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sábado, 20 de outubro de 2012

SE HÁ ALGUMA COISA ABUNDANTE EM CUBA SÃO AS ELEIÇÕES.


Ricardo Alarcón, entrevistado por Carlos Aznárez

Ricardo Alarcón de Quesada, presidente do Parlamento cubano, ofereceu uma entrevista ao jornalista Carlos Aznárez, do jornal Tiempo Argentino, na qual analisa o atual período eleitoral em Cuba. Na entrevista, Alarcón também se refere à luta que Cuba e seus amigos solidários realizam pela libertação dos cinco cubanos injustamente encarcerados nos EUA há 14 anos.

Carlos Asnárez – Fora de Cuba, há uma idéia de que aqui as eleições são relativas, em função da existência de partido único. Como é o sistema eleitoral cubano e quais são seus valores, em termos da democracia?

Ricardo Alarcón de Quesada – Nós estamos agora em um processo eleitoral. Essa é uma das diferenças fundamentais com o modelo em curso, com o falso paradigma. A essência do sistema de eleições no mundo ocidental contemporâneo implica que os eleitores, que não são todos os cidadãos, mas uma parte deles, são chamados a votar em algum candidato que foi selecionado pelo sistema eleitoral, ou partido político. Os cidadãos têm, portanto, muito pouca participação na seleção dos candidatos. Em Cuba, já se passam várias semanas em um processo pelo qual a população selecionará, pelo voto, aquelas pessoas que serão seus candidatos. Não creio que isso seja parecido com o que predomina pelo mundo.

Aqui podemos afirmar que milhões de cubanos já votaram devido às assembléias de eleição ou de seleção de candidatos. No dia 21 de outubro, a população está convocada a ir às urnas para votar nos vários candidatos que ela mesma escolheu. Os candidatos não são indicados, eles são eleitos. Não estão ali por decisão de um sistema eleitoral.

CA – Eles são eleitos com base em quais características ou qualidades?

Alarcón – Obviamente, a propaganda que se faz em todos os jornais ou na televisão fala de apoiar os melhores, os mais capazes. Mas, na realidade, pode acontecer que, por exemplo, um cidadão levanta a mão nas assembléias que são realizadas em todos os bairros e propõe a candidatura de alguém que considera representativo, ou, diretamente, ele mesmo se candidata, coisa que também pode acontecer e de fato acontece. Se algo é abundante em Cuba, são as eleições. Essa etapa termina no dia 21 deste mês; a segunda, dia 28, quando concorrem os eleitores daquelas circunscrições onde nenhum dos candidatos obteve mais de 50% dos votos.

CA – Porque não abrir as portas a mais partidos?

Alarcón – A ideia que associa a democracia com a “partidocracia” é historicamente recente. Nem sempre foi assim. Havia democracia no mundo, como conceito e como prática, muito antes do surgimento dos partidos políticos. A idéia do governo, baseado na soberania popular, é muito anterior a esses partidos. Além do mais, não somos os únicos que acreditamos que a democracia não se deve fundamentar na existência dos partidos: entre outros notáveis críticos desse sistema, está o próprio George Washington. Quando ele se despede da vida pública, em uma mensagem que se converteu em um testamento político, insiste para que não se caia no sistema de partidos políticos, o que precisamente hoje os estadunidenses exibem como um dogma. Na verdade, Washington foi presidente sem militar em nenhuma estrutura partidária. O conceito de que a sociedade tenha de se organizar e se dividir em partidos e de que essas estruturas ou organizações assumam a soberania popular é arbitrário.

São muitos os que o condenaram, incluindo Washington, ou o próprio Rousseau, que investiu, desde sua origem, contra a chamada democracia representativa, como algo fictício e irreal.

A única forma de democracia, para ele, era a que se exercia de forma direta, em que o eleito dependeria dos eleitores e não se arrogando como representante dos eleitores.

Veja bem o que acabou de acontecer em Madri, quando o Parlamento foi cercado por milhares de cidadãos, e a polícia espanhola apareceu batendo a torto e a direito. Quem estava no interior do Congresso? Representantes que chegaram ali por meio de algum partido político. Do lado de fora, estavam aqueles que não se consideraram representados por nenhum dos que estavam dentro. Esse é um exemplo claro da inutilidade desses partidos.

CA – Nas eleições da maioria dos países, se um candidato decepciona seus eleitores, pode por eles ser castigado, não se votando nele novamente em eleições futuras. Nesse caso, quais são as alternativas dos eleitores cubanos?

Alarcón – Muito simples: qualquer pessoa eleita pode ter seu mandato revogado, em qualquer momento, pelo eleitores. Nos últimos anos, fui deputado pelo município de Praza de la Revoluçión. A primeira vez que isso aconteceu, em 1993, me convidaram, assim como aos demais deputados da região, a participar da assembléia municipal, cujo ponto principal de pauta era a substituição do seu presidente. Sentei-me com os demais participantes e aconteceu uma intensa discussão: alguns não estavam a favor da destituição do companheiro, e falavam maravilhas de seu trabalho. Outros o criticavam duramente. Subitamente, aparece um velho companheiro trabalhador desse distrito e disse: “Senhores, deixem de drama, neste município nenhum presidente chegou ao fim de seu mandato, todos foram revogados”. Não existe prazo, nem restrição alguma para revogar cargos. Pode-se fazer isso em qualquer momento, sem que isso obviamente se transforme num caos, a partir do qual estaríamos votando todos os meses.

CA – Nas imagens que se divulgam no exterior sobre as eleições cubanas, busca-se ridicularizar as cifras de participação, que sempre são altas e, em muitos casos, superam os 90%.

Alarcón – Eu tenho uma explicação para isso. Quando você vota em Cuba para eleger alguém entre várias pessoas e sabe que uma delas foi proposta em sua assembléia de escolha de candidatos, que a conhece, sente-se mais próximo, isso te dá confiança. É muito diferente das eleições de outros países, na quais o candidato inunda as paredes com cartazes com sua foto, todo sorridente, prometendo de tudo. Em segundo lugar, se existe algo fácil em cuba, é votar. Os centros eleitorais estão a pouca distância de onde vivem as pessoas, a uma quadra, no máximo duas. Isso faz que a participação das pessoas seja muito maior em comparação com lugares onde as urnas estejam muito distantes. Outra é a lista dos eleitores. Se neste momento percorrermos a ilha, vamos observar, na porta dos edifícios, nos mercados, nas feiras, a lista dos eleitores submetida ao escrutínio público e ao controle popular. Eu vou a um desses locais e vejo se meu nome está constando da lista e, se não estiver, exijo que o façam constar. Mas também vejo que colocaram você na lista e então afirmo: este é argentino, não mora em Havana e não pode votar aqui. De maneira que, quando vou votar, já sei que votam tantas pessoas identificadas na porta com seu nome e sobrenome. Depois, na hora da apuração dos votos, a comissão encarregada pede ajuda aos eleitores que estão ali presentes. Comparemos isso com situações nas quais as pessoas nem sabem quantos podem votar, onde votam, nem quantos votaram, muito menos qual é o resultado.

Sobre os cinco patriotas cubanos e o terrorismo midiático

Alarcón – O julgamento dos cinco heróis cubanos é o mais longo da história estadunidense, do qual participaram e compareceram como testemunhas generais, militares, assessores da Casa Branca. Uma lista de pessoa que em qualquer outro caso teria atraído a atenção das pessoas. Em um país como os EUA, onde há dois canais de TV que cobrem temas judiciais 24 horas por dia, jamais se disse palavra alguma sobre o caso. Em troca, em Miami, foi exatamente o contrario.

Outra curiosidade: alguns meios de comunicação que não disseram nada fora de Miami, realizaram uma cobertura local sensacionalista. Recentemente, o advogado de Gerardo Hernandez apresentou um dossiê com todos os artigos de imprensa publicados em Miami sobre o caso. Desde o dia do início do julgamento até o momento que se conheceu o veredicto, somente em Miami Herald e em Novo Herald foram publicados 1.111 artigos, que dá uma média de cinco por dia. A isso se somam as emissoras de rádio e TV. Foi uma campanha sem precedentes de acusações e tergiversações.

Além disso, varias vezes durante o julgamento, os jurados se queixaram à juíza de que os jornalistas os perseguiam com câmeras e microfones, pelos corredores, nas portas de suas casas. O resultado era que essas pessoas manifestavam ter medo, pois tinham as placas de seus automóveis filmadas e passadas na TV local e isso nos EUA permite identificar todos os dados das pessoas.

Agora, o que não se sabia então era que, por detrás desse comportamento dos jornalistas, estava a pressão e o dinheiro pago pelo governo aos meios de comunicação.

Em 2005, se produziu uma das situações mais interessantes desse caso, quando no painel dos três juízes o julgamento foi declarado nulo e sem valor, um documento histórico de 93 páginas, contendo muitos dados sobre a atividade terrorista contra Cuba. Três juízes que não são comunistas nem castristas, mas simplesmente estadunidenses, descreveram a situação de Miami como uma “tormenta perfeita de hostilidade” e deram como exemplo os meios de comunicação locais. Em 2006, um jornalista do Herald publicou um artigo que denunciava vários jornalistas do diário que recebiam salário duplo do governo para tergiversar o tema dos "Cinco Cubanos". O certo é que o Herald atuou dessa maneira porque a concorrência estava investigando esse tema e decidiram adiantar-se. Todos os jornalistas implicados foram demitidos, mas, atualmente, a maioria voltou a seu trabalho, menos o autor da nota que denunciou todo o tipo de censuras e pressões.

Com esses dados, havia-se conseguido anular totalmente o julgamento e fazer com que os cinco patriotas cubanos recuperassem sua liberdade. Apesar dos avanços no caso, o governo continua distorcendo informações e assinala que, se for necessário, recorrerá à segurança nacional para impor sua posição contrária. Na história do EUA, não existe outro exemplo de ingerência governamental, usando recursos do orçamento público nacional, para conseguir a condenação de cinco pessoas em uma cidade no extremo sul do país. E isso, desgraçadamente, ainda não é notícia.

Fonte: site PCB

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