurora Dourada presos na Grécia. No Estado de
direito, quer se chame França ou Venezuela, ser de direita não significa estar
acima da lei, nem poder cometer impunemente crimes como assassinatos, ataques à
bomba ou ser corrupto. Não é pelas suas políticas, mas por este tipo de crimes
que as pessoas têm sido julgadas e aprisionadas. [18] Na prática, observa-se
também um certo laxismo da justiça. De acordo com pesquisas da empresa privada
Hinterlaces , 61% dos venezuelanos consideram que os promotores da violência e
atos de terrorismo devem responder pelos seus atos perante um tribunal. [19]
Lembremos que os atuais líderes
da direita nunca respeitaram as instituições democráticas: estes são os mesmos
que, em Abril de 2002, lideraram um sangrento golpe de Estado contra o
Presidente Chavez, com a ajuda da confederação patronal local e soldados treinados
na School of Americas. Estes são os mesmos que organizaram a violência de 2013
a 2016. Observe-se a identidade de um dos seus mentores
Álvaro Uribe, um dos maiores
criminosos contra a humanidade da América Latina, antigo presidente de um país
governado pelo paramilitarismo e os cartéis de drogas, que tem as maiores valas
comuns do mundo, o que conta 9 500 prisioneiros políticos, 60 630 pessoas
desaparecidas nos últimos 45 anos e que desde a assinatura dos acordos de paz
retomou uma política seletiva de assassinato de líderes sociais e defensores
dos direitos humanos. Para informações completas e fotos destas ligações dos
heróis do Le Monde com o paramilitarismo colombiano, leia-se Venezuela: la
presse française lâchée par sa source?
Venezuela, 20 de maio de 2017.
Notas
[1] Ver
venezuelainfos.wordpress.com/…
[2] Entrevista integral de
Cristina Kirschner com Jorge Gestoso www.youtube.com/watch?v=-WM6nD6hPu0
[3]
ambito.com/883274-tras-reunirse-con-michetti-correa-defendio-a-venezuela Ver
também www.telesurtv.net/…
[4] correodelorinoco.gob.ve/…
[5] www.ultimasnoticias.com.ve/…
[6]
www.state.gov/documents/organization/252179.pdf , (pág. 96)
[7] www.southcom.mil/…
[8] Como reconhece Julio Borges,
líder do partido de extrema-direita Primero Justicia e atual presidente da
Asembleia Nacional, numa entrevista não complacente que lhe fez o jornalista da
BBC Stephen Sackur, em 19 maio de 2017: bbc.co.uk/programmes/p052nsxd
[9] /tatuytv.org/…
[10] Detalhes de vários casos no
site Parquet bit.ly/2ro4iXE ; bit.ly/2qE9MNb ; bit.ly/2q5RsbU ; bit.ly/2rnNT5s
[11]
albaciudad.org/2017/05/lista-fallecidos-protestas-venezuela-abril-2017/
[12]
hastaelnocau.wordpress.com/2017/05/09/radiografia-de-la-violencia
[13] www.lavanguardia.com/…
[14]
www.desdelaplaza.com/poder/yeison-lo-mataron-manifestantes-la-mud-destacado/
[15]
www.talcualdigital.com/Nota/…
[16]
venezuelainfos.wordpress.com/…
[17]
venezuelainfos.wordpress.com/…
[18]
venezuelainfos.wordpress.com/…
[19] hinterlaces.com/…
O original encontra-se em
www.legrandsoir.info/comment-le-monde-invente-la-repression-au-venezuela.html
Fonte: site Pátria Latina . Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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