Para Augusto César, a resistência
aos programas do governo são meios encontrados pela classe médica para manter
uma reserva de mercado nas áreas mais carentes de atendimento
por José Coutinho Júnior,
“Somos ricos, somos cultos. Fora
os imbecis corruptos”. Com este grito, diversos médicos protestavam em frente
ao ministério da saúde na terça-feira (30/07). A razão dos protestos é,
principalmente, a oposição dos médicos brasileiros às propostas do governo em
relação à saúde.
O programa Mais Médicos, lançado
pelo governo federal com o intuito de aumentar o número de profissionais da
saúde em áreas carentes, causou polêmica ao propor a vinda de médicos
estrangeiros para trabalhar no Brasil.
O processo de cadastramento do
programa foi conturbado. Dados mais recentes apontaram que 3.891 médicos
formados no Brasil com registro válido se cadastraram; no entanto, 1.631 destes
médicos já desistiram do programa, e segundo o ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, 90% de todos os cadastros tinham registros inválidos, com sequências
numéricas como 000 ou 111. A denúncia de boicote ao programa foi encaminhada à
Polícia Federal, que investiga o caso.
A proposta de que médicos que
cursam universidades públicas deveriam servir dois anos no Sistema Único de
Saúde (SUS) para concluir o curso também foi fortemente atacada, o que fez com
que o governo retrocedesse.
Para Augusto César, militante do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e formado em medicina em Cuba,
essa resistência aos programas do governo são meios encontrados pela classe
médica para manter uma reserva de mercado nas áreas mais carentes de
atendimento. “A classe médica brasileira teme perder privilégios de reserva de
mercado que eles exercem. Por faltar médicos, eles podem sugar das prefeituras
preços salariais altíssimos. Por isso, a oposição às medidas do governo”.
Falta de médicos
Andreia Campigotto, médica
formada em Cuba e também militante do MST, acredita que a proposta de trazer
médicos estrangeiros é positiva. “É uma maneira de acabar com essa injustiça
social no país, que é a falta do acesso à saúde. Para fortalecer o SUS,
precisamos resolver problemas de gestão e financiamento, mas também fortalecer
os recursos humanos, com profissionais comprometidos com o sistema de saúde e
que trabalhem para consolidá-lo”.
De acordo com uma pesquisa
realizada pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o número de médicos no
Brasil aumentou de 59 mil para 400 mil (aumento de 557%) nos últimos 40 anos. O
país chegou a dois profissionais para cada 1.000 habitantes. No entanto, a
distribuição é desigual. Enquanto a região Sudeste tem 2,7 médicos para cada
mil habitantes, a região nordeste tem a metade desse número.
“Existem brasileiros que nunca
tiveram acesso a um médico. E quando tem, só pagando. A vinda dos médicos é uma
medida pontual, que deve ser acompanhada de outras iniciativas. No entanto,
emergencialmente é a melhor maneira para resolver a falta de médicos,
principalmente no interior e nas periferias das grandes cidades, onde poucos
abrem mão do seu salário alto para ir”, diz Augusto.
Investimentos
Uma das principais reivindicações
dos protestos ocorridos no Brasil é a melhoria da saúde pública, com a destinação
de 10% dos recursos do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor. O SUS, apesar
de gratuito, apresenta deficiências e ainda está longe de atender às
necessidades dos brasileiros.
Um dos gargalos é o
subfinanciamento do SUS. Apenas 4% do PIB é investido na saúde pública, que
atende 68% dos brasileiros, de acordo com pesquisa do Ibope. Países como Cuba,
Noruega e Canadá investem pelo menos 10% do PIB em saúde pública.
Esse baixo investimento tem
graves consequências para a saúde no país. “Os baixos investimentos, ao longo
de mais de 50 anos, repercutem no sucateamento de toda a saúde, desde a
formação dos médicos até a manutenção de equipes básicas, postos de saúde e de
políticas que possam gerar e promover saúde no nosso país”.
Estrutura precária
Para as entidades de classe dos
médicos, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), as medidas planejadas pelo
governo não resolvem o problema da saúde porque o principal gargalo se encontra
nas estruturas precarizadas dos hospitais e nas condições de trabalho dos
profissionais da saúde. Dados do conselho apontam que a maioria dos hospitais
do país possui em média 50 leitos, quando o ideal seria entre 150 e 200.
Augusto acredita que existe uma
meia verdade no discurso do CFM. “Construir hospitais não resolve o problema da
saúde. Se isso não está casado com uma estratégia maior, não vai resolver. O
que nós necessitamos urgentemente são investimentos na atenção básica de saúde,
que vai desde os postos de saúde às unidades básicas, que são a porta de entrada
capaz de curar mais de 80% dos usuários da saúde”, defende.
Apesar da estrutura precária ser
um problema crônico da saúde brasileira, a falta e má distribuição de médicos é
uma questão urgente e igualmente grave. “Melhorar a infraestrutura e condições de
trabalho é fundamental, mas isso não é um impedimento para o nosso trabalho. No
nordeste, estamos num grupo de residência e medicina da família que atende 4000
pessoas. Vivemos na pele a carência de infraestrutura, mas continuamos a
realizar um trabalho humanizado, tratando o paciente com atenção, amor e
respeito. Conseguimos resolver de 80% dos problemas da área em que atendemos”,
afirma Andreia.
“O debate sobre a vinda de
médicos estrangeiros é importante para mostrar à população brasileira que o
foco não está somente na falta de estrutura. A falta de médicos - comprometidos
em sair das grandes cidades e ir para o interior, para municípios que nunca
tiveram acesso à saúde por falta de profissionais dispostos - é um problema
mais grave do que a falta de estrutura”, acredita Augusto.
Fonte: Brasil de Fato e MST - Foto: Valter
Campanato/ABr
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